Professor do Instituto de Economia da UF-RJ e Jornalista
Op-AA-09
Não há dúvida que o etanol, nosso popular álcool, é cada vez mais proposto como uma das grandes opções no mundo das energias renováveis. Na mesma onda vem surfando o biodiesel, menina dos olhos do atual governo federal. Como são fontes renováveis de energia, tornam-se bastante atraentes sempre que o preço do petróleo dispara (cerca de U$75/barril).
Com este cenário, a crise crônica do Oriente Médio acaba pesando no bolso dos consumidores, portanto, o espaço para os biocombustíveis fica ampliado, ainda mais porque esses produtos vêm acompanhados de um rótulo de ambientalmente corretos. Isso não acontece por acaso. Toda fonte renovável de energia possui uma grande vantagem ambiental: substitui o consumo de fontes fósseis (petróleo, gás natural, carvão mineral), que são a causa principal do aquecimento global. O resíduo de biomassa pode gerar energia elétrica.
E, ao contrário dos tempos do Proálcool, nesta nova era dos biocombustíveis, é a iniciativa privada que está investindo pesado nas novas promessas, tanto no Brasil, quanto no exterior. Com tantas vantagens, o entusiasmo é inevitável, especialmente porque o Brasil tem papel de destaque na produção e no domínio tecnológico do álcool combustível. Mas será que essa caminhada é tão segura?
Em primeiro lugar, existem riscos econômicos. A viabilidade financeira dos biocombustíveis é dependente do custo do bem substituto, o petróleo, cujos preços são notoriamente voláteis. No curto prazo, não deverá haver redução significativa, mas não há como saber quanto valerá um barril de petróleo daqui a cinco ou mais anos, justamente quando a infra-estrutura necessária para a expansão dos produtos alternativos estará pronta.
Nesse sentido, o álcool é uma opção menos vulnerável que o biodiesel, pois a capacidade de produção já está instalada, enquanto o biodiesel ainda está no papel. Por outro lado, o preço do álcool também é afetado pela demanda mundial de açúcar, tornando essa equação ainda mais complicada. Mas, deixamos esse assunto aos especialistas, porque a ênfase deste artigo não está nos riscos econômicos e sim na questão ambiental.
A produção da biomassa necessária para obter os combustíveis verdes envolve uma enorme quantidade de impactos ambientais. Um problema que certamente virá à tona é a esperada pressão por mais terras de cultivo. Não devemos esquecer que a razão ambiental para o uso do biocombustível é reduzir as emissões de gases de efeito estufa, contudo, a maior contribuição brasileira para o problema é a queima de vegetações nativas para a limpeza de áreas agrícolas.
Embora a maior parte das terras seja ocupada pela pecuária, a expansão da área cultivada tem um duplo efeito sobre o desmatamento: o incremento direto de área de cultivo (mesmo que o cultivo se dê em área antes ocupada por pastagens, é claro que não há redução do rebanho, portanto a pecuária irá criar novas fronteiras agrícolas), e o efeito indireto de elevação do preço da terra, que é um forte estímulo para mais desmatamento.
Uma simples conta, sugerida em uma conversa com Roberto Schaeffer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostra a dimensão do problema: se o Brasil tivesse a mesma frota de veículos dos EUA, que é de 180 milhões de carros, seria necessário expandir em 100% a área plantada no país só para o cultivo de cana, para atender à demanda do etanol.
Ou seja, tudo seria transformado em canavial. Atualmente, a frota mundial é de 750 milhões de veículos. No Brasil, é de 20 milhões. Como atender a toda essa demanda? O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao biodiesel. No papel, tudo é lindo: o fornecimento da biomassa dar-se-á através da pequena produção familiar, aliando o componente ambiental ao social. Mas, até que ponto temos garantias de que a biomassa necessária para sua elaboração será obtida de forma sustentável?
A agricultura familiar gera pouco excedente, o que indica que o grosso da oferta será suprida por grandes produtores comerciais e a solução será, inevitavelmente, partir para o biodiesel da soja. Hoje, o excesso de oferta do grão tem reduzido o preço e o lucro do sojeiro. Mas, se esse excedente for canalizado para o biodiesel, a safra passa a ter um comprador certo.
O biodiesel não seria então uma solução para a pressão dos produtores para escoar a sobra não comercializada de grãos? Seria muito irônico imaginar que o cultivo de soja, fortemente relacionado à expansão das queimadas no Centro-Oeste, seja considerado uma solução, e não um problema ambiental. O assunto não é tão simples assim e nem está perto de acabar.
Pouco antes do fechamento deste artigo chegou-nos a informação de que a Associação Nacional de Exportadores de Cereais e a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais - ABIOVE, decidiram, a partir de agora, não comprar mais soja cultivada na floresta amazônica. Isto reflete no mercado mundial, já que o principal consumidor do grão produzido no Brasil é a Europa e até empresas como a gigante cadeia de fast foods, McDonald´s, anunciaram o embargo à soja produzida em áreas desmatadas da Amazônia.
Se isso aconteceu com a soja para consumo alimentar, pode acontecer também para exportação de consumo de combustíveis limpos, como o álcool (ou etanol), a partir da cana-de-açúcar. Infelizmente, tal atitude ainda não foi tomada com relação ao bioma Cerrado, onde a maior devastação de vegetação nativa vem ocorrendo. Mas os impactos não param por aí. O processo de preparação da terra, plantio e colheita, além do próprio processamento e distribuição do biocombustível, envolvem consumo de diesel e emissão de poluentes.
O corte manual da cana exige a queima da palhada, que causa forte geração de poluentes atmosféricos locais, até porque a queima não dura 10 minutos, podendo chegar a noites inteiras. Isso também prejudica, de forma significativa, a saúde humana, elevando custos da saúde pública. Mas, quais seriam as soluções para se evitar tantos riscos ambientais, num tempo em que importantes iniciativas estão mudando o cenário da produtividade mundial?
Antes de tudo, assumir uma postura pró-ativa, reconhecendo a existência desses problemas e buscando soluções concretas, ao invés de tentar varrê-los para debaixo do tapete. Um bom exemplo é dado pelo próprio setor sucroalcooleiro, quando passou a reutilizar o vinhoto como fertilizante, maior fonte industrial de poluentes orgânicos nos rios brasileiros, na década de 80. Ao encarar o problema, efetivamente, se reduziu, simultaneamente, o custo de produção e o dano ambiental.
Outro exemplo de solução vem do setor de papel e celulose. No início dos anos 90, os exportadores sofreram graves restrições de mercado, sob a alegação de que a fibra virgem, produzida no Brasil, era resultante de desmatamento. A partir daí, as grandes empresas do setor passaram a liderar ações empresariais voluntárias de responsabilidade ambiental, certificando-se de que sua matéria-prima não era oriunda de desmatamento e reservando grandes áreas para recuperação de matas nativas.
Dessa forma, adotaram, na prática, o que posteriormente passou a ser conhecido - e instituído por lei, como compensação ambiental: ao recuperar áreas de menor interesse comercial, conseguiram recuperar a credibilidade, junto aos principais mercados externos. Portanto, uma solução nesses termos é possível para os produtores de biocombustíveis: por que não definir uma meta para recuperar florestas em áreas de menor produtividade, para compensar a expansão na área cultivada?
Dentro do agronegócio, convivem empresários com responsabilidade socioambiental, junto com segmentos, que podem ser incluídos no que tem de mais atrasado no capitalismo brasileiro. Será fundamental mostrar que a expansão do setor não irá garantir o retorno dos velhos senhores de engenho, cuja mentalidade pouco evoluiu, em termos de compromissos sociais e ambientais.
O resultado de tamanha degradação ambiental está aí para todo mundo ver: secas terríveis em pleno inverno, inversão de temperaturas, a queima da palha da cana-de-açúcar sendo proibida em São Paulo até que volte a chover - como anunciada no dia 26 de julho. O aquecimento global não é coisa do futuro e já está dando os seus sinais. Não é preciso esperar que as legislações ambientais tornem-se mais rigorosas para se ter consciência de que o equilíbrio das atitudes e o respeito ao meio ambiente são a chave da questão.
Todas as energias alternativas e renováveis juntas não supririam as projeções de padrão de consumo mundial. A nossa grande tacada é não entrar numa busca incansável de um novo padrão de energia e sim mudar o nosso padrão de consumo. As tecnologias estão aí, tem o álcool, o biodiesel, o hidrogênio, o biogás, a energia solar, eólica, geotérmica, as pequenas centrais hidrelétricas. Idéias não faltam. Agora, nos resta saber quanto cada um está disposto a pagar por isso.