Para se discutir como evoluirão os veículos de transporte individual, num horizonte de tempo compatível com o de mudanças significativas do comportamento humano digamos 15 a 20 anos, é primordial que se trate, inicialmente, das formas de energia que estarão disponíveis para o setor de transportes na ocasião. Admite-se, implicitamente, que o desejo humano de ampliar sua mobilidade real não será substituído pela mobilidade virtual na escala de tempo mencionada.
No contexto de um mundo globalizado, que, para evitar um acréscimo da temperatura média do planeta maior que 2°C, deverá reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de um total de cerca de 50 bilhões de toneladas equivalentes de CO2 por ano (GtCO2/a) pela metade em 2050, mesmo com crescimento médio da economia acima de 2% ao ano, várias alternativas energéticas são propostas. Para o setor de transportes, cujas emissões de GEE são da ordem de 8 GtCO2/a, e que, apesar da grande evolução dos veículos, têm aumentado em cerca de 1,4% a.a. face ao crescimento da frota e de uma vida média superior a 10 anos, as dificuldades são ainda maiores.
Dessa maneira, os países sedes das montadoras dominantes do mercado automobilístico global estão trabalhando com metas de redução de cerca de 90% das emissões dos veículos novos de transporte individual até 2050. Uma das rotas para alcançar objetivos tão desafiadores é a procura de maior eficiência nos veículos convencionais pela redução do peso, da resistência ao rolamento dos pneus, da resistência aerodinâmica e do atrito entre as partes móveis do veículo; nessa mesma linha, busca-se uma maior eficiência do sistema de propulsão convencional por meio da redução do tamanho dos motores de combustão interna e uso de turbocompressores, aumento do número de marchas, eletrificação de acessórios, etc.
Uma segunda rota é a busca de alternativas energéticas de menor intensidade de carbono que os derivados de petróleo: eletricidade ou hidrogênio e biocombustíveis líquidos como opções principais de baixa intensidade de carbono; combustíveis sintéticos, como uma rota de viabilização do uso de biomassa; e metano na forma de gás natural ou biometano como combustível complementar. Observe-se a grande vantagem dos biocombustíveis misturados aos combustíveis fósseis, pela possibilidade de redução de emissões sem a necessidade simultânea de modificação do perfil da frota.
Nessa rota, que articula novos energéticos com veículos, os automóveis e derivados são: elétricos a bateria; elétricos movidos com célula a hidrogênio; híbrido-elétricos; híbrido-elétricos “plugáveis”; flexíveis etanol-gasolina; e multicombustíveis com gás metano. Os combustíveis sintéticos a partir de biomassa não demandariam veículos especiais.
Os elétricos a bateria, tanto pela facilidade de aproveitamento da energia de frenagem como pela maior eficiência de transformação da energia elétrica em energia mecânica, consomem cerca de ¼ da energia química dos combustíveis por quilômetro. Como o preço da eletricidade por unidade de energia é pouco superior ao da gasolina no País, o custo de operação do veículo elétrico é vantajoso. Entretanto o custo inicial do veículo é muito superior ao convencional, principalmente em razão do custo da bateria, o que torna sua utilização desvantajosa para usuários comuns, que usualmente rodam menos que 20.000 km/ano.
A necessidade de infraestrutura de abastecimento é outra dificuldade dessa alternativa, que apresenta benefício elevado em termos de redução de poluentes locais e emissão de GEE, notadamente no caso brasileiro, em que a eletricidade ainda é majoritariamente de fontes renováveis. Na hipótese de veículos elétricos com célula a hidrogênio, a produção do gás e seu armazenamento e distribuição são dificuldades adicionais às já mencionadas para os elétricos a bateria. O custo de fabricação do veículo, no entanto, é bem menor do que o do elétrico a bateria, por causa da grande redução do tamanho da bateria.
O armazenamento do hidrogênio no veículo é feito em tanque a 700 atmosferas de pressão, e o consumo energético por quilômetro é cerca de 1/3 daquele da gasolina. A infraestrutura de produção e abastecimento do hidrogênio seria, no período aqui referido, baseada na reforma de gás natural realizada nos postos de abastecimento.
Nessa mesma linha de propulsão elétrica, os veículos híbrido-elétricos combinam a vantagem do combustível líquido em termos de abastecimento e armazenamento no veículo, com a facilidade de controle e recuperação de energia de frenagem que a eletricidade possibilita. Em ciclos urbanos, a economia de combustível é da ordem de 40%, mas o custo do veículo, pela necessidade dos dois sistemas de propulsão, é significativamente maior do que o dos convencionais.
A alternativa vem se mostrando viável em aplicações de uso mais intenso, como táxis. Os híbrido-elétricos “plugáveis”, cujas baterias podem também ser carregadas pela conexão à rede elétrica, tentam combinar as vantagens do híbrido com uma maior autonomia, com uso menos frequente do combustível líquido. Sua eficiência energética é semelhante à dos híbridos, mas seu custo, significativamente superior.
Os veículos flexíveis etanol-gasolina usam as mesmas tecnologias de propulsão aplicadas aos combustíveis fósseis e dão ao proprietário liberdade de escolha do combustível economicamente mais vantajoso no momento do abastecimento. A vantagem estratégica de o País possuir uma frota numerosa de veículos flex é a de poder atingir rapidamente uma meta mais ambiciosa de redução de emissões de GEE no setor de transportes, sem a necessidade de substituição rápida da frota existente.
Os veículos multicombustível, que também utilizam gás metano de origem fóssil ou renovável, têm a vantagem de poderem utilizar um combustível de menor custo do que a gasolina, com a desvantagem do espaço ocupado e do peso do reservatório de gás no veículo. O custo adicional da instalação do sistema a gás se paga rapidamente em aplicações de uso mais intenso, como em frotas de táxis. A possibilidade de utilização de biometano em substituição ao gás natural reforça a característica de menor intensidade de carbono da alternativa.
No contexto global de redução de emissões de GEE, existe algum consenso de que, no horizonte de tempo proposto, as alternativas conviverão, cada qual em seu nicho mais adequado, pois não poderemos abrir mão de qualquer contribuição. Do ponto de vista da engenharia automotiva, o equacionamento da melhor alternativa é relativamente simples para a fatia mais significativa do mercado, aqueles 70% que se preocupam com custo/benefício.
O custo total de se possuir e utilizar um automóvel inclui, além de uma parcela fixa referente à depreciação do investimento, seguros, impostos, etc., uma outra parcela variável com a quilometragem percorrida, na qual o combustível tem a maior participação. Com base em estudos realizados principalmente nos Estados Unidos e na União Europeia, a figura em destaque apresenta uma avaliação do custo total de propriedade de diferentes tipos de veículos na realidade média norte-americana, admitindo-se que já existisse a infraestrutura de postos de abastecimento de eletricidade e hidrogênio.
Observa-se que a parcela do custo fixo é predominante para todas as alternativas, e, embora o custo variável possa ser menor para o uso direto de eletricidade, o custo total ainda é significativamente menor para os veículos com motor de combustão interna. O reflexo no custo, de uma eventual taxação futura da emissão de GEE de US$ 150 por tonelada equivalente de CO2, foi adicionado ao custo total. Mesmo assim, o veículo convencional só perde para o híbrido elétrico.
Para representar melhor a realidade brasileira, incluí na figura onde estariam os veículos flexíveis de mesmo porte operando com etanol, ou um futuro híbrido-elétrico flex na mesma condição de operação. Fica claro que a alternativa brasileira é a que impõe menor custo à sociedade, pela tão necessária redução das emissões de GEE, desde que o custo do combustível renovável seja semelhante ao da gasolina.
Resumindo, o uso de etanol em veículos flex com motores de combustão interna é a alternativa de menor custo para a sociedade brasileira para reduzir as emissões de GEE no transporte individual de passageiros. Enquanto a taxação das emissões de GEE não for estabelecida no âmbito do IPCC, é fundamental que o País mantenha a competitividade de preço do etanol com a gasolina para poder usufruir das vantagens futuras, tanto de redução do custo interno de mitigação das emissões de GEE como para se beneficiar da exportação de etanol para outros países.