Diretor do CBIE - Centro Brasileiro de Infraestrutura
Op-AA-21
De acordo com o relatório World Energy Outlook 2008, preparado pela Agência Internacional de Energia - AIE, a demanda de energia pode aumentar quase 50% até 2030, com a consequente elevação das emissões de carbono. Se continuar inalterada, essa tendência pode aumentar a temperatura global em até 6 graus Celsius. A reversão desse cenário só será possível se o mundo fizer investimentos significativos na geração de energia renovável, produzir mais energia reduzindo as emissões de carbono e melhorar a eficiência energética.
Esses três desafios terão que ser enfrentados para atender uma demanda de energia de uma população mundial que hoje é de 6 bilhões de habitantes e, em 2030, deverá ser de 9 bilhões. Se fôssemos contar a história do século XX, talvez a melhor maneira fosse através do petróleo. O petróleo como recurso energético sustentou a Segunda Revolução Industrial, com o motor a explosão; a primeira foi carvão abastecendo as máquinas a vapor.
Entretanto, a supremacia total do petróleo tende a acabar devido a sua finitude, aos seus impactos negativos para o meio ambiente e à questão da segurança energética. As reservas mundiais provadas de petróleo e gás natural são hoje cerca de 1,2 trilhão de barris de óleo equivalente. O mundo levou 140 anos para consumir o seu primeiro trilhão de barris de petróleo; a projeção é de que o segundo trilhão seja consumido em 30 anos.
Existe um grande debate a respeito da finitude do petróleo. O termo peak oil ou pico de Hubbert foi criado para explicar que a produção de petróleo estaria no seu ápice e que, nos próximos anos, a tendência é de um decréscimo na relação reserva/produção. O pico do petróleo é o momento em que a taxa máxima de extração de petróleo é atingida, após o qual a produção entra em declínio. O conceito é baseado nas taxas individuais de produção observadas nos poços petrolíferos.
A produção de um campo de petróleo ao longo do tempo geralmente cresce exponencialmente até o pico e depois declina rapidamente. Pico do petróleo é muitas vezes confundido com depleção do petróleo. Pico do petróleo é o ponto de produção máxima, enquanto depleção remete a um período de redução das reservas e da oferta.
Em 1956, M. King Hubbert criou e utilizou pela primeira vez modelos utilizando o conceito de pico do petróleo, para prever que a produção de petróleo nos Estados Unidos atingiria o nível máximo entre 1965 e 1970. Outros alegam que, ao longo da história, essa tese da finitude do petróleo vem sendo desmentida, em função de que o fator que determina o tamanho das reservas é o preço do barril.
Assim sendo, depois da Segunda Guerra, descobriram os campos gigantes do Oriente Médio, o primeiro e o segundo choque viabilizaram a exploração de petróleo no mar e agora o barril, a mais de 100 dólares, teria possibilitado a extração na camada pré-sal e mesmo da areia betuminosa canadense. A corrente sobre a qual há maior concordância é aquela que afirma que a idade da pedra não acabou por falta de pedra, nem a do petróleo acabará por falta de petróleo.
Traduzindo, será a segurança energética e o aquecimento global que determinarão o fim do reinado absoluto do petróleo. No atual contexto de crise econômica, muda o eixo da discussão no setor de energia no mundo e no Brasil. As discussões acerca da escassez de energia e preços elevados passam a dar lugar à sobra de energia e preços baixos.
Na realidade, não deveríamos repetir o erro cometido no último ciclo de preços baixos do petróleo, que durou 12 anos (1986-1998), quando foram abandonados os programas de energia limpa substituta do petróleo. A crise econômica abre espaço para um debate sobre uma política pública e de investimentos voltada para o estabelecimento de uma matriz energética limpa e diversificada.
Até porque acreditamos que o atual ciclo de preços baixos de petróleo não será tão longo como o anterior, devido ao fato de a oferta de petróleo não ter apresentado um grande crescimento no período de preços elevados do petróleo. Sendo assim, qualquer sinal de recuperação econômica deverá levar o preço do barril rapidamente para 70 a 80 dólares.
Nos Estados Unidos, a preocupação em construir uma matriz energética diversificada e limpa fica muito clara quando observamos o discurso do Presidente Obama. Nas suas intervenções sobre a questão energética, o Presidente americano demonstra três preocupações. A primeira é a segurança energética. Os Estados Unidos não admitem mais depender do petróleo importado de países que vivem em permanentes conflitos políticos, sociais e, muitas vezes, religiosos.
A OPEP, que congrega a maioria desses países, detém cerca de 70% das reservas mundiais de petróleo, e, nos países não OPEP, a Rússia tem 40% das reservas. A segunda é em relação à questão ambiental. Já é consenso que o mundo não pode mais queimar combustíveis fósseis na quantidade que ocorreu no século XX. A terceira é gerar novos empregos através da produção de energia.
O Presidente americano, com isso, está propondo uma política energética que terá como objetivos aumentar a segurança energética, ajudar na melhoria do meio ambiente e gerar muitos empregos nesse momento de crise nos Estados Unidos. No Brasil, é preciso que saibamos aproveitar as nossas grandes vantagens como produtores de energia renovável e, ao mesmo tempo, as descobertas do pré-sal.
Temos sol, terra e água em abundância, por isso podemos ser os mais eficientes e maiores produtores de cana-de-açúcar e, com isso, liderarmos a produção de etanol e gerar energia elétrica com o bagaço de cana. Além disso, poderemos nos tornar grandes exportadores de etanol, bem como de tecnologia agrícola e industrial. Com a nossa imensa costa, gerar mais energia elétrica com o vento. Voltar a gerar mais energia nova com as hidrelétricas, repensando a obtenção das licenças ambientais.
Com isso, faremos energia made in Brazil limpa. O que está faltando no Brasil, para que possamos caminhar na direção de assegurar uma participação substancial das energias renováveis na matriz energética brasileira, é a criação de impostos sobre emissões, mercados de direitos de emitir e premiar os consumidores mais eficientes e que utilizem energias renováveis.
Enquanto isso, o cenário definido pelos leilões de energia nova realizados no atual governo aponta para uma matriz elétrica cada vez mais suja. Os resultados dos leilões de energia elétrica confirmam a tendência cada vez maior de gerar energia com combustíveis fósseis, e o que é pior, 45% com óleo combustível que, além de sujar a matriz elétrica, submete-a à volatilidade de preços desse combustível.
Como resultado, 75% da energia acrescentada à matriz elétrica através dos leilões é térmica. Com base no Índice de Custo-Benefício - ICB, os leilões aparentemente negociam a energia elétrica mais barata até o momento. É preocupante, no entanto, que o ICB baseie-se em estimativas teóricas da geração das usinas. Como essas usinas serão construídas, em tese, para operarem apenas em períodos hidrológicos desfavoráveis, tem-se a impressão de que o objetivo de modicidade tarifária do governo vem sendo alcançado.
Na verdade, a atual metodologia dos leilões está estabelecendo preços irreais e enganosos para a geração térmica, já que essas usinas irão gerar mais tempo que aquele que está sendo previsto nos leilões. O fato é que a metodologia utilizada nos leilões tem prejudicado projetos que possuem tecnologias limpas de geração e elevados custos de investimentos.
Com isso, o Brasil segue na direção inversa dos países desenvolvidos, que buscam aumentar a participação de fontes limpas nas suas matrizes energéticas. O pré-sal não pode servir para justificar que a Petrobras, no seu ambicioso plano de investimentos para o período 2009-2013, anuncie a construção de quatro refinarias. Esse tipo de investimento, além de criar um enorme passivo ambiental, acabará prejudicando ou mesmo inviabilizando o etanol.
São poucos os exemplos de países em desenvolvimento com grandes excedentes de petróleo que escaparam à tentação populista de subsidiar os preços de seus derivados. Não há dúvida de que o anúncio das descobertas de petróleo na camada pré-sal é alvissareiro. Mas a exploração do pré-sal pode levar a um retrocesso na matriz energética nacional, intensificando o uso do petróleo e invalidando todos os esforços passados para transformá-la em uma das mais limpas do mundo.
Só alcançaremos essa meta se estabelecermos uma política energética com visão de longo prazo, que utilize da maneira mais apropriada as riquezas do pré-sal e privilegie o consumo de fontes renováveis de energia. Esse é o caminho a ser seguido. Li, recentemente, um artigo no New York Times onde o autor escreve sobre a caravana climática promovida na Índia utilizando carros elétricos. No Brasil, poderíamos promover uma caravana climática com veículos a etanol. Fica a ideia.