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Joel Velasco

Representante Chefe da Unica na América do Norte

Op-AA-26

O etanol nos Estados Unidos

O objetivo da primeira fase de nosso trabalho nos Estados Unidos era melhorar o reconhecimento do etanol feito de cana, criando um diferencial entre ele e os produzidos com outras matérias-primas, com foco nas leis federais e estaduais americanas.  A segunda, a fase na qual estamos agora, é trabalhar para buscar a redução das barreiras tarifárias nos Estados Unidos sobre o nosso etanol, numa verdadeira batalha contra os subsídios e tarifas protecionistas.

O mercado de gasolina americano é o maior do mundo, com um consumo atual da ordem de 520 bilhões de litros. O consumo de etanol representa 9% do consumo da gasolina, ou seja, quase 50 bilhões de litros – duas vezes mais que no Brasil –, já bem próximo do limite regulatório que é de 10%. O consumo e a produção de etanol subiram muito devido a três políticas.

Primeira, entre 2004 e 2005, houve  a redução do uso do MTBE, um aditivo oxigenante na gasolina considerado cancerígeno, criando um enorme mercado para o etanol. A segunda ocorreu quando a Unica já estava começando a entrar em campo nos Estados Unidos, ao surgir a política de mandato de consumo de etanol, o famoso RFS (do inglês, Renewable Fuel Standard), que estabeleceu que o país consumisse um montante anual crescente do produto, que, em 2022, deve chegar a 136 bilhões de litros.

E a terceira foi a arbitragem do preço da gasolina, com o preço do etanol, quer seja de milho ou de cana, que se reduziu bastante. Partindo da dinâmica desse mercado, começamos o nosso trabalho na Unica, que teve duas fases bem definidas. A primeira, que já está quase completada, é a que chamaríamos de buscar o reconhecimento do etanol de cana.

Iniciamos, procurando entender e trabalhar em cima do mandato federal de consumo mínimo de biocombustíveis, que envolve o etanol de milho, o etanol celulósico e os avançados – em que entra a cana de primeira geração, bem como o diesel renovável. Trabalhamos e conseguimos fazer com que a Agência de Proteção Ambiental americana comprovasse que o etanol de cana causa, nos Estados Unidos, uma redução de gás de efeito estufa (GEE) de, pelo menos, 61%, comparada à gasolina usada nos EUA.

O etanol de milho, nos cálculos da própria Agência Ambiental, conseguiu uma classificação de redução abaixo dos 20%. Isso representa que o etanol de milho só pode completar o limite previsto para a  classe dos etanóis convencionais, com um limite de crescimento bem definido, hoje de 45 bilhões de litros, atingindo, em 2015, 57 bilhões e aí permanecendo.

O que conseguimos provar para eles foi que o etanol de cana de primeira geração é melhor que o etanol celulósico, que, por sua vez, tem estabelecido como mínimo a meta de 60% de redução de GEE. Toda a indústria dos biocombustíveis tem que reconhecer que existe um diferencial entre o etanol de milho e o etanol de cana de primeira geração, agora considerado combustível avançado, abrindo os limites de seu uso.

Só para dar uma ideia do que isso representou, o tamanho do mercado do mandato dos combustíveis avançados (onde entram o celulósico, o biodiesel de biomassa e os avançados, onde nos incluímos) será de aproximadamente 58% do consumo total, ou seja, 79 bilhões de litros. O processo americano não vai permitir que qualquer biocombustível entre em seu mercado. 

O reconhecimento da Agência de Proteção Ambiental faz uma enorme diferença. Qual será, então, a direção dos investimentos? No que isso pode afetar os investimentos, por exemplo, de uma Shell? Outra questão importante é que a Unica está trabalhando com a própria indústria do milho dos EUA. A isso chamamos de Muralha da Mistura, que trata do limite de  etanol que pode ser colocado na gasolina.

Estamos pedindo à Agência Ambiental Americana para aumentar de 10% (E10) para 15% (E15). Podemos ter, nos próximos meses, um E11 ou E12, mas o mais importante é que seja sinalizado que há espaço no mercado da gasolina para o etanol. Sem isso, não adianta produzir mais etanol nos Estados Unidos, porque você não tem onde pôr.

Pode-se vender como E85, mas é um debate em separado, porque o E85 nunca vai ser competitivo nos EUA com o preço da gasolina, lembrando que lá ela custa 90 centavos por litro. Então não tem como gerar um produto com qualidade energética similar a esse. Outra parte desse trabalho no qual fomos bem-sucedidos foi o Programa da Califórnia. A política energética da Califórnia é uma das mais avançadas dos EUA.

Eles têm um programa que visa reduzir o nível de carbono combustível em 10% até o final da década. Esse estado é quase um Brasil. Consomem aproximadamente 60 bilhões de litros de gasolina por ano e, só no E10, seriam seis bilhões de litros de etanol. Trabalhamos duro por vários anos, com acadêmicos da Esalq, Unicamp e outros, para demonstrar que o etanol de cana tem uma redução de 40% do GEE.

O engraçado é que a Unica teve que defender o estado da Califórnia, quando as indústrias das refinarias do petróleo e do milho estavam levando o Governo desse estado à justiça. Nunca pensei que eu iria ter que defender o Schwarzenegger numa briga. Agora, nossa estratégia é manter a pressão sobre o Congresso Americano para reduzir a tarifa de importação de US$ 0,54/galão e para que ela expire no final deste ano. 

A nossa mensagem é bem simples: o etanol de cana é um combustível limpo, renovável e reduz a dependência do petróleo dos EUA, a um preço competitivo para o bolso do americano. A bancada do lobby do etanol de milho sabe que vai ser difícil manter a continuidade do subsídio da ordem dos seis bilhões de dólares por ano, considerando, principalmente, o altíssimo déficit fiscal americano.

Eles argumentam que perderão 160 mil empregos, mas considerando que este é um ano eleitoral, o protecionismo e o nacionalismo podem continuar bancando a conta. Todos os grandes jornais dos Estados Unidos, como New York Times, Wall Street Journal, Washington Post, Chicago Tribune, pediram, em editoriais, para acabar com esses subsídios.

O lobby do milho está dividido em suas posições básicas entre o carro flex, a mistura etc. Nossa estratégia é de exigir a competição. Queremos que o mercado, que deixa o petróleo do Oriente Médio entrar sem qualquer tarifa, reconheça os benefícios do etanol de cana e elimine a taxa de quase 30% sobre o etanol importado. A janela legislativa está se fechando nos EUA.

Haverá eleições em novembro e é bem provável que eles não vão conseguir chegar a um consenso sobre uma pauta de votação. Temos quatro opções: ou eles deixam expirar – o que desejamos; ou podem renová-la – do jeito que está ou de uma forma diferente; ou podem criar uma paridade entre a tarifa e o subsídio deles – baixando apenas um pouco a tarifa de importação; ou criar um novo programa completo.

Minha opinião, nos bastidores, é que o Congresso tende a renovar as tarifas, se tiver chance no calendário. Eles podem reduzir os subsídios para o etanol doméstico e para o consumo desse produto, mas tudo isso acabaria por volta de um ano. Eu não quero sugerir que a tarifa vá cair no final do ano, mas ressalto que a tarifa nunca ficou para ser renovada tão perto do final do ano.

Antes, ela era renovada com dois anos de antecedência. Além disso, o debate nos EUA está mais sofisticado, e hoje eles reconhecem ser loucura da política impor taxas sobre um etanol mais limpo. Sou uma pessoa otimista com relação ao mercado de biocombustível, mas tenho uma preocupação. Se pensarmos apenas no mercado americano, podemos ver uma demanda internacional gigante.

Penso que os EUA devem demandar algo entre 5 e 15 bilhões de litros de etanol de cana até o final desta década. Se o preço do etanol de milho ou do petróleo subirem, a tendência é ficar mais do lado dos 15 bilhões. A questão é se nós estamos nos preparando para isso. O investimento na expansão da indústria e da infraestrutura precisa vir o mais rápido possível.

Não podemos deixar para pensar nesse assunto quando a demanda acontecer, mesmo porque, mostrar-se preparado, é questão fundamental para quem, do lado de fora, estiver observando esse cenário. Chegou a hora de acreditar no setor, pôr os pés no chão e começar a investir, senão, corremos o risco de morrer na praia.