Membro dos Conselhos de Administração da Zilor e da Alesat e do Conselho Consultivo da Copersucar
Independentemente do setor no qual atue, os desafios do gestor moderno, ano após ano, só aumentam, em número e em complexidade. Numa abordagem genérica, poderíamos, até bem pouco tempo, resumir a gestão ideal apenas citando algumas expressões que já caíram no lugar comum: fortalecimento da estrutura organizacional através de valores alinhados com os anseios da sociedade; desenvolvimento de uma cultura que reflita o DNA dos acionistas; busca pela manutenção do nível elevado de motivação da equipe; desenvolvimento de uma visão sistêmica por parte de todos os colaboradores; geração de valor para os acionistas; responsabilidade socio-ambiental; governança corporativa e por aí vai.
Se já seria complicado continuar o texto ficando apenas nos itens acima, muito mais complexo é discorrer sobre as exigências decorrentes de um mundo muito mais acelerado, muito mais conectado, de um ambiente de negócios que caminha a passos largos para uma nova era derivada da revolução digital.
O setor sucroenergético é fruto das duas grandes revoluções pelas quais passaram a humanidade, a agrícola e a industrial, e ainda apresenta vários vícios desse passado distante, tendo que, agora, se reinventar para preparar-se para os próximos 20 anos, quando o mundo será muito diferente de como conhecemos hoje. Segundo previsões feitas pela Singularity University, em 2038, o dia a dia já não será mais reconhecível – a realidade virtual e a inteligência artificial alavancarão todas as partes da vida humana no mundo inteiro, e as cidades serão autossuficientes, através da utilização maciça da energia solar; o carro elétrico será dominante. Infelizmente, muito precisaremos fazer para caminharmos na direção do ideal; a necessidade constante de inovação deixou de ser alternativa e passou a ser uma obrigação, definindo, mais do que qualquer outro aspecto, o tempo de vida das organizações.
Assim como na natureza, evoluir, reinventar-se passou a ser questão de sobrevivência. O setor sucroenergético, mais do que qualquer outro, precisa evoluir. Na última década, segundo dados do Pecege (2019), a produção de ATR por hectare caiu 17%: os motivos são diversos e conhecidos, e as explicações e justificativas não alteram o fato, estamos regredindo.
Para complicar mais ainda, como se fala no Nordeste, além da queda, tivemos o coice, pois os custos de produção, no mesmo período, segundo a mesma fonte, subiram extraordinários 177% contra um IGPM acumulado no período de apenas 86%. Ou seja, perdemos produtividade e aumentamos custos, sem contrapartidas na precificação dos produtos e, consequentemente, nas receitas; isso exauriu o setor financeiramente e é a principal causa das limitações atuais que definem uma gestão possível.
Não existem saídas milagrosas, não teremos safras sucessivas de ótimos preços, seja no etanol, seja no açúcar, e, mesmo que ocorram anos espetaculares, como já vivenciamos no passado, não necessariamente, e, na maioria das vezes, isso não acontece, seremos bafejados pela sorte de termos também anos de produção igualmente espetaculares, ou seja, precisamos inovar para recuperar a produtividade perdida e para desenvolver uma maior resiliência no setor.
A única certeza de que temos é de que a volatilidade permanecerá e de que os vasos comunicantes entre os diversos ativos financeiros e mercados só tendem a aumentar, intensificando a complexidade do gerenciamento das incertezas, sempre inerentes ao setor. A correlação que o açúcar passou a ter com o petróleo nos últimos meses trouxe ainda mais sofisticação e riscos, porém também oportunidades, ao nosso negócio.
Iniciativas de inovação existem e já estão sendo colocadas em prática por algumas poucas empresas saudáveis financeiramente: a Internet das Coisas é uma realidade, e a sua aplicação no setor é infinita e com incomensuráveis impactos positivos em toda a cadeia de produção; a irrigação inteligente alinha-se com os objetivos de maior sustentabilidade ambiental, agregando também ganhos substanciais à produtividade da cana-de-açúcar; ferramentas digitais baseadas em big data e o uso da inteligência artificial certamente auxiliarão de forma decisiva a superarmos o grande desafio de produzirmos de forma sustentável, cada vez mais, utilizando a mesma área. Porém penso que nenhuma iniciativa possui maior poder disruptivo do que a transgenia e o desenvolvimento de novas formas de plantio.
Nos próximos cinco anos, veremos a utilização comercial de mais e mais variedades transgênicas resistentes a pragas e, possivelmente, a disponibilização para o setor da semente de cana-de-açúcar, o que revolucionará a forma como fazemos o plantio. Acredito piamente que esses eventos definirão o turning point do setor e defendo que todo o setor deveria abraçar essa causa.
Além, obviamente, da produtividade derivada da inovação e da redução dos custos de produção, alguns outros aspectos podem e devem ser incluídos na gestão possível. Cito como exemplo a redução de custos de SG&A. O setor ainda se comporta, com raras exceções, como se vivêssemos nos tempos das “vacas gordas”; muitos que observam o setor de fora constantemente questionam se de fato o setor vive na pindaíba que apregoa, e falo mais, esse comportamento contraditório, além de minar as finanças, age contrariamente aos interesses do setor, uma vez que deslegitimizam demandas que, na maioria das vezes, são justas.
Excessos, gorduras e desperdícios ainda é comum de serem vistos e fazem a alegria das consultorias “cortadoras de custos”; uma gestão mais espartana e o entendimento de que não temos mais um negócio que no passado podia até ser classificado como uma “vaca leiteira” faria muito bem à saúde do segmento e aos nervos dos acionistas, investidores e credores.
Falar da questão ambiental como item obrigatório da agenda da gestão possível para o setor poderia até ser redundante em função do RenovaBio e da necessidade de se comprovar e quantificar as emissões de gás carbônico em cada parte do processo produtivo, porém os recentes acontecimentos trágicos envolvendo o setor produtivo, o meio ambiente e a sociedade, e não importa em qual segmento ocorreram, trazem novas e fortes cores à priorização que se precisa dar a esse assunto, incluindo, definitivamente, o mesmo não na gestão possível, mas sim na gestão imprescindível.
Infelizmente, para a maioria das empresas que se encontram asfixiadas por dívidas colossais e por juros que consomem quase integralmente a parca geração de caixa, a gestão possível resume-se ao “se vira nos 30” ou ao “se vira na safra”. A saída encontrada por essas empresas resume-se à busca do aumento de produtividade e à redução de custos através de iniciativas que envolvam baixos investimentos, ou, de preferência, até nenhum investimento, pois não sobram recursos para muita coisa.
A revisão de processos, a otimização das compras de insumos e o aumento da eficiência das equipes são as saídas mais frequentemente encontradas, pois toda a geração de caixa que sobra após o pagamento de juros e a amortização das dívidas, quando sobra, acaba sendo carreada para o Capex obrigatório relacionado à manutenção das plantas e à renovação do canavial, sendo esse último os investimentos que normalmente mais sofrem nesses períodos de sofreguidão.
O setor precisa de dinheiro novo ou de uma grande e geral reestruturação das suas dívidas; sem isso, ficaremos da “mão para a boca” nos próximos anos, e, inevitavelmente, o ajuste se dará pela redução da oferta via fechamento de unidades ou pela consolidação via absorção das empresas debilitadas por aquelas aqui instaladas que são financeiramente saudáveis.
Se nada for feito, a janela de oportunidades que se abrirá com o RenovaBio e com as inovações que se multiplicarão na próxima década muito provavelmente encontrará poucos players a desfrutá-la. A economia brasileira está próxima de entrar num ciclo virtuoso, e o setor pode se beneficiar dessa nova onda.
O consumo de combustíveis crescerá num primeiro momento, em velocidade superior à do PIB, alavancando as vendas de etanol, em paralelo à manutenção da taxa de juros em patamares civilizados, o que impulsionará o mercado de capitais e de títulos privados. CRAs, Bonds e IPOs serão alternativas para a captação de novos recursos pelas usinas para fazer frente a novos investimentos (inovação, aumento da cogeração ou movimentos de consolidação que apresentem sinergias claras) e para a melhoria do perfil da dívida, visando à redução de juros e ao alongamento do seu duration; porém, ressalte-se, apenas as empresas operacionalmente eficientes e com governança consolidada acessarão essas alternativas.
Os investidores, mesmo os estrangeiros, já percorreram toda a curva de aprendizado e já conseguem separar o joio do trigo e, certamente, não colocarão mais dinheiro em projetos milaborantes, nem para cobrir déficits decorrentes de ineficiências e má gestão. Em novos tempos no nosso País, onde o liberalismo e as leis de mercado ditam as regras do jogo, é hora de pararmos, de uma vez por todas, de sonhar que a ajuda virá de fora.