Diretor Industrial da Usina São Francisco
Op-AA-06
No início da década de 80, a geração de energia elétrica nas usinas de açúcar e álcool era totalmente direcionada para o autoconsumo e atendia cerca de 75% da energia consumida pelo setor sucroalcooleiro. O restante era adquirido das concessionárias. Por incrível que hoje possa parecer, existiam usinas que eram tratadas pelas concessionárias como grandes consumidores, como a Usina São Francisco, que adquiria da CPFL a totalidade da energia elétrica consumida.
As razões que determinavam este cenário abrangiam desde a carência tecnológica, associada aos equipamentos do sistema de cogeração disponíveis no mercado interno, bem como os baixos custos e a elevada disponibilidade de energia no sistema nacional. Em meados da década de 80, os principais fornecedores de turbinas iniciaram a fabricação de máquinas de múltiplo estágio.
Neste momento várias entidades alertavam o setor sucroalcooleiro, sobre o enorme desperdício de energia que ocorria nas usinas. Vale ressaltar alguns projetos com a Usina Central Paraná e a Rafard. Já naquela época operavam com caldeiras, gerando vapor à pressão de 60 kgf/cm², com claro direcionamento para a geração de excedentes.
Apesar de que, não existiam razões que justificassem estes empreendimentos, pois não havia mercado para a venda de energia, fato que obrigava o direcionamento dos excedentes para outras atividades, como fábrica de compensado, papel, etc., que se cogitava instalar anexas às usinas, projeto que nunca se mostrou viável.
Nesta época começou a surgir questionamentos por técnicos e empresários, junto às concessionárias e ao governo, sobre os impedimentos a implementação da cogeração. Isto refletiu positivamente e através do empenho de alguns técnicos da CPFL, que conseguiram autorização para promover experimentalmente a aquisição de energia das usinas.
Em 1986, ocorreu a emissão, pela iniciativa privada - através da Usina São Francisco, da primeira nota fiscal de venda de energia elétrica para uma concessionária de energia elétrica. Este foi o primeiro grande paradigma quebrado para que as usinas pudessem passar a condição de exportadoras de energia, abrindo caminho para que outras usinas passassem a incrementar significativamente a energia exportada pelo setor, viabilizando o aproveitamento do enorme potencial energético disponível na cana-de-açúcar.
Entretanto, por motivos diversos, notadamente políticos, uma série de restrições foram impostas para a venda dos excedentes produzidos que, por serem sazonais, sofriam elevada depreciação, inibindo iniciativas de novos projetos. Esse marasmo começou a ser revertido com as medidas governamentais direcionadas à modelagem do Sistema Elétrico, objetivando a privatização da geração e da distribuição de energia elétrica.
Neste contexto, começou haver o interesse, sobretudo de empresas internacionais, pela energia limpa e renovável do bagaço, abrindo caminho para estudos, contemplando a geração de excedentes de energia elétrica pelas usinas. Nessa época, o grupo Balbo empreendeu estudos em parceria com a Cogentrix e outras empresas, na busca de soluções que viabilizassem a implantação de uma planta anexa a Usina Santo Antonio. Na busca de escala, para que sua viabilização fosse alcançada, cogitou-se em se constituir um pool de usinas para que houvesse uma maior disponibilidade de biomassa.
Estes estudos eram sempre desenvolvidos, considerando como premissa básica que a geração de energia deveria ser contínua, flat - 365 dias ano. Estas considerações refletiam sempre em dificuldade para a viabilização, pois além da necessidade de combustível complementar, havia, também, o inconveniente da elevada ociosidade dos equipamentos da planta de condensação, durante o período de safra e a ociosidade da turbina de contrapressão na entressafra.
Neste contexto, retomávamos a argumentação sobre os aspectos de complementaridade da energia produzida durante o período seco pelas usinas, com a hidráulica que, concomitante-mente, se encontrava em escassez. Entendíamos que ela seria a única forma de viabilizar a biomassa, sobretudo o bagaço, como fonte primária de energia elétrica, mas não se encontrava amparo junto aos quadros responsáveis pelo setor energético nacional e novamente convivíamos com o impasse e o marasmo.
Apesar do insucesso imediato, os estudos desenvolvidos trouxeram conhecimentos significativos aos empresários e aos técnicos, que se mostraram de muita valia na crise que o sistema elétrico nacional enfrentou nos anos 90, denominada apagão, levando à revisão do aspecto da sazonalidade, assimilando-se o conceito de complementaridade, há tanto tempo por nós difundido.
Assim, houve condições favoráveis para que o Grupo Balbo decidisse pela implantação da Bioenergia Cogeração, que não se absteve de correr os riscos de um projeto que se caracterizava como grande desafio para todos os envolvidos, inclusive para as empresas do parque industrial de Sertãozinho, que se dispuseram a fabricar, pela primeira vez, equipamentos como caldeiras e turbinas de alta pressão.
Este trabalho gerou expectativas bastante positivas entre as usinas, a CPFL e as Empresas produtoras de equipamentos e já nos anos seguintes, outras plantas, começaram a ser implantadas. Neste contexto, na última safra, as usinas comercializaram, somente junto a CPFL, energia correspondente a cerca de 1.500.000 MWh, viabilizados, em grande parte, através de equipamentos produzidos no parque industrial de Sertãozinho que, hoje, se destaca entre os mais pujantes do Brasil.
Isto levou o governo federal a acreditar na possibilidade de inserção de energia alternativa na Matriz Energética Nacional, instituindo o Proinfa, abrindo a possibilidade de aquisição de 3300 MW de potencia de fontes alternativas, como a biomassa, PCH e eólica. Infelizmente, os estudos realizados, deixaram de considerar aspectos inerentes a energia da biomassa, associada ao bagaço da cana, que a própria ex-ministra Dilma Russef veio a admitir em sua última visita a Ribeirão Preto.
Dessa forma, a energia da Biomassa foi sub-valorizada e muitos projetos continuam, ainda em estado embrionário, por falta de viabilidade econômica. Ao que tudo indica, esta situação deverá ser revista e serão criados mecanismos que abram o Mercado de Energia Elétrica para as usinas de Açúcar, através dos leilões de venda de energia de nova.