Assessora do Presidente da Unica para Assuntos Internacionais
Op-AA-21
Biocombustíveis certificados: como chegar lá
Colaboração: Mariana Regina Zechin, Analista Econômica e Beatriz Stuart Secaf, Analista Ambiental - Unica
Diversos setores envolvidos na produção e uso de biomassa para energia, incluindo autoridades públicas e a sociedade civil, discutem agora a sua sustentabilidade. Diferentes iniciativas vêm surgindo no sentido de se criar sistemas de certificação para biocombustíveis, que considerem os aspectos sociais, ambientais e econômicos envolvidos em seu processo produtivo, nos diferentes níveis de especificação: princípios, critérios e indicadores.
A certificação é um instrumento importante para diferenciar produtos, facilitar decisões de compra de clientes e consumidores, além de ser útil na legitimação da imagem dos setores envolvidos.Sua aplicação ainda é, porém, um grande desafio. Fóruns nacionais, internacionais e multistakeholders, tanto voluntários como obrigatórios, podem ser citados como exemplos de iniciativas para a elaboração de padrões que visam garantir a sustentabilidade da produção dos biocombustíveis: a Diretiva Europeia para o uso de energias renováveis (2008), a Mesa Redonda em Biocombustíveis Sustentáveis (RSB), a Better Sugarcane Initiative (BSI) e a Obrigação de Combustíveis Renováveis para Transporte do Reino Unido (Renewable Transport Fuel Obligation - RTFO) são algumas delas.
Os sistemas de certificação voluntários podem ser estabelecidos por processos que envolvam diversas partes interessadas (processo multistakeholder) ou ainda por meio de negociações bilaterais (business-to-business). Em ambos os casos, padrões são acordados entre as partes interessadas, assim como um sistema de verificação e monitoramento, que deve ser desenvolvido de acordo com os objetivos almejados. Quando se trata de certificações obrigatórias, estas são incorporadas à legislação, e seu cumprimento configura pré-condição para acesso ao mercado.
Grande parte de ambos os sistemas encontra--se em fase inicial ou ainda em desenvolvimento. Suas implicações práticas, assim como suas estruturas produtivas e custos inerentes são, portanto, ainda amplamente desconhecidas. Dentre as certificações vigentes, pode-se mencionar a “Obrigação de Combustíveis Renováveis para Transporte”, comumente designada por RTFO.
Desenvolvido pelo departamento nacional de transporte do Reino Unido e administrado pela Agência Britânica de Combustíveis Renováveis (Renewable Fuels Agency, RFA), o programa visa reduzir as emissões de carbono no segmento de transporte, atualmente responsável por quase 25% das emissões do país. Para tanto, estabelece que importadores e refinadores de combustíveis atuantes no Reino Unido comercializem obrigatoriamente certo percentual de biocombustíveis.
Pretende-se que, até 2010, estes respondam por 5% do total das vendas nacionais de combustíveis, sendo a meta intermediária atualmente vigente de 3,25% do volume. Concomitantemente ao mandato de mistura, o programa estabelece critérios de sustentabilidade (RTFO metastandards) para os biocombustíveis, cujo escopo agrega sete principais temas: cinco ambientais e dois sociais.
Cabe aos agentes comercializadores reportar voluntariamente os dados relativos ao cumprimento de tais critérios à RFA, que deve avaliá-los e publicá-los. Ressalta--se que esses dados ainda não são auditados, devendo os agentes prover informações verídicas. A Diretiva sobre Fontes Renováveis de Energia, aprovada em 2008 pela União Europeia, é outro exemplo de iniciativa obrigatória.
Essa norma impõe aos Estados Membros da UE a utilização, a partir de 2020, de 20% de energias renováveis em sua matriz energética, dos quais 10% deverão ser empregados no setor de transportes. Espera-se que parcela majoritária desses 10% estabelecidos como meta para o segmento de transporte seja cumprida pelo uso de biocombustíveis.
Contudo, diferentemente do RTFO, o bloco condiciona tais metas ao cumprimento de critérios obrigatórios de sustentabilidade. Isto é, para serem considerados na meta de 10% de uso de energias renováveis pelo setor de transportes e para recebimento de incentivos fiscais outorgados por certos países europeus ao uso de energias limpas, todos os biocombustíveis, independentes da origem, devem demonstrar adequação aos padrões de produção sustentáveis estabelecidos pela Diretiva.
A saber, esses padrões incluem aspectos relativos à redução de emissões de gases de efeito estufa, proibição do uso de terras com altos estoques de carbono e com alto valor para conservação, aplicáveis também em áreas de florestas e pantanais. Para garantir o cumprimento dos critérios, a Comissão Europeia poderá realizar acordos bilaterais e/ou multilaterais bem como reconhecer sistemas de certificação já existentes, sejam voluntários ou não, desde que estejam em conformidade com os padrões e procedimentos de verificação determinados pela Diretiva.
Estes deverão ser aceitos em todos os países integrantes da Comunidade Europeia, visando evitar custos administrativos e financeiros desproporcionais, bem como promover sua compatibilidade com as regras da Organização Mundial de Comércio - OMC. Esta última desempenhará papel crucial quando do cumprimento da Diretiva, a fim de garantir que não seja criada uma nova barreira não tarifária aos biocombustíveis vindos de outros países, como, por exemplo, o etanol brasileiro.
Para garantir o sucesso da Diretiva, porém, ainda é preciso que sejam elaboradas definições para os critérios exigidos, assim como metodologias para identificá-los. A atual ausência de regras claras dificulta a compatibilidade dos esquemas de certificação em desenvolvimento com o cumprimento das exigências europeias. Dentre os sistemas de certificação voluntários, vale mencionar o fórum internacional Better Sugarcane Initiative - BSI.
Seu objetivo é promover a produção sustentável da cana-de-açúcar e de seus subprodutos, através do estabelecimento de princípios e critérios mensuráveis, que sejam aplicáveis internacionalmente e desenvolvidos por meio de um processo gradativo e multistakeholder.De fato, a iniciativa já agrega importantes investidores, traders, produtores, indústrias e organizações não governamentais - ONGs, encontrando-se em fase de consulta pública e realização de projetos piloto, para posterior finalização de seus critérios e indicadores.
A certificação da cana-de-açúcar, por exemplo, pelo BSI, poderá facilitar sobremaneira a obtenção de outros selos para os biocombustíveis, auxiliando na comprovação dos requisitos demandados pela Diretiva Europeia e ainda atuando como uma potencial alternativa às exigências de sustentabilidade, já impostas por diferentes compradores em seus contratos com fornecedores.
O cenário atual, contudo, que é caracterizado pela multiplicidade de certificações para diferentes tipos de biocombustíveis, é contraproducente e acaba por desestimular investimentos. É preocupante a possibilidade de que muitas dessas certificações fomentem a imposição de barreiras comerciais, especialmente contra nações em desenvolvimento como o Brasil – segundo maior produtor e principal exportador mundial de etanol, com mais de cinco bilhões de litros exportados em 2008.
O desenvolvimento de um sistema de certificação deve ser transparente, gradativo e não discriminatório, de forma a conciliar os interesses naturalmente distintos de todas as partes envolvidas. É essencial a participação de múltiplos agentes, devidamente comprometidos com a iniciativa, para que esta se reflita em critérios de sustentabilidade críveis, objetivamente mensuráveis, auditáveis e passíveis de aplicação em todo o mundo.
É ainda imprescindível que os padrões exigidos, assim como suas metodologias de verificação, tenham embasamento científico. Além disso, o cumprimento das exigências para certificação deve garantir a existência de um prêmio sobre o preço do produto, de forma a incentivar positivamente sua adequação. Mecanismos que garantam esses benefícios devem ser estudados e colocados em prática.
Outro aspecto importante é que seus critérios devem focar nos principais aspectos para promoção da sustentabilidade, evitando, assim, complexidades que se façam desnecessárias ou qualquer abordagem qualitativa subjetiva que oculte eventuais intenções protecionistas e juízos de valor. Sugere-se também aproveitar o arcabouço de experiências oriundo de iniciativas de certificação já em aplicação, como a do segmento florestal, quando da estruturação e implantação de programas de certificação para biocombustíveis.
O setor sucroenergético brasileiro entende, portanto, que sua participação nos programas de certificação é fundamental. Além de ser uma exigência crescente dos consumidores, a certificação constitui excelente oportunidade comercial, na medida em que impacta positivamente o acesso a mercados e capital.
Para tanto, algumas características devem ser garantidas nesses sistemas, como a inclusão de critérios que considerem os três pilares da sustentabilidade (ambiental, social e econômico), o envolvimento de toda a cadeia de produção, com distribuição dos custos requeridos, além da adoção de instrumentos que sejam abrangentes, de forma a impedir que apenas uma pequena parcela dos produtos disponíveis no mercado possa obter o selo e, assim, melhorar seu desempenho. A certificação deve trabalhar em favor do produto e não de forma a denegri-lo.
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