Diretor executivo do Grupo Scodro e Presidente do Conselho Temático de Agronegócios
Op-AA-34
“Boa parte da população brasileira sabe que o País exportou muito ouro e diamantes para Portugal. A maioria até mesmo acredita ter sido esse metal e as pedras preciosas os produtos mais importantes da colônia. Não é verdade. De 1500 a 1822, saíram do Brasil mercadorias no valor de 536 milhões de libras esterlinas, de acordo com cálculo de Roberto Simonsen. O ouro e diamantes responderam por 170 milhões de libras esterlinas (32% do total), enquanto as remessas de açúcar chegaram a 300 milhões de libras (56% do total). Ou seja, o Brasil, que tem nome de árvore, na realidade foi feito de açúcar e cana.”
É isso o que nos ensina Rogério Furtado, no livro “Agribusiness Brasileiro - A História”. Sendo um setor produtivo tão importante para a economia nacional, o segmento sucroenergético sempre esteve sob os cuidados especiais do poder central no Brasil. A nossa história aponta uma dependência simbiótica entre o poder público e o setor privado de açúcar e álcool. Será que esses dois ainda dependem um do outro?
Nessa pergunta, se encontra a chave para o futuro do setor sucroenergético brasileiro. Até o governo Collor, no final do século passado, o setor de açúcar e álcool esteve totalmente tutelado pelo Governo Federal. O fim do IAA - Instituto do Açúcar e do Álcool, marcou o início da desregulamentação do segmento, um ciclo que somente se completou no governo FHC, quando o governo, abruptamente, deixou de estabelecer os preços dos dois produtos. Aquele momento histórico marcou uma das maiores crises já vividas pelos produtores, que, após cinco séculos de mercado regulado, tiveram que aprender sozinhos, e na marra, a sobreviver no mercado livre.
Talvez essa crise tenha deixado marcas de parte a parte, que ainda não desapareceram. Naquele momento, o poder público e a iniciativa privada iniciaram um relacionamento desconfiado, que permanece até hoje. O setor privado acha que é totalmente autossuficiente, e o poder público faz de conta que o assunto não é com ele, dando corda para os produtores se enforcarem sozinhos.
A verdade é que o setor sucroenergético é altamente dependente do Governo Federal. Sempre foi no passado e, provavelmente, continuará sendo no futuro. Desconhecer esse fato é um erro fatal. O mercado de etanol anidro é totalmente dependente da caneta do governo, pois o percentual de adição na gasolina é definido por uma legislação pública.
O mercado de etanol hidratado também é dependente do governo que estiver de plantão, pois o preço final do produto está umbilicalmente ligado tanto às questões tributárias quanto às decisões políticas sobre o preço da gasolina. Alguém pode dizer: “Mas o preço do açúcar é livre!” Engano. O governo também influencia o preço do açúcar através de sua caixinha de ferramentas, como a tributação no mercado interno e a taxação das exportações.
Além disso, como a matéria-prima do etanol e do açúcar é a mesma, o desestímulo à produção de etanol, por exemplo, significa maior destinação de cana para a produção de açúcar, o que, por sua vez, aumenta a oferta do produto, pressionando os preços para baixo. Veja como o equilíbrio desse mercado é tênue e como o setor privado depende muito do governo.
Para resolver os problemas sistêmicos do setor sucroenergético, o governo e o setor privado precisam reatar a sua relação. É bem verdade que a nova relação precisa ser fundada em bases sólidas, com valores nobres. Para usar uma expressão moderna, a relação tem que ser sustentável para as empresas, o governo, os consumidores e os stakeholders em geral; enfim, essa relação tem que ser benéfica para o País.
Uma relação forte, produtiva e duradoura precisa começar por uma boa agenda positiva. Então, aí vão algumas sugestões para essa agenda:
01. Reforçar os compromissos mútuos de buscar a sustentabilidade econômica e socioambiental da atividade;
02. Assegurar investimentos públicos e privados que sejam motores de crescimento;
03. Atuar para promover o desenvolvimento econômico da atividade produtiva e do País;
04. Maximizar o impacto positivo sobre as comunidades pobres;
05. Maximizar a criação de empregos de melhores níveis de remuneração;
06. Avançar no uso da tecnologia da informação e na assistência técnica;
07. Desenvolver processos transparentes e de resposta rápida;
08. Maximizar a eficiência e a eficácia produtivas;
09. Maximizar o desenvolvimento do setor privado;
10. Atualizar e expandir políticas públicas de investimentos;
11. Oferecer políticas públicas alternativas;
12. Aprimorar a capacidade de pesquisa e de desenvolvimento;
13. Expandir o fluxo das exportações;
14. Destacar as prioridades de financiamento;
15. Alinhar os recursos com prioridades estratégicas, e
16. Apresentar resultados visíveis.
Que tal a agenda? Não fui eu quem a construiu, mas a Agência de Desenvolvimento Econômico do Departamento de Comércio dos Estados Unidos (Kaplan e Norton). Veja como essa agenda se encaixa como uma luva para nós. É chegada a hora de reconhecer mutuamente a importância, o valor do governo e da iniciativa privada. É tempo dos grandes homens e mulheres se levantarem e cerrarem fileiras juntos para transformar um setor e um País. Os homens e mulheres desse novo tempo certamente vão ser reconhecidos pelas futuras gerações.
Como disse Thomas Paine: “Estes são tempos que testam as almas dos homens. O soldado de verão e o patriota do sol brilhante, nesta crise, se omitirão do serviço do seu país; mas aquele que agora se sustenta firme merece o amor e os agradecimentos de homens e mulheres”.