Pesquisador do Laboratório de Hidrogênio da Unicamp
Op-AA-12
Apesar de minhas convicções sobre esse tema, creio que ainda há muitas dúvidas sobre as vantagens da utilização veicular do hidrogênio. Tentarei contribuir para um melhor entendimento sobre o assunto, dando ênfase a alguns conceitos, tecnologias e fatos. O hidrogênio e a eletricidade não são fontes primárias de energia. Ambos são meios convenientes de transportar e armazenar energia, mas precisam ser produzidos, a partir de fontes primárias.
O armazenamento de eletricidade é feito normalmente em baterias que, embora continuem evoluindo, apresentam as seguintes desvantagens: armazenam pouca energia por unidade de massa, são pesadas, têm curta vida útil, longo tempo de recarga e problemas ambientais associados ao ciclo de vida.
Para o hidrogênio, os custos de armazenamento e transporte são as principais desvantagens, que podem ser largamente suplantadas por suas vantagens:
1. pode ser obtido de muitas fontes de energia, reduzindo a dependência por petróleo;
2. os processos de produção são simples;
3. pode ser utilizado em motores à combustão interna ou células a combustível, sem emissão de dióxido de carbono no ponto de uso e com baixíssima emissão de poluentes, o que seria um ganho considerável para as grandes cidades.
Fontes de energia e o hidrogênio: Atualmente, a forma mais barata de produzir hidrogênio é por meio da reforma do gás natural. Mas, além de estarem se esgotando, os combustíveis fósseis têm papel importante nas mudanças climáticas e na saúde da população. Como conseqüência, as fontes renováveis de energia serão cada vez mais utilizadas, tornando-se economicamente competitivas.
A eletricidade oriunda da energia hidráulica, eólica ou fotovoltaica pode ser utilizada num eletrolisador, para dissociar a molécula da água. O hidrogênio, assim produzido, permite regularizar a oferta de energia elétrica das fontes intermitentes e também a utilização automotiva. Oriundo da biomassa, o etanol é um candidato promissor para a geração de hidrogênio.
Através de uma reação termoquímica do etanol com ar atmosférico e água, é gerada uma mistura de hidrogênio, dióxido de carbono e outros gases, que depois de purificada fornece hidrogênio puro. Como o dióxido de carbono liberado no processo já havia sido capturado pela cana-de-açúcar, durante o crescimento, o balanço é praticamente zero.
Armazenamento de hidrogênio: Apesar dos esforços para solucionar o problema do armazenamento do hidrogênio, as tecnologias que estarão disponíveis para uso automotivo, pelas próximas décadas, são a liquefação e a pressurização. A liquefação do hidrogênio consome muita energia, podendo superar 30% da energia contida no produto.
Devido à baixa temperatura, o reservatório criogênico é caro e as perdas por evaporação, inevitáveis. No entanto, algumas montadoras no exterior já têm desenvolvido os componentes para uso automotivo do hidrogênio líquido. O armazenamento pressurizado parece ser de mais fácil implementação, embora para obter maior autonomia, a pressão dos cilindros deva subir de 200, para 700 bar.
Parte dos especialistas não se sente confortáveis com pressões tão altas. Mas, pelo menos duas empresas no mundo já produzem cilindros e componentes para essas aplicações. Um ponto sensível diz respeito aos protocolos de testes, que tornam esses cilindros mais caros. Uma opção para a fase de transição da tecnologia seria armazenar o gás à pressão intermediária de 350 bar.
Conversão do hidrogênio: A forma mais elegante de converter o hidrogênio em eletricidade é por meio de células a combustível, dispositivos que promovem a reação eletroquímica entre o hidrogênio e o oxigênio do ar. De forma simplificada, este processo é o inverso da eletrólise da água. Mas, para utilização veicular, as células a combustível precisam melhorar, uma vez que, comparadas aos geradores a hidrogênio, elas são cinco vezes mais caras e sua durabilidade é dez vezes menor.
Assim, creio que, pelos próximos 20 anos, a conversão do hidrogênio em eletricidade deverá ser feita por meio de geradores, constituídos por motores a combustão interna, acoplados a alternadores. Embora sejam considerados ineficientes, tais sistemas podem atingir 35% de rendimento, quando operados no ponto ótimo. Outra grande vantagem é que eles podem operar com misturas de hidrogênio e gás natural. A adição de 30% de hidrogênio ao gás natural diminui o dióxido de carbono emitido e pode, praticamente, eliminar a emissão de óxidos de nitrogênio, se forem utilizadas misturas pobres e turbocompressão.
Tecnologia dos veículos: A configuração híbrida, já empregada em veículos comerciais, parece muito adequada para uso do hidrogênio. Nesta tecnologia, um motor a combustão interna, acoplado a um alternador, fornece energia para as baterias ou diretamente para o motor elétrico.
Dependendo das condições, a propulsão do veículo é feita pelo motor elétrico, pelo motor a combustão interna, ou por ambos. Esses veículos apresentam consideráveis ganhos de eficiência em relação aos convencionais, uma vez que os equipamentos são operados na faixa de melhor rendimento.
Conclusão: O hidrogênio apresenta vantagens competitivas importantes com relação a outros combustíveis, nos aspectos ambientais, de saúde e segurança energética. Para que isso seja verdadeiro é necessário que ele seja originado a partir de energias renováveis e os processos utilizados proporcionem maiores eficiências de conversão. Portanto, a utilização veicular do hidrogênio ocorrerá dentro de um contexto de mudanças na forma como o homem vê, utiliza e gera a energia de que necessita. Sem dúvida, um bom tema para reflexão.