Engenheiro Civil e Sanitarista
Op-AA-09
Diariamente, acentua-se a preocupação, entre os pesquisadores e institutos científicos internacionais, com os efeitos do aquecimento global, possivelmente relacionados com os gases que provocam o efeito estufa. Ao mesmo tempo, os preços internacionais do petróleo atingem valores históricos superiores a U$ 75,00 o barril, indicando a iminência do declínio da produção mundial.
E o onipotente presidente americano, George W. Bush, reconhece como exemplar a alternativa energética brasileira do álcool combustível, cuja produção está atraindo investimentos no Estado de São Paulo, da ordem de 12 bilhões de dólares. Esses acontecimentos impelem-nos a refletir acerca do gerenciamento do impacto ambiental do setor sucroalcooleiro, mormente a expansão que ocorrerá nos próximos 10 anos no Noroeste do estado de São Paulo, com a implantação de 50 novas usinas e o conseqüente crescimento da cultura da cana-de-açúcar, em pelo menos 1 milhão de hectares.
A legislação ambiental brasileira é a mais avançada do mundo. Não ao acaso, o artigo V da Constituição Federal de 1988, exige que para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente seja elaborado estudo prévio de impacto ambiental. Contudo, no dia-a-dia, ocorre que o estudo de impacto ambiental é realizado, precipuamente, para legitimar, homologar a decisão econômica do investidor, ao invés de subsidiá-lo quanto à conveniência ou não do empreendimento, bem como do desembolso financeiro que implicarão as medidas de precaução e correção necessárias.
O ideal seria que a expansão da atividade sucroalcooleira no estado de São Paulo fosse planejada, estudada e viabilizada ambientalmente, em seu todo. O que se verifica, entretanto, é o licenciamento ambiental, empreendimento por empreendimento, desvinculado de uma política pública estratégica, sem preocupação com a somatória dos impactos ambientais, o sinergismo entre os mesmos e a capacidade de suporte do meio.
Os próprios usineiros, representados pela Unica, não se precaveram em formular um plano para locação das novas unidades, de forma a obter eficácia nos investimentos, com o mínimo de impactos ambientais. Um dos aspectos ambientais mais importantes na locação de uma usina é a disponibilidade hídrica para suprimento das caldeiras, resfriamento das unidades de destilação e cogeração de energia elétrica, lavagem dos gases das chaminés e produção de açúcar.
Ainda que o Noroeste paulista seja circundado por grandes rios, como o Rio Grande, Paraná e Tietê, o seu interior é pobre em recurso hídrico superficial. O maior rio, até então disponível, era o Turvo, que hoje, já não tem disponibilidade para suprimento hídrico. Em razão desta limitação, 3 grandes usinas estão explorando água do Aqüífero Guarani, em sua porção confinada, a mais ou menos 1000 metros de profundidade, o que poderá acelerar o rebaixamento de seu nível dinâmico, fato já observado em São José do Rio Preto e Catanduva, situação que implicará em riscos ao abastecimento público.
Pertinente notar que a Constituição Estadual Paulista confere à água subterrânea, caráter de reserva estratégica. E isto faz sentido quando se constata que a idade geológica destas águas, não raro, situa-se em torno de 20.000 anos. Ou seja, a atividade sucroalcooleira poderá exaurir um recurso nobre que jamais se renovará!!!
A infra-estrutura ambiental moderna e indispensável a um empreendimento sucroalcooleiro compreende os sistemas de: recirculação total de águas de resfriamento, tratamento e reuso das águas residuárias da fabricação de açúcar, retorno de condensáveis, adução e fertirrigação ambientalmente correta da vinhaça em 24 horas, precipitadores eletrostáticos para tratamento dos gases das chaminés, desmineralização das águas das caldeiras por meio de osmose, pavimentação e galerias pluviais para as vias internas de circulação, instalações de prevenção e combate a incêndios, recuperação das áreas de preservação permanente do setor agrícola, armazenamento coberto para o bagaço de cana excedente, monitoramento contínuo da qualidade do ar nas principais cidades, implantação e manutenção de anéis viários, colheita mecanizada de cana crua, produção de biodiesel, minimização e gerenciamento de resíduos sólidos, controle biológico de pragas em substituição ao emprego de organoclorados, etc.
Tais precauções podem custar R$ 30 milhões para uma usina de porte médio, isto é, 50% do investimento. Daí nasce o dilema: investir no imediatismo econômico custe o que custar ou se precaver para a sustentabilidade ambiental futura do empreendimento? A decisão a ser tomada depende de inúmeros fatores: seriedade e consciência do acionista majoritário, competência técnica das consultorias ambientais, atuação proativa, independente e descentralizada dos órgãos ambientais e Ministério Público Estadual, transparência e cultura empresarial, mídia e população atuantes, implementação de sistemas de gerenciamento ambiental, etc.
No cotidiano, tem-se que grande parte das medidas preventivas é invariavelmente relegada para possível cumprimento posterior. Como exemplo deste anacronismo, podemos citar o fim das queimadas, ao menos legalmente, previsto para acontecer, nas áreas mecanizáveis, somente a partir de 2021! A população de São José do Rio Preto, José Bonifácio, Araçatuba, Fernandópolis, Monte Aprazível, Votuporanga... assiste, candidamente, ao desaparecimento das pequenas propriedades rurais, o surgimento de um extenso canavial e o distanciamento cada vez maior das áreas destinadas à produção de alimentos, notadamente carne, leite e grãos.
Qual o futuro socioeconômico que teremos? Desde o trabalhador braçal ao pesquisador cientifico são unânimes na opinião de que a qualidade ambiental deteriorar-se-á, caso não sejam tomados os mínimos cuidados. Daí a premência da gestão eficaz dos impactos ambientais, uma vez que as circunstâncias econômicas e o neoliberalismo são muito mais fortes que o idealismo e o apego do ser humano aos valores ambientais e os ditames legais.