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Hugo Cagno Filho

Presidente da UDOP e Diretor Geral da Usina Vertente

OpAA84

A resiliente cana e os desafios das mudanças climáticas
Muito se tem discutido ultimamente sobre os impactos das mudanças climáticas em todo o globo. Os desafios vão desde riscos ambientais, como a elevação do nível do mar, o derretimento de geleiras, a perda de biodiversidade e até a degradação de ecossistemas naturais, como florestas tropicais, manguezais, recifes de corais e zonas úmidas.
 
A humanidade ainda se depara com ameaças que envolvem riscos climáticos extremos: secas prolongadas, enchentes, ondas de calor, ciclones e furacões mais intensos; riscos à saúde pública, com o aumento de doenças infecciosas; e até riscos à segurança alimentar, devido a alterações na produção agrícola.

Aliados a riscos econômicos, infraestruturais, sociais e políticos — além de ameaças à estabilidade global, com impactos em cadeias produtivas internacionais — temos hoje o que se convencionou chamar de “tempestade perfeita” para o caos. No entanto, o propósito deste artigo não é esgotar ou discutir todos esses aspectos, mas sim avaliarmos com mais atenção os riscos e desafios agronômicos associados às mudanças climáticas.

A resiliente cana-de-açúcar, introduzida no Brasil com a chegada das caravelas portuguesas no século XVI, já enfrentou e superou inúmeras mudanças, mostrando-se forte e capaz de responder de forma rápida quando em condições edafoclimáticas propícias. Atualmente, observamos impactos cada vez mais relevantes nos ambientes produtivos. Em um cenário mais extremo, há aumento da frequência e da intensidade de secas, chuvas irregulares e ondas de calor.

O deslocamento dos ciclos naturais de chuvas também tem afetado negativamente as áreas de produção, comprometendo o planejamento do plantio, da colheita e do manejo da cana. Como consequências diretas, identificamos prejuízos significativos no desenvolvimento dos canaviais, causados pelo estresse hídrico e térmico, com reflexos desde a brotação até o acúmulo de sacarose — este cada vez mais perseguido à exaustão.
 
Outro desafio presente em nosso setor é a alteração no comportamento de pragas: insetos como brocas, cigarrinhas e Sphenophorus levis vêm se adaptando rapidamente às condições adversas, exigindo ações de controle mais eficazes.

Além disso, a maior pressão de doenças, como ferrugem alaranjada, podridões e escaldaduras, tende a se intensificar em ambientes mais quentes e úmidos, com raízes, folhas e colmos mais vulneráveis. Isso acelera o ciclo de vida das pragas e exige novas estratégias de monitoramento e controle.

Por outro lado, nem só de problemas se faz o cenário. As mudanças climáticas vêm forçando ações positivas em pontos estratégicos — como o uso crescente de biodefensivos. Essa transição dos químicos para os biológicos impulsiona uma pressão regulatória e uma busca por sustentabilidade, promovendo o uso de bioinsumos, com benefícios agronômicos importantes: maior especificidade, menor impacto ambiental, menor risco de resistência e viabilidade de produção on-farm, que proporciona mais autonomia e redução de custos.

A tão sonhada cana dos “três dígitos” —produtividade acima de 100 toneladas por hectare — ainda está distante da média em muitas regiões canavieiras e deve ser perseguida com investimentos em frentes essenciais, como irrigação e ferramentas de equilíbrio agronômico.

Tecnologias de irrigação de precisão, como pivôs centrais, gotejamento subterrâneo e fertirrigação, são exemplos promissores. O uso racional da água, aliado a ferramentas de monitoramento climático e de umidade do solo, permite decisões mais assertivas nesse campo.

O Brasil é hoje exemplo em produtividade com sustentabilidade, possuindo uma das cadeias mais eficientes em termos de emissão de carbono e uso de recursos naturais.

Ampliar essas externalidades positivas é nossa missão. Para isso, precisamos enfrentar e desmontar alguns mitos e narrativas negativas — como a ideia de que a cana “rouba água do solo” ou que representa risco de “desmatamento” -, argumentos que não se sustentam diante de dados técnicos e científicos. Uma ferramenta eficaz nesse combate é a capacitação profissional, voltada à ampliação de boas práticas agronômicas e de gestão dos canaviais.

Nesse campo, nós, da UDOP — União Nacional da Bioenergia, temos nos empenhado em manter a qualidade de nossos eventos, reunindo milhares de profissionais da cadeia bioenergética para disseminar boas práticas e novas tecnologias capazes de aumentar nossa produtividade na mesma área — o chamado crescimento vertical —, o que fortalece a competitividade de nossas agroindústrias.

Ao longo do tempo, o setor, que já foi açucareiro, depois alcooleiro, sucroalcooleiro e hoje é bioenergético, viu seu conceito e importância se amplificarem, enquanto enfrentava sucessivos desafios agronômicos e industriais.

Historicamente voltado à produção de açúcar e etanol, o setor vem passando por transformações importantes para se tornar mais sustentável e diversificado. Nesse contexto, o conceito de biorrefinaria surge como modelo promissor, integrando diferentes processos produtivos para o aproveitamento total da biomassa da cana-de-açúcar, promovendo inovação, sustentabilidade e agregação de valor.

Com essa mudança de perfil, o setor passa a ser responsável pela conversão de biomassa em uma variedade de produtos — biocombustíveis, bioeletricidade, energia, químicos e materiais — de forma integrada e sustentável. O conceito de biorrefinaria remete às refinarias convencionais de petróleo, com um diferencial crucial: a pegada sustentável, diretamente ligada à cana-de-açúcar.
 
Sendo esta uma das matérias-primas mais versáteis e completas para esse tipo de abordagem — por oferecer não apenas sacarose, mas também bagaço, palha e vinhaça, todos com alto potencial de aproveitamento — o termo é especialmente bem-vindo ao nosso setor.

Voltemos agora ao eterno dilema: onde se produz o açúcar e o etanol? Para muitos, na indústria. No entanto, o conceito hoje amplamente reconhecido é o de que os principais produtos da cadeia bioenergética são produzidos no campo. Daí a urgência de enfrentarmos os desafios agronômicos advindos das mudanças climáticas com seriedade e um olhar estratégico.

Encerrando este artigo, defendo que possamos, com conhecimento e previsibilidade, minimizar os impactos das mudanças climáticas em nosso setor. Acredito que três ações são fundamentais:

1. Modelos climáticos e previsões sazonais que permitam ações antecipadas, evitando prejuízos maiores e antecipando novas tendências e práticas;
2. Gestão proativa dos riscos, integrando dados climáticos com sensores de campo, inteligência agronômica e o uso de IA – Inteligência Artificial – para melhores decisões de mitigação;
3. Transformação de desafios em oportunidades: conhecer o risco é essencial para mitigá-lo. Nossa experiência de 500 anos com a cana-de-açúcar nos coloca em posição privilegiada para enfrentá-lo com liderança.