Diretor Adjunto do Departamento de Açúcar do Ministério da Agricultura
Op-AA-16
A produção e o uso de biocombustíveis são questões de primeira ordem nos debates internacionais. Eles ganharam evidência como alternativas renováveis, capazes de contribuir para a redução da dependência em relação ao petróleo e, não menos importante, para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa. Nos últimos meses, porém, uma nova ótica de abordagem ganhou força: a ameaça à segurança alimentar, evidenciada pelo comportamento dos preços das commodities agrícolas, em especial a soja, o milho e o trigo.
Essa concorrência dos biocombustíveis por terras e, em alguns casos, pelas mesmas matérias-primas, ocorre exatamente em um momento de aquecimento da demanda internacional por alimentos, motivada pelo dinamismo das economias asiáticas, em especial a China e a Índia. O Brasil está em uma posição confortável, em relação a essa problemática.
O país tem uma grande extensão de terras, que ainda podem ser incorporadas à agricultura, inclusive a partir da modernização da pecuária e liberação de áreas de pastagens, muitas das quais degradadas. Além disso, outro aspecto fundamental está relacionado às alternativas disponíveis, em especial a cana-de-açúcar. Essa matéria-prima apresenta resultados fantásticos.
Com uma área cultivada de apenas 7 milhões de hectares, ou seja, menos de 1% do território nacional, a indústria sucroalcooleira gera mais de um milhão de empregos diretos, e receitas, com exportações, superiores a US$ 5 bilhões anuais. Mas, o mais surpreendente, conforme apontado pelo resumo preliminar do Balanço Energético Nacional, em 2007, a cana-de-açúcar respondeu por nada menos que 15,7% das fontes primárias de energia do país, superando as hidrelétricas, que caíram para o terceiro lugar, com 14,9% (o petróleo continua em primeiro lugar, com 37,4%).
Esse sucesso, resultado da rápida expansão do setor nos últimos anos, aumenta a responsabilidade do governo e dos investidores privados. Com isso, é fundamental que a continuidade do processo de expansão dê-se em bases sustentáveis, tanto do ponto de vista social, quanto ambiental. Dentro dessa perspectiva, o Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento determinou que a Embrapa, juntamente com a Conab, coordene o Zoneamento Agro Ecológico da cana.
Tal estudo objetiva identificar as áreas com maior aptidão para a atividade e também áreas nas quais ela não deve ser incentivada. Entretanto, compete destacar que muitos dos novos projetos de expansão estão sendo implantados em regiões com maior carência de infra-estrutura de transportes. Mais do que isso, são regiões com baixa densidade populacional, com frota veicular reduzida e, conseqüentemente, baixo consumo local de combustíveis.
Essa é uma situação paradoxal, uma vez que, para atingir um universo crescente de consumidores no exterior, a produção tem que ocupar áreas cada vez mais distantes da infra-estrutura portuária. Logo, garantir a competitividade envolve a construção de logística especializada, que vai desde bases coletoras nas novas fronteiras de produção, até os terminais marítimos dedicados.
Além disso, há a necessidade de sincronismo entre os investimentos na ampliação da capacidade produtiva (instalação de novas plantas) e nos modais de transporte, para o escoamento dessa produção. Diante do dilema de priorizar a instalação de projetos em áreas já dotadas de infra-estrutura (fundamental dentro da ótica privada), ou levar essa infra-estrutura para novas áreas, permitindo a desconcentração espacial da produção (prioridade definida pelo Governo Federal), há um componente natural de risco. Quais os meios para assegurar a sintonia dos investimentos?
A cana-de-açúcar poderá levar a uma segunda onda de ocupação agrícola do Brasil Central. Ainda que em bases mais modernas, tendo como exemplo a completa mecanização do corte da cana, os empreendimentos sucroalcooleiros geram um número de empregos significativamente maior, por unidade de área cultivada. Entretanto, diferentemente da soja, responsável pelo primeiro movimento, ao mesmo tempo em que a cana promove maior dinamismo das economias locais, também é mais dependente de logística e infra-estrutura.
Além de se constituir em uma das melhores alternativas para a produção de energia limpa e renovável e, sem dúvida, a melhor matéria-prima para a produção de biocombustíveis líquidos, a cana-de-açúcar poderá ser decisiva na consolidação do processo de interiorização do desenvolvimento. O tema é tão importante que vem sendo tratado com prioridade no PAC - Programa de Aceleração do Crescimento.
Tal programa contempla a realização de investimentos na modernização portuária, bem como na logística especializada para o transporte do álcool, especialmente os dutos ligando o Centro-Oeste (regiões metropolitanas de Goiânia e Cuiabá), aos portos de São Sebastião e de Paranaguá. Esses investimentos estão no portfólio da Petrobras e representam um importante passo para resgatar o déficit histórico de infra-estrutura na região central do país.
Para se ter uma idéia da dimensão desse déficit, a quase totalidade da malha ferroviária brasileira está localizada, onde se praticava a agricultura há cinqüenta anos: uma faixa de terras próxima ao litoral, com pequena penetração para o interior, em alguns pontos. As exceções, talvez, sejam o entroncamento que chega à Brasília, a ferrovia de Carajás e, crescendo a passos muito lentos, a Ferronorte. Ao cumprir esse papel de indutor dos investimentos em infra-estrutura, o setor sucroalcoleiro poderá apagar a mística que o persegue, de ser considerado concentrador de renda e promotor de exclusão social.