Diretor Presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia
Op-AA-15
Depois de décadas sem grandes preocupações com o custo da energia, foi inaugurada neste século uma nova era: a da energia mais cara. O antigo diferencial que tornava os nossos produtos mais competitivos passou a ser a grande preocupação de toda a sociedade brasileira, que alertada pela sociedade civil organizada, mormente pelas associações setoriais, começa perceber que entrou em tempos de escassez deste importante recurso.
Sete anos depois do racionamento, a sociedade volta a se deparar com opiniões controversas sobre o cenário de abastecimento de energia e a tendência de preços deste insumo estratégico. Neste verão seco de águas e gás, os olhos voltam-se para os céus, novamente, em busca de boas notícias. É verdade, também, que, de lá para cá, muita coisa melhorou na gestão de risco do abastecimento.
O país possui um sistema interligado e mais robusto, que permite maior margem de manobra para garantir o abastecimento de energia. Foi acrescentada também uma capacidade de geração adicional, proveniente da expansão de usinas térmicas, que atuam de forma complementar, principalmente nos períodos de hidrologia menos favorável.
Estas medidas somadas colaboraram muito com a gestão do risco do déficit de energia. Vale mencionar que a retomada do planejamento e do inventário das potenciais fontes de energia são também mudanças importantíssimas no atual cenário. Se todas estas notícias são tão boas, o que mudou para que essa nova era deva ser chamada de era da energia mais cara? Por que a contradição da existência de todo este aprendizado, em face da alegada escassez?
Nestes últimos sete anos, o consumo de energia no país cresceu 10 GW médios. Para fazer frente a tal expansão, adicionou-se ao sistema, por meio dos leilões dos últimos três anos, uma carga predominantemente térmica. Complementaridade importante, porém cara e de impacto direto no meio ambiente. Mas, se temos esta “segurança” adicional, qual o problema? Por que a confusão?
De acordo com levantamento da Aneel, Agência Nacional de Energia Elétrica, das 37 usinas fiscalizadas, 25 estão com o cronograma atrasado. Em termos de energia, isso significa que, da potência total de aproximadamente 7.264 MW (megawatts), 3.349 MW estão atrasados, o que corresponde a 46% do total. Adicione-se ao fato acima a situação corrente de abastecimento do gás no país.
O insumo para as térmicas foi contratado na modalidade firme com outros tipos de consumidores, principalmente o industrial e o veicular, durante o período em que as chuvas não exigiram o despacho térmico. A retirada deste gás dos consumidores, neste momento, significa uma quebra de contratos. Se este contrato fosse estabelecido na modalidade classificada como interruptível, não se discutiria o assunto. O preço seria outro, muito mais baixo que o ora contratado.
O despacho térmico, apesar de garantir o abastecimento para 2008, trará sempre impactos imediatos nos preços de curto e médio prazos e nos reajustes das tarifas reguladas, seguindo o calendário-base do regulador. Em janeiro, no intervalo de uma semana, o novo Ministro ofereceu à sociedade (que paga a tarifa regulada pela Aneel) sinais distintos sobre o potencial aumento das tarifas de energia, tornando a avaliação e a reação ao assunto mais confusas.
No mesmo mês de janeiro, foi publicado no D.O.U., o Decreto nº 6.353, de 16 de janeiro de 2008, que regulamenta a contratação de energia de reserva, tratada pela Lei nº 10.848, de março de 2004. A energia de reserva é destinada para aumentar a segurança no fornecimento de energia elétrica ao Sistema Interligado Nacional - SIN, e representa mais impacto na conta do consumidor.
Outras constatações importantes são a evolução da consciência ambiental e as proporções a que chegaram as compensações ditas “socioambientais”. A conta final para pagar tantas benesses quase sempre recai sobre a tarifa, embutida no risco que o empreendedor calcula para se proteger. Cabe ainda uma reflexão sobre a evolução do modelo setorial, o arcabouço jurídico e o marco regulatório.
Sobrevivendo a três modelos distintos, em cerca de 20 anos, o jovem mercado livre desenvolveu-se mais rápido do que as regras estabelecidas. Hoje, o modelo vigente apresenta ambientes de contratação híbridos (livre e regulado), convivendo com a falta de comunicação de lastros contratuais entre estes subsistemas e o risco estrutural que isto pode significar.
Mais risco e maior dificuldade de planejamento por parte dos consumidores. E, finalmente, partindo para o balanço matemático, a previsão é de que não será possível contar, no prazo compromissado, com os 3.349 MW (ou 46% do total), dos 7.264 megawatts (MW) de energia que entrariam no sistema, deste ano até 2011. Faz-se necessário, portanto, coordenar outras ações que possam representar uma expansão da oferta, além da que está planejada, o que incluiria o “deslocamento do gás” no curto prazo e a chegada de novos montantes do insumo compromissado pela Petrobras.
Dentro desta orientação, a grande expectativa é de que os próximos leilões públicos e o próprio grupo de consumidores livres e especiais resultem em uma significativa contratação de bioeletricidade, a partir da biomassa e de outras fontes limpas, confiáveis e mais econômicas que as térmicas a óleo, acionadas nos últimos dias. É fundamental o apoio à expansão destas fontes na matriz energética brasileira.
A biomassa - com 62% do potencial de geração de energia no estado de São Paulo, aterros sanitários e PCHs estão localizados no coração do sistema de distribuição e perto dos grandes centros de consumo. Ao se levar em consideração que o ONS, a partir deste ano, trabalhará com níveis-meta de armazena-mento, estabelecidos pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico - CMSE, e que tais níveis visam adicionar mais segurança para que não dependamos mais de São Pedro, podemos esperar, necessariamente, um despacho mais intenso de outras fontes, para atingir os níveis desejados de armazenamento.
Neste cenário, fontes, como a biomassa de cana-de-açúcar, chamam a atenção dos consumidores. A produção da bioeletricidade pode ocorrer justamente durante a safra da cana-de-açúcar, de maio a novembro, que corresponde ao período seco, momento de dificuldade para as hidrelétricas, quando os reservatórios precisam ser poupados.
Dados da Unica indicam que, se todas as usinas estivessem operando com caldeiras de alta pressão, esse ano, já poderíamos gerar uma quantidade de energia elétrica igual a do projeto do Rio Madeira e, em 2012, seria possível gerar energia elétrica correspondente a uma Itaipu. A direção a ser tomada parece muito clara: diversificação.
Os consumidores anseiam por soluções que privilegiem preço da energia, custo de transmissão e meio ambiente. Entende-se bem que a era da energia mais cara é chegada, mas podemos percorrer os próximos 50 anos ainda mantendo nosso diferencial competitivo. Para isso, não basta só planejar, é preciso incentivar, orientar, estudar a sustentabilidade da produção destas fontes alternativas no futuro e agir, de forma pragmática, nas questões ambientais.