Uma das discussões mais acaloradas do setor sucroenergético é em relação ao nível de envolvimento governamental que devemos buscar em relação a políticas públicas de longo prazo. Mesmo os defensores do livre mercado concordam com que deve existir uma regulação mínima que dê visibilidade aos investimentos que os produtores devem fazer nas próximas safras.
Ocorre que essa equação não é tão simples de ser definida, por uma série de razões. Um dos complicadores é a dificuldade em prever avanços tecnológicos que fogem ao nosso alcance. Um exemplo claro é a mudança dos motores a combustão por alternativas menos poluentes, como o que deve acontecer na Alemanha a partir de 2030.
Dependendo da adesão de outros países europeus, podemos ver uma grande mudança no perfil de vendas de automóveis naquele continente e também em outros. O Brasil não vai ficar imune a isso, portanto haverá reflexos profundos no nosso mercado, dependendo dos caminhos traçados por outros importantes mercados consumidores.
Outro paradigma a ser quebrado refere-se à produção de energia elétrica em prédios e residências. Cada vez que se investe em geração de energia própria, moradores não apenas deixam de comprar energia como passam a ser fornecedores do excedente produzido, se for o caso. Como será tratado esse assunto em cada país, não podemos dizer, mas, com certeza, passaremos por uma contínua busca por produção de energia que foge dos modelos tradicionais encontrados hoje, e esse fato irá dificultar os modelos de previsão de oferta futuros.
Mais difícil ainda é prever o comportamento dos consumidores com a chegada dos carros autônomos e a crescente competição dos prestadores de serviço de transporte pessoal, como o Uber. As pessoas deixarão de ter um segundo carro em casa? Irão ao trabalho em carros automatizados com outras pessoas? Tudo isso tem enormes implicações na demanda de carros (e, consequentemente, de energia) no futuro.
Não bastassem todas essas incógnitas, ainda temos a incerteza de quais serão os motores do futuro: elétricos, híbridos ou movidos a célula de hidrogênio? Alguma dessas tecnologias irá se sobressair, ou iremos conviver com todas elas? O rol de possibilidades é quase infinito.
Deixando as questões de longo prazo de lado, vamos nos voltar ao presente. Tivemos uma sinalização importante em relação à sistemática de preços de derivados de petróleo no mercado brasileiro. Ao que tudo indica, teremos preços mensais que irão refletir o custo de aquisição de diesel e de gasolina no mercado internacional, acrescidos dos custos de transporte e internação portuária e uma margem de lucro mínima, já que nenhuma empresa séria faria esse serviço sem ser remunerada pelo seu risco e o capital de giro envolvidos nessa operação.
Essa metodologia já é aplicada no mercado de querosene de aviação com muito sucesso e traz previsibilidade para o mercado, qualidade altamente desejável. Com certeza, teremos uma maior confiança dos empresários do nosso setor em planejar investimentos em expansão sabendo como irão se comportar os preços no futuro.
Outro benefício dessa transparência será uma maior liquidez dos contratos futuros de etanol na BVMF-Bovespa, que deixavam tanto comprador como vendedor extremamente desconfortáveis com a constante incerteza em relação à imprevisibilidade da precificação do mercado de combustíveis. O etanol ainda carece de instrumentos financeiros que possam dar ao produtor e aos fornecedores de cana a devida proteção de preço que outras commodities proporcionam, e poderemos avançar nesse quesito a partir de agora.
Por outro lado, existe uma questão igualmente relevante que ainda paira no ar: como a CIDE será utilizada para mitigar corretamente as externalidades positivas do etanol? Da mesma forma, como a energia elétrica da biomassa será devidamente valorizada perante outras alternativas mais poluentes? Existe uma resistência enorme por parte da equipe econômica em aumentar o valor da CIDE, pelo seu impacto inflacionário e também pela sua impopularidade.
Todos nós sabemos que, em economia, normalmente fazemos escolhas que nos trazem uma dose de benefícios, mas, ao mesmo tempo, também acarretam danos colaterais, e o aumento da CIDE é um caso desses. Ocorre que, sem uma sinalização clara quanto a esse importante regulador de mercado, investimentos deixarão de ser feitos. Apesar de reconhecer a importância em se controlar a inflação, parece-me justo afirmar que o efeito positivo da retomada de crescimento na produção de etanol, da melhora ambiental e da geração de empregos deveria preponderar em algum momento nessa tomada de decisão.
A opção de uma CIDE flexível, que, dependendo dos preços do petróleo, pode subir ou cair, pode ser uma excelente alternativa a fim de minimizar a volatilidade de preços e trazer tranquilidade à equipe econômica quanto aos efeitos inflacionários desse importante regulador de preços.
Podemos concluir que, a despeito das incertezas e da complexidade desse assunto, uma coisa é clara: a era do petróleo tem que dar lugar a outras fontes de energia renovável, e tanto o etanol como a bioeletricidade terão um papel de destaque nessa transição. Com as devidas externalidades positivas sendo valorizadas, nossos produtos continuarão sendo uma excelente alternativa para, ao mesmo tempo, desenvolver a economia no campo e reduzir os danos nocivos do aumento da temperatura causados pelos gases de efeito estufa.
Sem uma correta valorização dos benefícios climáticos causados por alternativas energéticas limpas, infelizmente, seremos obrigados a lamentar a chance perdida em avançarmos, de fato, contra a degradação inequívoca do clima em nosso planeta.