Coordenador do Pensa da Faculdade de Economia e Administração da USP
Op-AA-13
Tenho admiração por muitos sistemas agroindustriais no Brasil, mas, pela cana-de-açúcar, tenho um carinho especial. Admiro sua história, o benefício que traz para a nação, sua liderança mundial e o desenvolvimento que traz para as regiões produtoras. A cana ganhou, nos últimos dois anos, uma legião de novos articulistas, gente que passou a escrever freqüentemente em defesa do setor.
Faço parte dos velhos defensores do setor, escrevendo há mais de quinze anos. O artigo publicado como editorial do Estado de São Paulo, em agosto de 2004, reimpresso pela Unica, sob o título “O Novo Posicionamento da Velha Cana”, antecipava o que se vê hoje. Era impossível que a cana não desse certo. Tenho por objetivo mostrar as oportunidades e as ameaças deste sistema produtivo.
Participei do painel Food x Fuel, um congresso mundial de alimentos e agronegócios, realizado na Itália, e fiquei impressionado com a ignorância, com o completo desconhecimento do potencial brasileiro, em ser fornecedor mundial. Expus que a inflação nos alimentos - preços das commodities - vem acontecendo no mundo, devido a dois fatores: o crescimento e o enriquecimento de populações, que aumentam o consumo de alimentos, e pela onda da bioenergia.
Esta inflação pode ser freada, através de um pensamento diferente do tradicional, quebrando paradigmas: um grande investimento em tecnologia (genética, produtividade) e na eficiência das cadeias produtivas (transporte, custos de transação, duplicidades); abertura comercial e investimento em novas áreas produtivas; e, finalmente, uso dos biocombustíveis, com a melhor alternativa existente, a cana.
O Brasil tem produção de etanol usando 3 milhões de hectares, ou 1% das áreas disponíveis (algo como 320 milhões de hectares). Para os EUA atingirem 132 bilhões de litros - meta do Presidente Bush, precisam de 146% da área atual de milho. Com 20 milhões de hectares de cana, abastecer-se-ia toda a necessidade norte-americana de etanol...
Quando tentamos fazer uma análise estratégica, uma ferramenta é a chamada análise PEST, bastante consagrada na literatura. Ela considera os principais fatores incontroláveis de um sistema produtivo, que variam, trazendo oportunidades e ameaças. Estes fatores são dos ambientes: político-legal; econômico-natural; sócio-cultural e tecnológico. Vamos a eles.
Ambiente político-legal:Como principais oportunidades - que devem ser buscadas - e que podem beneficiar a cana, destaco uma forte coordenação e reaproximação com os EUA; a redução tarifária; a adição de etanol em outros países; e a redução do ICMS dos estados do Brasil, que distorcem o preço do álcool. Existem ameaças, tais como o levantamento de barreiras tarifárias (acho pouco provável), e o perigo de barreiras ambientais, e a lacuna de legislação para padronização, visando a exportação para todo o mercado mundial.
A proibição da queimada inviabilizará algumas áreas (maior ou menor impacto em usinas diferentes), e as próprias legislações ambiental e trabalhista buscarão, cada vez mais, a sustentabilidade. Ambiente econômico-natural:Destaco aqui o incrível crescimento da frota flex no Brasil; a exportação da tecnologia e de usinas, com o investimento no etanol e açúcar fora do Brasil; o crescimento do consumo de açúcar (produtos e alimentos que usam açúcar) no mundo; os preços firmes do petróleo; o investimento internacional no Brasil (queda do risco Brasil); e futuras quebras de produção em outros países.
Também são oportunidades, a aquisição de ativos e a conseqüente concentração industrial e na produção (terras); a geração de divisas e a contribuição para a estabilidade econômica, geração de tributos e de empregos nas usinas. Neste ambiente, existem ameaças, que são o surgimento de novos concorrentes internacionais (Caribe, África); a falta de capacidade fabril para expansão (máquinas e equipamentos); uma forte redução do preço do petróleo (o que acho improvável); alguma doença ou praga na cana; uma variação climática, trazendo redução da área disponível; a valorização do real, diminuindo margens; o custo dos insumos (fertilizantes, principalmente); e a concentração da venda de etanol a poucos grandes mercados (EUA) ou empresas, como, por exemplo, a Petrobras.
Ambiente sócio-cultural: São grandes as oportunidades neste segmento, pois temos umcombustível verde e renovável, crescimento da preocupação das pessoas com relação ao meio ambiente e pressão internacional contra o avanço do biocombustível, em áreas de produção de alimentos (beneficiando a cana). Ameaças também pairam e devem ser trabalhadas, como as imagens: do emprego na colheita, de ocupação de terra com a monocultura e das queimadas.
Ambiente tecnológico: As oportunidades tecnológicas estão na frota de automóveis flex (ainda opção de automóveis maiores), na mecanização da colheita, uso da cana (etanol a partir da palha e bagaço), a modificação genética, o uso de satélites e agricultura de precisão, a pesquisa de novas variedades e novas fontes de fertilizantes.
Como ameaças diria que temos os produtos substitutos do açúcar ou do álcool, ganhos tecnológicos nos concorrentes da cana e tecnologias geradoras de energia, mais competitivas que possam aparecer. Temos uma oportunidade brutal pela frente. Mas toda a produção terá que ser feita baseada no equilíbrio do tripé de sustentabilidade: meio ambiente, pessoas e econômica. Existe uma lupa sobre a cana, e qualquer equívoco individual nestes três pilares será perigosamente generalizado pela mídia no exterior, para todo o negócio da cana-de-açúcar, onde se inclui o etanol produzido no Brasil.