Diretor da Planning International Engenharia
Op-AA-13
Num país cuja matriz energética sempre foi predominantemente hídrica, falar em geração térmica é uma aventura. Mas, a própria história da energia no Brasil tem sido uma aventura, desde a descoberta do petróleo no recôncavo baiano, à construção das primeiras hidrelétricas no país, Itaipu, e, finalmente, o programa Proálcool.
O Brasil, talvez por não ser um país tão formal, nunca teve medo do pioneirismo. Mesmo que às vezes seja criticado ou visto com certo desdém pelas comunidades das nações, o país prima pela ousadia. Em sociedades mais avançadas, as soluções costumam ser longamente pensadas e pesadas, quanto às possíveis conseqüências, levando muitos anos para a implementação. No Brasil do entusiasmo, elas são simplesmente postas em prática. E algumas dão resultados surpreendentes, como o Proálcool, que atualmente começou a ser copiado em outros países.
E, neste pioneirismo, o Brasil adquire e desenvolve conhecimentos valiosos, nas áreas de estruturas, barragens, química, petróleo, engenharia de geração elétrica, e até na área de logística, entre outras. Além de tudo isto, nas últimas décadas, o Brasil, talvez com algum retardo, vem discutindo também a sustentabilidade do desenvolvimento, com o resto do mundo.
No caso do açúcar e do álcool, esta sustentabilidade começa no plano agrícola, preservando os solos e sua fertilidade, passa pela eficiência técnica e empresarial das usinas e envereda pelo aproveitamento de todos os resíduos e desperdícios, transformando-os em energia elétrica, energia térmica e em fertilizantes. Tudo isto, gerando e preservando empregos.
No que tange à sustentabilidade, desde a década de setenta, trabalhos internacionais de grande repercussão, como por exemplo, “Os limites do crescimento”, editado pelo chamado “Clube de Roma”, vem criando sobressaltos e preocupação nas sociedades pensantes. As culturas do desperdício e da baixa eficiência na utilização de recursos naturais passaram a ser objeto de intenso estudo e de discussão mundial.
Internacionalmente, fala-se, hoje, no famoso “fator 4” ou seja, na possibilidade de dobrar a produção de produtos e serviços no mundo, com emprego de apenas metade dos recursos naturais, antes necessários. As tecnologias para isto já existem ou estão sendo desenvolvidas. Isto se refere também aos modernos equipamentos e conceitos de geração de energia elétrica. No campo da energia, no Brasil, a grande questão da sustentabilidade é a obtenção de resultados do desperdício. Nesse aspecto, a busca da sustentabilidade, em geral, contribui também para uma maior viabilidade econômica dos projetos.
O apagão de 2001, por sinal, mostrou que o Brasil pode economizar energia, antes desperdiçada, com relativa facilidade. Atualmente, existem grandes oportunidades no Brasil de complementação da matriz de geração hídrica, com geração térmica. Essa complementação cria um enorme potencial de otimização da geração, de redução de perdas de transmissão e de redução dos custos de operação. E isto, para um cenário geral de elevação de custos.
Em áreas de grande sucesso, como a produção de álcool, a oportunidade de ganho é ainda maior, pois além da otimização hidrotérmica, existe a cogeração, que é a geração de calor para o processo de produção, através do vapor residual. A disposição final do bagaço de cana e do vinhoto, antes um grande problema, permite hoje um aproveitamento energético importante. Até o vinhoto, o grande vilão ambiental, que envenenava e esterilizava solos férteis, pode ser atualmente fermentado e transformado em energia.
O quadro mostra o esquema geral do aproveitamento dos resíduos de uma usina a álcool, em ciclo combinado (duas turbinas), com cogeração. A segunda turbina aproveita o vapor residual da primeira. O vapor restante é aproveitado pelo processo. O rendimento energético desse tipo de instalação já se aproxima dos 80%, comparado com cerca de 40% de instalações antigas. O volume de energia adicional que pode ser aproveitado no Brasil, nesse sistema, é significativo. E isto sem considerar os efeitos da otimização hidrotérmica no sistema elétrico, da redução de perdas e do barateamento da operação. Para se ter uma idéia dessa energia adicional, os valores a seguir ilustram o ganho:
• Produção de cana no Brasil aproximada, por ano: 300 milhões de toneladas;
• Produção de palha anual: 84 milhões de toneladas;
• Produção de bagaço: 84 milhões de toneladas;
• Conteúdo energético equivalente do conjunto: 35 milhões de TEP (Toneladas equivalentes de petróleo).
Este resultado equivale a cerca de um sexto de todo o consumo de energia primária no Brasil. E este exemplo é apenas um, entre muitos, de geração de energia térmica, com aproveitamento dos desperdícios. Para os investidores é uma boa notícia, pois melhora a viabilidade econômica das usinas. Para os ambientalistas, elimina fontes significativas de poluição ambiental e mostra a sustentabilidade. Para os consumidores, ajuda a reduzir o custo da energia gerada. E é algo que pode ser feito no Brasil.