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Lauricio Endres

Professor de Fisiologia da UF de Alagoas

Op-AA-17

Aplicação da fisiologia vegetal no melhoramento e manejo da cana-de-açúcar

A produtividade da cana-de-açúcar tem aumentado ao longo dos anos, devido ao melhoramento genético, baseado, principalmente, em características morfológicas, sendo, as principais ferramentas de medição, a balança e a régua. Cada vez mais, é necessário o uso de ferramentas mais avançadas, como inserção da biotecnologia.

Além disso, a cana está se espalhando por regiões cada vez mais inóspitas para o seu cultivo. Portanto, o melhoramento genético deve selecionar genótipos mais específicos para cada região de cultivo. A cana está se espalhando para o Cerrado e até para a Caatinga Nordestina (sob irrigação), em condições ambientais totalmente diferentes em que a maioria dos programas de melhoramento têm seus campos experimentais.

A fisiologia vegetal vai ao encontro do melhoramento, no sentido de caracterizar a resposta das plantas ao ambiente. Como cada genótipo reage às condições climáticas e ao estresse abiótico, somente pode ser respondido por medidas fisiológicas mais detalhadas. A cana, por ter um ciclo de, no mínimo, de 12 meses, tem no déficit hídrico, sem dúvida, um dos principais fatores climáticos que afeta a produtividade e restringe a ampliação dos canaviais para lugares mais áridos ou onde as chuvas não são bem distribuídas ao longo do ano, como é o caso do Cerrado.

Em estudos realizados recentemente por nosso grupo de pesquisa, foi observado que variedades bastante resistentes ao déficit hídrico têm mecanismos diferentes de resistência. Essas variedades têm mecanismos para evitar o estresse pelo fechamento dos estômatos e enrolamento de folhas ou pelo enfrentamento ao estresse pelo aumento do sistema radicular e ajuste osmótico.  

Esses últimos mecanismos são bastante interessantes, porque possibilitam uma maior absorção de água pela planta em solo seco, com isso a planta não fecha tanto os estômatos e a fotossíntese não é tão prejudicada, ou seja, a planta continua crescendo. Portanto, os programas de melhoramento devem privilegiar genótipos com sistemas radiculares mais profundos para plantio no cerrado, por causa do ar seco e solo com suprimento de água nas camadas mais profundas.

Já na caatinga, a cana sob irrigação não precisa de um sistema radicular tão profundo. A saída para superar o déficit hídrico é a irrigação. A maioria das usinas investe em irrigação para aumentar a produtividade. Essa técnica aumenta bastante o custo de produção. Por isso, vários estudos têm sido feitos para melhorar a eficiência da irrigação. A seleção de variedades específicas para a irrigação tem sido feita em alguns programas de melhoramento.

Fisiologicamente, essas variedades não necessitam proteger-se do déficit hídrico. No entanto, como cada variedade responde diferente ao déficit hídrico, o turno de regra tem que ser definido para cada variedade, baseado em parâmetros fisiológicos e não somente em variáveis meteorológicas. Outro enfoque buscado pelo melhoramento genético é o aumento de produtividade.

A cana é uma planta com metabolismo fotossintético C4, que significa dizer que está entre as espécies mais eficientes em acúmulo de matéria seca. Nessa, a sacarose é a principal matéria orgânica de interesse econômico da cana. Portanto, a maior partição de matéria seca em colmos e o aumento da concentração de sacarose nos colmos são sempre buscados pelos melhoristas.

No entanto, existe um problema, a sacarose é osmoticamente ativa, o que significa que o aumento de sacarose leva ao aumento de água no colmo. Além disso, a sacarose funciona como um regulador, em que o aumento de sua concentração inibe a fotossíntese. Para “enganar” a planta, já existem espécies transgênicas de cana em que parte da sacarose é transformada em isomaltulose, com isso a cana transgênica acumula o dobro de açúcar, em relação às variedades mais produtivas, pelo aumento da atividade fotossintética, mas ainda faltam muitos estudos para essa cana transgênica virar uma variedade comercial.

Por outro lado, os estudos de digestão de fibras para a fabricação de açúcar, mais simples, que podem ser utilizados para produção de álcool, estão avançando, o chamado etanol celulósico. Com isso, o melhoramento, visando selecionar genótipos com mais fibra, seria bastante interessante, porque pode se aumentar a produção de matéria seca, sem aumentar o peso final da cana, ou seja, poderia se produzir uma cana com menos água no colmo e energeticamente mais eficiente (mais calorias, por tonelada de cana).

A indústria de defensivos agrícolas tem despertado grande interesse sobre a cana. A ação dos herbicidas sobre as principais plantas daninhas é bem conhecida. Por outro lado, os herbicidas e maturadores também têm grande influência sobre a fisiologia da cana, que varia muito entre as variedades comerciais. A seletividade de um herbicida depende muito da fisiologia da planta, por isso estudos de fitotoxidade têm que ser feitos mais detalhadamente, além dos sintomas visuais, geralmente utilizados.

Maturados, por sua vez, são potenciais herbicidas utilizados em doses menores. Geralmente, bloqueiam uma rota bioquímica específica, que inibe o crescimento, mas não a fotossíntese, aumentando, dessa forma, a concentração de sacarose no colmo. Os maturadores têm ação sistêmica, por isso podem acumular de uma safra para outra na soca, quando não metabolizados, prejudicando o desenvolvimento do próximo ciclo.

Por isso, maturadores devem ser utilizados com muito cuidado, para não haver danos irreversíveis ao canavial. De um modo geral, o melhoramento genético convencional ou por engenharia genética, além de práticas de manejo (fitotecnia) tem que, cada vez mais, ser baseado em conhecimentos fisiológicos da planta, para que a cana cresça sob o mínimo de estresse, levando ao máximo de produtividade agrícola e industrial.