Recentemente, li, de um renomado economista, que o “mercado de câmbio somente existe para acabar com a reputação de economistas, por se tratar da previsão mais difícil de ser elaborada”. Observo, no entanto, que vivenciar o mundo das commodities é navegar diariamente em um mercado que depende do clima, do petróleo, de medidas regulatórias e políticas, ou subsídios de competidores, fundos especuladores, algoritmos de “alta frequência” de trading, vendas antecipadas sob a ótica da expectativa da demanda e, também, do mercado de câmbio. Nesse ambiente de incertezas, do qual faz parte meu dia a dia, tentarei deixar, aqui, um pouco do que vivencio, contribuindo com minha visão sobre o futuro do nosso mercado de açúcar e etanol.
Começo minha análise em 2017, ano em que, após sucessivos períodos do descasamento do preço da gasolina nacional em relação aos preços internacionais –condição essencial para a competitividade do etanol –, a Petrobras deu início a uma política de transparência na paridade de preços, permitindo maior previsibilidade nas condições de mercado.
Por meio da prática do livre mercado e da escolha dos consumidores, o etanol aumentou seu percentual de participação no ciclo Otto, atingindo 49% da nossa matriz de combustíveis no ano de 2019.
Em consonância com a evolução do conceito de combustíveis renováveis, em 2017, também foi criado o RenovaBio, que reconheceu a importância do etanol como parte fundamental de nossa estratégia de segurança e independência da matriz energética. Um passo importante que posiciona o Brasil não só como “celeiro agrícola”, mas também como “celeiro da matriz energética renovável”, totalmente alinhado às melhores práticas mundiais em ESG (ASG), permitindo ao País se consolidar como um mercado de certificados de sustentabilidade “em bolsa” e que, acredito, poderão ser comercializados por diferentes indústrias e mercados num futuro próximo.
Essa pequena introdução serve para contextualizar a importância que o etanol ganhou na matriz de decisão de qualquer produtor e,
paralelamente, em análise de mercado.
Em uma análise fundamentalista e simplista, se o ciclo Otto voltar a crescer 2,7% a.a, a partir do 2º semestre deste ano, e se relembrarmos nosso pico de importação de combustíveis –que se deu em 2017 e 2019 (aproximadamente 6 milhões de m3 no total), demonstrando a limitação estrutural de importação de gasolina e etanol –, poderemos vivenciar um cenário de aumento da necessidade de suprimento de etanol, em atendimento à demanda interna por combustíveis. Isso é logo aí...
E, quando compartilho essa informação, é bastante comum atrelar esse cenário ao futuro da eletrificação da frota de carros no Brasil – uma tendência real, por meio da qual acredito que cada região ou país, ou melhor, “geografia” definirá a reação química ideal para geração dos elétrons que abastecerão esses novos motores. Não será igual para todos os mercados, considerando as diversas peculiaridades existentes nessas regiões.
Mais uma vez, o etanol será um importante aliado nessa equação. O etanol já foi diagnosticado como a fonte mais racional e sustentável para obtenção de gás hidrogênio (H2) para transformação em eletricidade, através da célula combustível, excluindo dessa conta a preocupação com descarte de baterias e toda a estrutura necessária para a geração de eletricidade (como usinas termoelétricas a carvão ou petróleo).
Adicionalmente, ao analisarmos mais profundamente o quesito sustentabilidade, o mercado de lítio e cobalto – importantes matérias-primas das baterias mais utilizadas atualmente nos veículos elétricos – é limitado, e a oferta está concentrada em poucos países. De fato, os custos das baterias estão caindo, dado o aumento da escala de produção. Porém diversos estudos apontam para a elevação nos preços dos metais, além da necessidade de exploração de novas jazidas – um cenário que poderá neutralizar a queda nos custos das baterias.
Segundo a Unica, a partir de estudo publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) sobre o custo de implantação de um sistema de smart grid para abastecimento de veículos elétricos no Brasil, o montante envolvido seria da ordem de US$ 210 bilhões a US$ 300 bilhões, para uma total readequação dos pontos de reabastecimento e infraestrutura.
É só olharmos para o sistema de suprimento de energia elétrica para as ruas do nosso país. Enquanto isso, hoje já temos uma bomba de etanol em todos os postos de combustíveis do Brasil. Não tenho dúvidas de que o etanol continuará tendo espaço relevante na matriz energética brasileira. Inclusive a biomassa da cana-de-açúcar representa atualmente cerca de 4% do total de energia consumida no Brasil – equivalente ao consumo de energia elétrica por dois anos do Paraguai ou Uruguai –, mesmo com todo o incremento do parque eólico, solar e hídrico no País.
Quanto ao mercado de açúcar, depois de alguns anos de pressão de preços por crescimento de produção, principalmente na Índia e Tailândia, em 2017 e 2018, estamos navegando em mares mais consistentes, pelo menos no curto prazo. Nossos principais competidores globais de açúcar cresceram, em parte pelo aumento de produtividade, mas principalmente por subsídios aos produtores locais – que, por sinal, parece ser um movimento cada vez mais limitado dos governos. Subsidiar commodities no longo prazo não é um meio sustentável e pode colocar em xeque importantes elos da cadeia.
No Brasil, em meio aos desafios apresentados ao longo dos anos e por iniciativa de verdadeiros empreendedores e líderes do setor sucroalcooleiro, houve investimentos em terminais portuários dedicados, armazenagem e até mesmo na multimodalidade com o transporte ferroviário, reduzindo a emissão de CO2, como forma de diminuir nosso gap logístico-geográfico, visto que nossos consumidores se encontram do outro lado do mundo – como China e Oriente Médio.
Como membro de uma das maiores empresas do setor sucroenergético do Brasil, vivencio em meu dia a dia toda essa dinâmica de mercado e presencio a conduta disciplinada de alocação de capital, com foco permanente em redução de custos de produção, investimentos constantes em tecnologia e inovação, além de uma forte gestão de risco, sempre pautados na sustentabilidade.
Falando em sustentabilidade, é gratificante saber dos números e impactos econômicos, sociais e ambientais do nosso setor, segundo dados recentes da Unica. Nos últimos 20 anos, o uso do etanol pelo Brasil contribuiu para evitar a necessidade de um consumo adicional de gasolina em mais de 310 bilhões de litros, evitando a importação de combustível fóssil, o que teria custado US$ 170 bilhões (em termos reais).
Se compararmos à Índia que, segundo a Datagro, consome 4 milhões de barris diários de petróleo, imaginem o quanto poderá melhorar a balança comercial do País. Ou seja, a adoção de um programa de veículos flex em países como a Índia poderá ser disruptiva positivamente para o mercado de açúcar. Num mundo em que se fala muito em ESG, não existirá melhor subsídio ao produtor local que criar um mercado alternativo à sua matéria-prima, melhorando a qualidade de vida da população.
Outros números relevantes do setor no Brasil:
• Mais de 747 mil empregos formais gerados apenas pelo setor produtivo. Somados os empregos indiretos, são cerca de 2,3 milhões de pessoas empregadas na cadeia da cana-de-açúcar.
• Hoje, apenas 1,2% do território brasileiro é utilizado para o cultivo de cana-de-açúcar, sendo que 0,8% destina-se para à produção de etanol (cana e milho) concentrado no Centro-Sul e Nordeste, longe do bioma amazônico.
• O consumo de etanol hidratado pelos automóveis flex, combinado à mistura atual obrigatória de 27% de etanol anidro na gasolina, reduziu a emissão de gases de efeito estufa (GEE) em mais de 515 milhões de toneladas de CO2eq, de março de 2003 (data do lançamento dos veículos flex no Brasil) até maio de 2020.
• Para atingir a mesma economia de CO2, seria preciso plantar mais de 4 bilhões de árvores nativas nos próximos 20 anos.
De modo geral, vemos fatores fundamentais positivos à nossa frente, embora cada safra seja única e diferente da outra.
Mas segue imprescindível a manutenção da disciplina e o foco em custos e margem de contribuição, além de uma forte gestão de risco, em um mercado que flutua à mercê de computadores e programas que fogem, muitas vezes, da correlação natural dos fundamentos.
Sabemos que resiliência não falta ao nosso setor e tivemos mais uma demonstração em 2020. Em meio a uma pandemia, todos os nossos colaboradores bravamente não pouparam esforços e comprometimento para manter o suprimento de alimento, combustível e energia elétrica à população brasileira. Para nós, é um imenso orgulho poder fazer parte da história do setor sucroenergético.
E vamos seguir em frente.
Boa sorte e muita saúde a todos nesta safra que se inicia.