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Tomaz Caetano Cannazam Rípoli

Professor titular de Engenharia Rural da Esalq-USP

Op-AA-05

Bagaço e palhiço de cana para cogeração: o governo joga contra

O título desta matéria é, propositadamente, provocativo, mas retrata uma realidade. E essa constatação é simples de ser verificada. Basta analisar a tabela do Proinfa, Programa de Incentivo à Fontes Alternativas, para pagamentos de energias provenientes de fontes alternativas. Tais fontes consideradas são: biogás (uso restrito a consumo próprio), palha de arroz (idem), madeira, bagaço/palhiço de cana-de-açúcar (consumo generalizado) e eólica, com dois grupos de preços diferenciados: para as regiões antes abrangidas pela Sudam-Sudene e para as demais regiões do país e diferenciados, ainda, por tipo de fonte.

Destas contempladas pelo Proinfa, a eólica é a única que necessita de tecnologia importada (portanto, pagamento de royalties e gerando empregos na Alemanha, Dinamarca e outros países europeus). Curiosamente, para dizer o mínimo, é a qual o Proinfa brinda com melhor preço pelo MWh! Grosso modo, a proposta é remunerar por volta de 150% a mais pela energia elétrica dela originária (produzida por aeromotores importados), em relação à produzida pela biomassa de cana-de-açúcar.

Esta, apesar de lugar comum, é bom repetir, gera empregos no país, tem tecnologia nacional e apresenta muito melhor eficiência de conversão energética, em relação a anterior, não necessita de novos e grandes investimentos e está disponível em cada unidade sucroalcooleira, por todos os rincões do país. Por sua vez, a eólica é extremamente limitada a determinadas e poucas regiões, onde ocorrem médias de velocidades anuais de vento e sua variação de velocidade média por hora/ano, que justifiquem o aproveitamento de seu potencial eólico.

A meu juízo, esta disparidade de preços, isto é um desplante! Um desrespeito à capacidade de análise de quem está envolvido, de alguma forma, com a matriz energética brasileira. E neste desmotivador preço indicado para a eletricidade cogerada pela biomassa de cana-de-açúcar é que reside o fato de que apenas e poucas unidades sucroalcooleiras estão comercializando seus excedentes junto às concessionárias privadas.

Não há estímulo que justifique, de uma vez por todas, a transformação de usinas e destilarias, em verdadeiras usinas de energia (nas atuais formas de álcool carburante, de açúcar - como energia alimentícia e na forma, complementarmente, de energia elétrica, a partir do bagaço e palhiço). Basta os burocratas governamentais deixarem de lado outros interesses que não o da sociedade brasileira e, com certeza, o setor canavieiro comparecerá, massivamente, ofertando energia elétrica à sociedade numa quantidade tal que “apagões” serão fatos puramente históricos, mesmo porque, o pico das safras canavieiras nas regiões Sudeste e Meio Oeste do país coincide com o período de estiagem, onde as represas encontram-se em seus volumes de água dos mais baixos, anualmente.

Cabe lembrar que o bagaço é obtido na ordem média de 250 kg (com 50% de umidade) por tonelada de cana esmagada e uma quantidade média de 11,25 t/ha (base peso seco e para canaviais de 90t/ha) e que, por sua vez, o palhiço (basicamente constituído de pontas de cana, folhas verdes, palhas, restos de culturas e frações de colmos), que permanece sobre o talhão oriundo de colheita sem queima prévia, apresenta produtividades da ordem de 4 a 10 t/ha (considerando-se seu peso em base seca e em função de variedade, época de colheita etc).

Considerando-se o poder calorífico útil destas duas matérias-primas e transformando-as em equivalentes barris de petróleo (EBP), postos na usina ou destilaria (já descontadas as energias consumidas, na forma de combustíveis nos processos para colhê-los e trazê-los do campo à unidade industrial), tem-se os valores, em média: 1 EBP/ha para o primeiro e 1,2 EBP/ha para o segundo, tendo-se em conta o recolhimento deste em, apenas, 50% do disponível (o restante deve permanecer no talhão para melhorar as características físico-químicas dos solos).

Nenhuma outra fonte alternativa oferece tal quantidade de energia disponível para produção de eletricidade!!! Quanto ao melhor processo de recolhimento do palhiço e sua disponibilização junto às esteiras que o levarão, misturados ao bagaço, até as fornalhas, considerando-se aspectos operacionais e econômicos, pesquisadores da Esalq-USP, da FCA-Unesp de Botucatu juntamente com o Grupo Cosan S.A., concluíram, em exaustivo estudo comparativo de campo com inúmeros equipamentos, que o melhor processo é o da colheita mecanizada integral, seguido do enfardamento e, por último, o recolhimento a granel.

Portando, a técnica operacional já está disponível, eliminado-se uma das dúvidas que existiam quanto ao aproveitamento do palhiço para cogeração. O palhiço é sim, um importante agregador de valor para o setor! Por fim, não se pode esquecer dos fornecedores de cana que, atualmente, são penalizados pela forma de pagamento de cana em uso no Brasil, onde a quantidade de matéria estranha vegetal que acompanha sua matéria-prima é fator de deságio. Deve-se definir novas regras, onde o fornecedor receba um repasse proporcional à quantidade de energia cogerada pelas usinas, tornando-se mais equalizadas as relações entre ambos.