Professor da Escola de Engenharia de São Carlos
Op-AA-13
Quando se fala em etanol, a primeira pergunta que vem à mente é: Por que usar? Algumas respostas são: é renovável, elimina a dependência energética de áreas politicamente instáveis (tivemos um exemplo recente) e é economicamente favorável ao país. Teríamos mais algum motivo? Sim, talvez o mais importante. O carbono do etanol é quase que totalmente reciclado e assim a sua contribuição para a mudança climática é mínima.
Por que é assim? Os combustíveis automotivos e industriais são geralmente compostos de carbono e hidrogênio, que quando queimados geram principalmente dióxido de carbono (CO2) e água, embora tenham também uma pequena fração de monóxido de carbono (CO) e traços de outros compostos como SO2 (causador da chuva ácida, ausente nas emissões de etanol), NOx e compostos orgânicos (HCT - hidrocarbonetos totais), considerados poluentes.
Nos motores a etanol não é diferente, mas o carbono vem da cana-de-açúcar, que na safra seguinte cresce utilizando o CO2 capturado do ar. Há outras fontes de CO2 na produção do etanol, como fermentação, queima do bagaço nas caldeiras e o decaimento dos restos deixados no campo, mas aqui vale o mesmo; tudo veio da cana e à cana deve retornar. A exceção é o uso de derivados de petróleo em caminhões e máquinas agrícolas, o que não tem necessariamente que ser assim.
Note-se que o que favorece muito a produção de etanol da cana é a ampla disponibilidade de bagaço, que queimado nas caldeiras gera vapor para acionar turbinas e geradores que, por sua vez, suprem praticamente toda a necessidade do processo industrial e ainda sobra para fornecimento à rede elétrica. Quais os argumentos contra a produção e uso de etanol?
Monocultura, competição com alimento, invasão da Amazônia, impacto ambiental, baixo poder calorífico e dificuldade de partida a frio nos motores. Vamos ver isto mais de perto. Iremos plantar cana na Amazônia ou competir com alimentos? Não, não precisamos, nem devemos. Como comparação, o uso de cerca de 10% da área que é hoje de pastagem, possibilitaria a duplicação da produção atual de etanol. Teríamos então menos churrasquinho? Bem, se quisermos viver num mundo ambientalmente mais sadio, temos que dar a nossa contribuição pessoal e mudar ligeiramente alguns hábitos.
Monocultura é um problema, nada é de graça ambientalmente falando, mas a recuperação e conservação de matas ciliares compensariam, pelo menos, parte do prejuízo. Os impactos ambientais mais significativos são, talvez, a queimada e a disposição da vinhaça no solo, que tende a produzir acúmulo de potássio. O primeiro resolve-se com a mecanização do corte, e para o segundo, já se buscam soluções. Não existe produção de porte sem impacto ambiental, e os causados pela exploração do petróleo, com o qual o etanol deve ser comparado, são bem conhecidos.
Menciona-se, freqüentemente, a presença de aldeídos nos produtos de combustão dos motores à etanol. Entretanto, a Cetesb nunca registrou em São Paulo, talvez a cidade que tenha a maior concentração de veículos movidos a etanol do planeta, a presença de aldeídos no ar, em quantidade maior do que aquela considerada segura.
O “baixo” poder calorífico do etanol, quando comparado à gasolina, causa aumento de consumo, o que é freqüentemente citado como desvantagem, mas este baixo poder calorífico é ocasionado justamente pela presença de oxigênio na molécula do etanol (C2H5OH). Quem abastece com etanol põe no tanque combustível e comburente. Os veículos a álcool têm emissões menores, justamente pela presença do oxigênio.
Diga-se, de passagem, o oxigênio é freqüente nos combustíveis derivados da biomassa, seja etanol, biodiesel, ou simplesmente sebo bovino (não para utilização em veículos) e o efeito sobre a redução da fumaça, CO e THC é inquestionável. Mas, quando o consumo é importante? Quando limita severamente a autonomia, caso do gás natural, que tem poder calorífico alto, mas densidade pequena, pois não liquefaz na temperatura atmosférica. Quando encarece o uso, o que não ocorre com o etanol, ao menos no estado de São Paulo.
Quando aumenta a poluição por km rodado, o que também não ocorre; na verdade, observa-se o contrário. Portanto, se não custa mais caro por quilômetro rodado, se não aumenta a poluição, se não limita severamente a autonomia, por que se preocupar com poder calorífico? Tenho conhecimento de um Passat alemão adaptado, que utiliza álcool num motor de 1.8 L, turbinado, e tem média geral documentada de 7,5km/L, em 80.000km de percurso, em todas as condições normais de trânsito, ou seja cidade/estrada, chuva/seco, asfalto/terra, calor/frio, ar condicionado ligado/desligado, pneus com calibração correta ou não, velas de ignição novas/usadas, etc, sem qualquer problema mecânico ou de corrosão.
Note-se que o etanol é um combustível ideal para motores turbinados, já que tem maior octanagem e o triplo do calor latente de vaporização da gasolina, ambos fatores que limitam a detonação (batida de pino), maior inconveniente dos motores turbinados. E a partida a frio? Hoje, já é possível acionar um motor a álcool em temperaturas negativas e tê-lo funcionando em três segundos, sem o uso de gasolina. É questão de tempo, ter esta tecnologia na rua.
Fala-se muito da “civilização do hidrogênio”, sem deixar muito claro de onde virá a energia e a matéria- prima para produzi-la. Será da água? Neste caso, a quantidade de energia requerida será muito grande, basta lembrar que água é o resultado da oxidação/combustão do hidrogênio. Virá do petróleo? O que será feito então com o carbono? Qualquer que seja a rota, para chegarmos à civilização do hidrogênio, sem causar problemas sérios como a mudança climática, parece que teremos que passar (de novo) pela civilização da biomassa.