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Luciana Godoi Lorenti

Sócia da Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados Associados

OpAA82

Governança contratual: segurança jurídica e mitigadores de riscos
A Lei 13.874 de 2019, também conhecida e nomeada como Lei da Liberdade Econômica, teve por objetivo a redução de aspectos burocráticos e um maior impulsionamento ao desenvolvimento de atividades econômicas.
 
Em matéria contratual, foco deste artigo, tal lei alterou o Código Civil brasileiro e trouxe uma importante mudança na forma de interpretação de contratos, enfraquecendo a Teoria da Imprevisão, que prevê a possibilidade de revisão dos contratos diante de efeitos extraordinários, antes já tão enraizada em nosso ordenamento jurídico e até mesmo na cultura das organizações.

Com efeito, o artigo 421-A do Código Civil, introduzido em 2019, traz de forma expressa a presunção de que os contratos civis e comerciais são paritários e simétricos, sendo permitido às próprias partes a adoção de parâmetros objetivos para interpretação das cláusulas contratuais, estabelecendo ainda que deva ser respeitada a alocação de riscos definida pelas partes, sendo a revisão dos contratos medida excepcional e limitada. 

Aqui abrimos parênteses para esclarecer que os contratos civis são acordos firmados entre partes para criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. Já os contratos empresariais são uma subcategoria dos contratos civis, mas com especificidades voltadas para atividades empresariais. Eles são regidos não só pelo Código Civil, mas também por legislações específicas que tratam de atividades econômicas e comerciais. 

Vê-se, portanto, que a legislação em referência promoveu um maior prestígio à atuação dos particulares, reduzindo ao máximo a intervenção estatal e trazendo, com isso, uma interpretação mais objetiva, uma vez que a vontade das partes, não refletida nas cláusulas e regras contratuais, ganha, a partir da promulgação desta lei, menor relevância. 

Podemos afirmar, portanto, que há aumento da segurança jurídica em termos contratuais, diante da possibilidade reduzida de se alterar obrigações já contraídas e um aumento da previsibilidade quanto ao cumprimento de obrigações.

Como ficam as usinas de açúcar e etanol neste contexto?

Podemos afirmar, com certa tranquilidade, que a segurança jurídica ganha um relevo ainda maior em temas relacionados ao agronegócio e, portanto, também no que diz respeito às usinas de açúcar e etanol. Os últimos anos nos mostram de maneira bastante elucidativa que as empresas do agronegócio sofrem, por si só, em decorrência de eventos imprevisíveis causados pelos riscos climáticos inerentes às suas atividades, desastres ambientais, secas severas, inundações sem precedentes, apenas para citar os acontecimentos mais recentes. 

Ademais, este tipo de empresa sujeita-se à responsabilidade ambiental/uso responsável da terra e cumprimento de normas trabalhistas rigorosas, levando-se em consideração as peculiaridades atinentes às suas atividades. 

É de se defender, portanto, que, nos aspectos que estejam no controle de seus administradores, uma maior segurança jurídica dos contratos e maior previsibilidade quanto ao cumprimento das obrigações neles previstas sejam medidas saudáveis e até mesmo desejáveis aos negócios sociais. 

As usinas de açúcar e etanol estão sujeitas a um conjunto complexo de contratos que vão desde o arrendamento de terras até contratos de exportação de seus produtos. Esses contratos, quando bem estruturados, são fundamentais para reduzir litígios e garantir o pleno cumprimento das obrigações pactuadas, impactando de forma relevante na geração de resultados pelas empresas.

É neste contexto que surge o tema da governança contratual como um mitigador de risco. A Governança Contratual como mitigadora de risco: Podemos afirmar que a governança contratual é um processo essencial para garantir que os contratos sejam geridos de maneira eficiente ao longo de todo o seu ciclo de vida, tendo seu início antes mesmo da formalização dos contratos, podendo (e devendo) envolver muitas áreas, além do próprio departamento jurídico.
 
Tudo se inicia com o planejamento adequado do contrato, que passa pela identificação de suas necessidades e definição de escopo. Após isso, recomenda-se uma cuidadosa avaliação da contraparte a fim de se verificar pendências financeiras, envolvimento em situações e atos desabonadores, dentre outros aspectos que possam ser relevantes, uma verdadeira diligência com o intuito de se selecionar o parceiro capaz de cumprir com o contrato sem a atração de riscos financeiros ou reputacionais.

Posteriormente, dá-se início à importante fase de negociação de termos contratuais, revisão, trocas de minutas, concessão de garantias, redação contratual pelos assessores jurídicos das partes, até se chegar à formalização e assinatura de contrato.

Uma vez celebrado o contrato, importante que as partes criem e mantenham ativos procedimentos de acompanhamento e monitoramento de obrigações contratuais, podendo envolver a adoção de SLAs – Services Level Agreements, indicadores de desempenhos (KPIs) e revisões e auditorias periódicas, adoção de comunicação clara e tempestiva entre as partes. Neste contexto, requer-se, ainda, um repositório adequado de documentos, instrumentos de contrato e até mesmo notificações entre as partes.

Todo o processo de governança contratual brevemente descrito acima pode (e deve) estar amparado em tecnologias que promovam a automação de contratos, arquivamento de documentos e auditorias digitais. 

Concluímos que os contratos, atualmente, são dotados de força mais vinculante, tornando mais imperativo o princípio de que o contrato é lei entre as partes, o que traz mais segurança jurídica às partes envolvidas. Também entendemos que as usinas de açúcar e etanol possuem um conjunto complexo de contratos a gerir, ganhando relevo a governança contratual. A governança contratual é um fator importante para a mitigação de riscos que permeia todo o ciclo de vida do contrato e pode estar amparada por diferentes ferramentas digitais de automação.