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Raffaella Rossetto

Pesquisadora Científica da APTA - Programa Cana-de-Açúcar do IAC

Op-AA-36

Um novo cenário

Acredito que só produziremos cana com qualidade, sustentabilidade e alta produtividade quando aliarmos um plano de metas, visando a horizontes a médio e a longo prazo, com expressivos investimentos em tecnologia. Vivemos uma fase de decisões políticas, que muito facilitariam a produção com menores custos, porém pretendo me ater apenas a algumas questões técnicas.

Não existem receitas propriamente ditas, mas existem conceitos que precisam ser respeitados. Com cerca de 80% de cana crua no estado de São Paulo, é importante ter em mente que temos uma mecanização muito mais intensa no canavial, o que significa maior tráfego de máquinas, com consequente maior compactação e também a presença da palhada, que modifica o ambiente físico-químico.

A mecanização mudou o patamar de produtividade dos canaviais, provocando uma queda, de maneira que tivemos que aprender um novo manejo. O quadro em destaque demonstra o declínio da produtividade obtida durante as últimas cinco safras. Aliados ao problema da mecanização e compactação, baixos investimentos, tivemos também  problemas climáticos, que agravaram ainda mais a queda na produtividade.

A mecanização, necessária pela falta ou pelo alto custo da mão de obra, implica compactação da linha de cana, e esse é um conceito-chave para garantir maior longevidade e produtividade do canavial. Precisamos combater ao extremo a compactação e o pisoteio das máquinas nas linhas de cana. Para evitar a compactação, ou adaptamos as máquinas ao canavial ou adaptamos o canavial às máquinas. Um conceito que vem sendo sedimentado aos poucos é o controle do tráfego. Parece muito claro que é necessário impedir a compactação das linhas de cana e que o canavial deverá conter os espaços determinados para o rodado, as entrelinhas, que serão eternamente entrelinhas e que permanecerão sempre compactadas.

O espaço para as linhas de cana deverão, por sua vez, representar um ambiente perfeito para o desenvolvimento das raízes, descompactado, adubado, corrigido em profundidade, rico em matéria orgânica. Claro que esse novo desenho da canavicultura mecanizada necessita de linhas retas, que permitam o mínimo possível de manobras, para que as máquinas tenham eficiência e rendimento, um trabalho de engenharia que não pode esquecer a conservação do solo, permitindo a máxima infiltração da água. A agricultura de precisão é imprescindível nessa nova forma de cultivar a cana e precisa de investimentos em desenvolvimento e aplicação.

A ideia da canteirização do canavial, onde os talhões serão um conjunto de enormes canteiros, está de acordo com o conceito de controle de tráfego. Na canteirização, o rodado das máquinas sempre compacta a entrelinha, e apenas os canteiros são preparados para o plantio da cana. Esses canteiros podem ter, por exemplo, 1,20m de largura, contendo uma linha dupla espaçada de 90cm e o espaçamento entre linhas de 1,5m.

Dependendo do tipo de solo, os canteiros podem ter um preparo profundo, e aqui se verificam inovações em implementos que preparam o solo até um metro de profundidade, aplicando corretivos a 60cm e incorporando palhada na camada de 30 e 40cm. Esse conceito está de acordo com a diminuição do impacto ambiental, uma vez que apenas parte do terreno é movimentada, minimizando as perdas de CO2 (um dos gases de efeito estufa), decorrentes do preparo do solo. A incorporação da palhada também garante que o carbono fique menos propenso a perdas como CO2. É necessário, entretanto, avaliações mais prolongadas desse sistema de produção.

Outro cuidado essencial é com a escolha da variedade mais indicada para o ambiente de produção e o preparo e multiplicação das mudas. É imprescindível que se comece um canavial com mudas sadias, de boa procedência, vigorosas. O IAC desenvolveu um sistema para produção de mudas pré-brotadas, altamente interessante e economicamente viável. Chama-se sistema MPB e vem sendo adotado por várias usinas, com grande sucesso.

A presença da palhada modifica o ambiente físico-químico para o cultivo da cana e, com isso, toda a adubação. Apesar de ser uma barreira física para a incorporação do fertilizante, a palhada recicla rapidamente o potássio, e, com isso, é possível descontar o teor desse elemento contido na palhada, da recomendação de adubação potássica. A presença da palhada também promove um ambiente com umidade que favorece a proliferação de raízes superficiais, que, supostamente, utilizariam nutrientes aplicados na superfície. Não se sabe ainda a eficiência de absorção dessas raízes, fato ainda não estudado. As fotos abaixo demonstram a quantidade de palha, formando uma camada de proteção no solo, e as raízes superficiais facilmente encontradas nos canaviais após a deposição de palhada. Com relação à adubação, o caminho para maior sustentabilidade e menores custos será a agricultura de precisão e a recomendação de taxas variáveis, adubando quantidades necessárias em locais distintos. O início de tudo é um bom mapa

de análises de solo, georrefenciado e que permita o conhecimento do solo e das taxas de fertilizantes que serão aplicadas. O segundo ponto é o desenvolvimento de máquinas que apliquem dois ou mais nutrientes em taxas variáveis, que já existem no mercado, porém carecem de calibrações e adequações a condições particulares.  A adubação realizada sob os conceitos da agricultura de precisão racionalizará o uso de fertilizantes e insumos e contribuirá para a questão ambiental, um dos pilares da sustentabilidade.

Principalmente para o nitrogênio, a agricultura de precisão representará um grande avanço. Como a análise do solo para o nitrogênio não representa o potencial que o solo pode fornecer, alguns sensores que “leem” o crescimento e a cor verde das plantas poderão indicar a quantidade de N a ser aplicada em cada metro linear de cana. Em relação ao N, as perdas por volatilização da amônia e também as perdas de óxido nitroso representam perdas econômicas e ambientais, que devem ser evitadas, visando à sustentabilidade do sistema.

Existe no mercado uma máquina que permite a aplicação da ureia sobre um canavial com palhada, através do jato sob pressão. Essa  aplicação facilita que a ureia ultrapasse a palhada e atinja o primeiro centímetro de solo, minimizando as perdas por volatilização. Finalizando, gostaria de salientar que o manejo trata de um conjunto de operações que se inicia bem antes do plantio e todas as operações somadas têm sua importância para o resultado final.

Acredito que todos almejam recuperar a produtividade de anos anteriores e ultrapassá-la. Na sede do Centro de Cana do IAC em Ribeirão Preto, pode-se verificar uma demonstração do patamar de produtividade que as variedades de hoje permitem. Cana com 6m de altura, como o verificado na foto, indica produtividades acima de 400 t/ha. Nossa média de cerca de 70 t/ha necessita ser implementada através de um manejo moderno e sustentável, com investimentos e com o apoio irrestrito à pesquisa técnico-científica.