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Paulo Sérgio de Marco Leal

Presidente da Feplana

Op-AA-31

Ameaças ao invés de incentivos

Em 2011, a população mundial atingiu a marca dos 7 bilhões de habitantes. A Organização das Nações Unidas estima que, em 2050, o planeta abrigará uma população que pode superar os 10 bilhões de habitantes, caso a taxa de natalidade dos países mais populosos não seja reduzida. Diante desse cenário, o principal desafio é garantir a oferta de alimentos e de energia, de forma sustentável, para todos esses consumidores.

Além de ser considerado o celeiro do mundo, o Brasil destaca-se por ter a matriz energética mais limpa do planeta e com grande potencial de inclusão de fontes de energia capazes de mitigar a emissão de gases de efeito estufa.

Dentre essas fontes, destaca-se a cogeração de energia elétrica a partir da biomassa da cana-de-açúcar, gramínea tropical do tipo C4 com grande capacidade de sequestro de carbono. Projeções do setor sucroenergético indicam que, na década de 2020, nossos canaviais terão o potencial de fornecer energia equivalente à capacidade instalada de Itaipu (14.000 MW), a segunda maior hidrelétrica do mundo.

O Brasil descobriu a riqueza da cana-de-açúcar como máquina de geração de energia renovável no século passado, quando ainda não havia preocupações com o efeito estufa e as mudanças climáticas. O Proálcool, programa governamental pioneiro de substituição de combustíveis fósseis, lançado na década de 70, disponibilizou aos brasileiros energia limpa, barata e movida a fotossíntese.

Mais recentemente, na década de 2000, o combustível da cana, agora conhecido como etanol, voltou a participar do cotidiano dos brasileiros, tendo seu consumo impulsionado pela participação crescente dos veículos flex na frota nacional e da existência da mistura obrigatória à gasolina. A principal diferença entre o Proálcool do passado e o movimento atual de consumo de etanol é a política pública.

Hoje, a iniciativa privada é responsável pelos investimentos para garantir a oferta de etanol e tem que arcar com os prejuízos decorrentes da competição com a gasolina, combustível fóssil com preços administrados pelo governo federal.

Em um ambiente de economia aberta, os investidores, entre eles os produtores rurais, estão sujeitos a oscilações da oferta de crédito e da rentabilidade, inibindo a expansão da produção. Mais detalhadamente, os seguintes pontos explicam por que o Brasil ainda não conseguiu consolidar a participação da cana-de-açúcar, de forma definitiva, em sua matriz energética.

1. Crise financeira internacional de 2008: diante da crise financeira que abalou a economia mundial, o setor sucroenergético teve sua oferta de crédito sensivelmente reduzida, ficando impedido de investir na expansão de sua capacidade instalada para atender à crescente demanda.

Os fornecedores de cana-de-açúcar foram prejudicados com preços baixos, inferiores aos custos de produção e, em muitos casos, com a inadimplência no pagamento da cana recebida por algumas unidades industriais.

Obviamente, sem renda, é impossível investir na renovação da lavoura, resultando no cenário atual de canaviais envelhecidos, com produtividade insuficiente para atender à demanda. Hoje, o governo já sinalizou que quer etanol. Mas o que tem sido feito para garantir a rentabilidade da cadeia produtiva? Todos os incentivos fiscais são direcionados para a gasolina, tirando a competitividade do combustível da cana.

No Brasil, a regra é clara. Só se usa etanol se seu custo for 70% do preço da gasolina. Como competir com um produto (gasolina) que está, há 5 anos, com o mesmo preço? Temos de ter o mesmo tratamento tributário que é dado à gasolina. }

Sem uma política tributária igual à usada na gasolina, é impossível para o etanol competir de igual para igual, e o futuro das destilarias nas condições atuais de mercado tende a ter sua rentabilidade fortemente afetada, o que pode colocar em risco seu desenvolvimento sustentável.  

2. Custos crescentes de produção: nas últimas cinco safras, os fornecedores de cana-de-açúcar de São Paulo vêm recebendo sucessivamente preços abaixo dos custos de produção. Mesmo com a melhora do preço da cana na safra atual, o mesmo não atinge o custo total de produção, que aumentou cerca de 37% no período.

3. Insegurança Jurídica na área ambiental e do trabalho: quanto a essa questão, posso afirmar que o agricultor se sente muito mais seguro em plantar soja/milho, etc., pois irá empregar muito menos pessoas, e, consequentemente, com menos riscos trabalhista e ambiental.

4. Estímulo no preço da soja: na reforma do canavial, uma grande parte dos produtores fazem a rotação com soja e/ou amendoim. Nesses últimos anos,  a soja teve uma grande evolução de preços, e seu custo de produção, que era de 18 a 16 sacas/hectares, baixou para 11 sacas/hectares.

Também há outros pontos que causam grandes preocupações aos fornecedores de cana-de-açúcar. Entre eles, destaca-se a tendência de concentração dos canaviais nas mãos das usinas. As multinacionais que adquiriram empresas brasileiras sufocadas por dívidas, inclusive com os fornecedores, tendem a promover a integração vertical à montante de suas produções, excluindo os fornecedores do processo e concentrando renda em apenas um elo da cadeia produtiva.  

Deu no que deu, são elas as que menos produziram. Isso só desestimula o agricultor, para não dizer que essa política está fazendo uma Reforma Agrária ao inverso, pois, ao invés de manter o homem no campo, ela o está expulsando para a cidade. Como presidente da Feplana, a Federação dos Fornecedores de Cana do Brasil, espero que as usinas industrializem e comercializem e deixem para os produtores natos os canaviais. Será, com certeza, muito mais viável para a indústria.

Por fim, preocupa-nos que o governo federal utilize o artifício da ameaça, ao invés do incentivo, quando se trata de produção de etanol. Basta o preço do açúcar no mercado internacional subir um pouco, que se escuta falar em “Tributação para Exportação do Açúcar”.

Nossos gestores públicos precisam entender que a produção e a exportação de açúcar são atividades que, em muitas épocas, têm sustentado a receita do setor sucroenergético, inclusive dos fornecedores de cana, principalmente na situação de baixa competitividade do etanol frente à gasolina. Desestimular a atividade açucareira somente resultará em inibição de investimentos. Nossa história recente, que resultou na crise atual, deve ensinar uma importante lição aos formuladores de política pública: sem rentabilidade, não há garantia de oferta dos produtos do setor sucroenergético.