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Manoel Vicente Fernandes Bertone

Consultor Especialista

Op-AA-31

Visões diferentes

Toda atividade estratégica para o Estado Nacional exige sustentabilidade política para seu desenvolvimento, já que algumas vezes as simples condições de mercado podem não ser suficientes para que esse desenvolvimento ocorra naturalmente.

Principalmente em se considerando atividades que envolvem segurança energética, soberania nacional, compatibilização com segurança alimentar e clara necessidade de demonstração de sustentabilidade social e ambiental.

Sendo esse o caso do nosso etanol, que compete com o açúcar no uso da matéria-prima, o alimento mais consumido no mundo cujo preço se comporta de maneira inelástica, e compete com a gasolina em ambiente de preços controlados com objetivos políticos, nos cabe questionar se a atual visão do setor por parte do governo se compatibiliza com a necessidade de investimentos para que os mercados dos derivados de cana de açúcar se equilibrem.

Esse questionamento pode se dar comparando a postura governamental atual com a postura no período anterior, quando se verificou o vertiginoso crescimento da produção, de 10% ao ano em média, durante oito anos seguidos. Observando e comparando o período do governo Lula com o ainda curto período do governo Dilma, constataremos que estamos diante de visões governamentais absolutamente distintas, na verdade, antagônicas.

No período do presidente Lula, este transmitia confiança, se expressava com otimismo, transformou empresários em heróis, acusou aqueles que nos apontavam com os dedos sujos de petróleo de quererem prejudicar um setor que se caracterizava por gerar empregos e renda bem distribuída e que proporciona enormes benefícios ambientais.

Lula colocou o Brasil na vanguarda do uso das energias renováveis, usou seu carisma para ganhar o mundo vendendo o etanol como possível gerador de desenvolvimento, posicionou a Embrapa no continente africano, trouxe ao Brasil incontáveis líderes internacionais na Conferência Internacional dos Biocombustíveis, realizada em São Paulo, no dia da Consciência Negra, encantando nossos parceiros africanos; mobilizou os diversos setores governamentais para que atuassem com empenho nos debates internacionais sobre agroenergia, aumentou os investimentos no BNDES no setor, que, ainda que com taxas de retorno baixas no caso do etanol, ampliou sua capacidade produtiva através de projetos de novas unidades e passou também a mirar a venda de energia elétrica gerada pelo bagaço.

O setor acreditou, investiu, cresceu a ponto de produzir acima da capacidade de absorção pela demanda. Pois em 2010, com um mundo já no segundo ano de uma grande crise financeira, a nação brasileira cresceu 7,5%, o consumo de combustíveis cresceu o dobro, o etanol ultrapassou o consumo de gasolina, dados os baixos preços, para, no final do segundo semestre, já depois das eleições, com os estoques diminuídos pelo consumo excessivo, os preços se recuperarem, e a imagem do setor passar a ser questionada pelo governo que começava. Na primeira semana de janeiro, já se notava a mudança de postura governamental, uma postura mais agressiva, que denotava uma visão diferente da que tinha o governo, ou o presidente, anterior.

A difusão pela imprensa de políticas mais intervencionistas aumentou a insegurança dos investidores, já influenciados pela crise internacional. De heróis passaram a vilões, de empreendedores que conseguiram o milagre de crescer 10% ao ano, tal qual a economia chinesa, a pessoas que colocavam em risco a segurança energética do País.

As políticas públicas, que antes os incentivavam a investir, passaram a focar ameaças de taxação de exportações do açúcar, produto em falta no mercado internacional por razões alheias ao Brasil, ameaças de não permissão do uso de etanol importado, ameaças de proibição de exportações de etanol, de elevação da CIDE durante a safra, para elevar os preços e inibir artificialmente o consumo, ameaça de diminuição da mistura de etanol anidro na gasolina ainda no começo da safra, quando se planeja a produção das indústrias, a diminuição do percentual mínimo dessa mistura de 20 para 18%.

O investimento que o setor privado não fazia devido à baixa lucratividade seria suprido pelos investimentos da Petrobras; a ANP agiria como o xerife do abastecimento, controlando a produção e os estoques.

A redução da mistura em época inadequada fez com que, hoje, a indústria tivesse que misturar água no etanol anidro, transformando esse produto em hidratado, incrivelmente levando a novas dúvidas sobre o adequado atendimento da demanda do anidro, que, agora, já com uma mistura de 20%, já não poderia mais ter a demanda controlada por nova diminuição, pois de 20 para 18% pouca diferença se consegue.

Visões diferentes, uma procurando induzir ao investimento, outra procurando conseguir o mesmo intento pela intervenção na liberdade de empreender; uma procurando diminuir o risco do setor, outra aumentando esse risco num momento em que a lucratividade já inibe os investimentos.

A primeira agindo com decisões rápidas e compatíveis com o discurso para uma atividade estratégica, a segunda anunciando decisões que não se realizam e que, pela conotação das alternativas de solução, aumentam os riscos, já muito grandes, dos investidores. Visões diferentes que alcançarão resultados diferentes. Infelizmente.