Diretora-presidente e Gerente de Economia e Análise Setorial da Unica, respectivamente
Nos últimos anos, o setor sucroenergético vivenciou uma crise sem precedentes na sua história. Nesse período, mais de 80 usinas foram fechadas, milhares de postos de trabalho foram perdidos, e uma parcela considerável das empresas e fornecedores ainda convive com uma situação financeira bastante preocupante. Em meio a esse cenário, várias mudanças no ambiente institucional e nas condições de mercado foram alteradas, e hoje já é possível imaginar uma situação menos desconfortável no curto prazo.
Entre as mudanças observadas, podemos citar o restabelecimento parcial da Cide e o ajuste dos impostos federais aplicados sobre a gasolina, as modificações nas alíquotas de ICMS cobrado sobre combustíveis em vários estados, a aparente alteração na política de precificação dos combustíveis fósseis no mercado doméstico, o aumento no nível de mistura do etanol anidro adicionado à gasolina, a expectativa de um cenário deficitário no mercado internacional de açúcar e a desvalorização do real, que deu maior sustentação às receitas com exportação.
Apesar de sinalizarem um ambiente mais atrativo para a safra 2016/2017, essas mudanças são insuficientes para garantir a retomada dos investimentos na expansão da produção, os quais demandam a estruturação de uma agenda de longo prazo clara e objetiva. Nesse sentido, o País deu um primeiro e importante passo ao se comprometer com a ampliação do uso dos biocombustíveis na proposta apresentada na 21ª Conferência do Clima (COP 21), realizada em Paris, no final de 2015.
O documento estabelece um aumento na participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira, atingindo 18% em 2030. Essa meta incorpora um crescimento do consumo de etanol combustível dos atuais 28 bilhões de litros por ano para cerca de 50 bilhões em 2030. O chamado Acordo de Paris marca, na verdade, uma etapa mundialmente importante para o debate sobre aquecimento global e políticas públicas. O pacto, que possui caráter legalmente vinculante, estabelece diretrizes que deverão ser atendidas até 2030 para desacelerar a emissão de gases de efeito estufa e limitar o aquecimento global.
A despeito desse avanço, ainda há um enorme esforço a ser superado pelas nações: colocar em prática as metas estabelecidas. Para que o acordo climático funcione no atual contexto de queda nos preços internacionais do petróleo, os governos precisam resistir à sedução dos combustíveis fósseis baratos e implementar políticas que, avaliadas de forma superficial, podem parecer caras e impopulares. Isso porque, nesse mercado, estão presentes externalidades positivas não valoradas de forma autônoma pelo sistema de preços.
Via de regra, o consumidor não quer pagar pela qualidade do ar, abrindo mão do combustível mais barato, embora mais poluente. Afinal, ele entende que sua contribuição é limitada e insuficiente para alterar as condições ambientais, e, se outros pagarem por esse combustível limpo, ele não poderá ser excluído dos benefícios ambientais obtidos. Instaura-se, nessa situação, um comportamento carona que significa usufruir sem pagar. A disposição a pagar do consumidor individual não inclui os benefícios ambientais e, dessa forma, o preço de mercado será inferior ao que seria necessário para induzir os investimentos socialmente desejáveis.
O resultado é um subinvestimento em combustíveis que reduzem as emissões de CO2 e um superinvestimento em combustíveis fósseis, deixando clara a necessidade de atuação do Estado com medidas que corrijam essas falhas de mercado. Felizmente, os principais países poluidores não dão sinais de que devem alterar a trajetória delineada na reunião de Paris. Nos Estados Unidos, o Departamento Nacional de Energia projeta um crescimento de 9,5% no uso de fontes renováveis em 2016. A China, por sua vez, estabeleceu regra segundo a qual o preço doméstico da gasolina continuará sendo calculado com base no barril a US$ 40, independentemente da cotação internacional.
O objetivo é evitar que a queda nos preços estimule um maior consumo de combustíveis fósseis. No exemplo chinês, as refinarias controladas pelo Estado não poderão reter o lucro decorrente de comprar petróleo barato e vender derivados a preços mais elevados domesticamente. Isso porque o governo deve se apropriar da margem de lucro adicional e destinar esse dinheiro a um fundo especial de conservação energética e controle da poluição. Outros países, como Índia, Indonésia e Angola, também aproveitaram a queda nos preços do petróleo para reduzir o nível de subsídios concedido ao consumo de derivados.
Essa é uma sinalização importante, já que, de acordo com a Agência Internacional de Energia, os estímulos concedidos aos combustíveis fósseis mundialmente atingiram US$ 493 bilhões em 2014. No caso brasileiro, uma política nacional de longo prazo para atendimento das metas estabelecidas pela proposta apresentada na conferência de Paris ainda não foi estruturada e será fundamental para garantir previsibilidade e segurança para novos investimentos.
No âmbito privado, cabe ao setor se reinventar para tornar menos árdua a tarefa de consolidação das energias renováveis, com a manutenção dos esforços para o aumento da eficiência e a redução nos custos de produção do etanol e da bioeletricidade. Nesse contexto, a cadeia sucroenergética está prestes a vivenciar avanços fundamentais nas áreas agrícola e indústrial, que permitirão expressivo crescimento vertical da produção.
Além das importantes mudanças observadas recentemente para a modernização da gestão e da estrutura organizacional das empresas, deveremos verificar, nos próximos anos, a intensificação do uso de variedades mais adaptadas ao sistema mecanizado, o emprego de equipamentos e máquinas mais modernos, a adoção de ferramentas de agricultura de precisão com eletrônica embarcada, o uso de novas tecnologias de plantio (mudas pré-brotadas e semente artificial, por exemplo), o avanço do recolhimento da palha para a geração de bioeletricidade e, no futuro próximo, a produção de etanol de segunda geração a partir da biomassa da cana-de-açúcar.
Para se ter uma ideia do potencial dessa indústria, basta ressaltar que, com o uso de apenas 0,5% do território brasileiro para a plantação de cana-de-açúcar para etanol, substituímos 40% do consumo nacional de gasolina. Em síntese, o setor sucroenergético possui dois desafios importantes a serem vencidos. O primeiro está relacionado à sobrevivência no curto prazo e ao restabelecimento da rentabilidade do negócio, após enfrentar anos de operação com margens negativas. Esse movimento precisa ser acompanhado de uma revolução que começa a ser observada na gestão da produção e da comercialização, na tecnologia empregada e nas práticas adotadas no campo e na indústria, buscando a ampliação da competitividade desta cadeia.
Sob o ponto de vista institucional, a concretização de um novo cenário para o setor sucroenergético passa fundamentalmente pela definição de um arcabouço regulatório duradouro e de políticas públicas alinhadas com as metas estabelecidas pelo País na COP 21. O Brasil precisa fazer uso da posição privilegiada que possui para consolidar o uso da energia limpa e renovável produzida a partir da cana-de-açúcar, com efeitos secundários expressivos para a sociedade nas áreas econômica e social. Esse é o momento oportuno para conciliar a estratégia brasileira de descarbonização da matriz energética e mitigação das emissões responsáveis pelas mudanças climáticas, com a retomada do crescimento, geração de renda e do emprego em cerca de 20% dos municípios brasileiros. A cadeia sucroenergética pode transformar esse potencial em realidade.