Diretor Comercial da Usina Alta Mogiana
Op-AA-23
O setor de açúcar e álcool brasileiro está vivendo uma grande transformação, com grandes players internacionais adquirindo ativos com um apetite formidável. A primeira fase desse movimento começou através da entrada de grandes trading companies, sendo seguidas por produtores de açúcar e álcool de outros países. Esse processo de consolidação ainda persiste, mas com um novo ingrediente: o interesse dos grandes produtores de petróleo no etanol.
O anúncio da fusão Shell/Cosan passa a ser um divisor de águas nesse movimentado mercado, e mudanças profundas devem ocorrer a partir disso. Em primeiro lugar, outras empresas de petróleo terão que rever sua estratégia de entrada no Brasil, pois a grande oferta de ativos à venda atualmente deve diminuir, à medida que as usinas se capitalizam.
Isso pode acelerar o processo de fusões e aquisições em curso, concentrando ainda mais o setor em poucas mãos. Também teremos uma divisão clara de estratégias: alguns grupos apostarão na diversificação através da distribuição de combustíveis, investimentos em logística, desenvolvimento de derivados de petróleo através da fermentação alcoólica e etanol de segunda geração.
Outros produtores, por outro lado, continuarão seu crescimento orgânico, focados na atividade de produção de açúcar, etanol e energia elétrica. Qual estratégia será a melhor delas? Difícil dizer, principalmente porque essa decisão depende também de escala de produção, e não apenas de vontade própria. Há alguns anos, acreditava-se que a escala era importante para diminuir os custos.
Ocorre que, a partir de um determinado tamanho, os custos de produção ficam praticamente estáveis. Por outro lado, a escala permite um acesso diferenciado ao mercado de capitais, além da possibilidade de liderança em pesquisa e desenvolvimento, o que ainda é pouco visto no setor. Entretanto somente grandes empresas poderão replicar a estratégia da Cosan e da ETH/Braskem em derivados de petróleo, pois os valores envolvidos serão enormes para fazê-lo.
A resposta talvez esteja na associação com empresas químicas ou com centros de pesquisa, possibilitando o desenvolvimento de novas tecnologias em conjunto. E em relação ao valor das empresas, o que muda? No dia do anúncio da fusão da Cosan, os outros papéis de usinas não tiveram seus valores alterados, enquanto a primeira viu suas ações subirem mais de 10%.
Isso indica que, necessariamente, os outros ativos não subirão de preço em um primeiro momento, por alguns motivos: primeiro, porque outros concorrentes talvez não sigam o exemplo da Shell e, segundo, porque as pesquisas de desenvolvimento que os mesmos conduzem atualmente podem trazer resultados desapontadores. Dessa forma, continuam valendo os critérios de valuation tradicionais, como o fluxo de caixa descontado e os múltiplos de EBITDA futuros.
Regra geral, vejo como positiva a chegada de empresas de fora no País. A concentração da produção em grandes grupos estrangeiros dará uma maior visibilidade ao setor externamente, e isso pode abrir muitas portas. Além disso, essas organizações podem melhorar a percepção da sociedade em relação ao setor, pois possuem códigos de conduta empresarial e ambiental muito rígidos.
Não podemos nos iludir, entretanto, ao imaginar que esse crescente interesse sinaliza anos memoráveis pela frente. Uma das razões pela vinda dessas empresas se deve à estabilidade da economia brasileira, e não apenas pelo horizonte setorial. Essas empresas, acima de tudo, estão apostando no futuro do Brasil.
A estabilidade proporcionada pelo regime de metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal, aliada às perspectivas de crescimento, fizeram com que entrássemos na mira de investidores de outros países. Apesar dos fundamentos sólidos da nossa economia, cada vez mais seremos reféns da taxa de câmbio local e dos preços do petróleo no mercado internacional a longo prazo. Como esses mercados são muito voláteis, as estratégias comerciais e financeiras terão um papel crucial na competitividade e no crescimento das usinas no futuro.
Por fim, destaco a crescente importância na adequação da alavancagem financeira das usinas, sendo a abertura de capital uma ferramenta cada vez mais procurada por aqueles que desejam crescer com maior velocidade, ou que apenas precisem capitalizar a empresa sem a necessidade da sua venda a um terceiro. Não podemos nos esquecer de que, na grande maioria das empresas, atualmente, os acionistas não possuem liquidez para a venda de suas ações, e a abertura de capital poderia ser uma boa solução a esse entrave, além de ser um caminho mais condizente com o dinamismo do mercado de capitais brasileiro.
Em poucos anos, poderemos ter o equivalente a 200 milhões de toneladas de cana de capacidade em bolsa, o que seria fantástico. Tal volume traria uma infinidade de operações financeiras mais sofisticadas de financiamento, proporcionadas pela visibilidade que o mercado de capitais proporciona. Essas vantagens já foram sentidas pelos grupos estrangeiros, pois todos eles já são listados em alguma bolsa ou estão em pleno processo de abertura de capital.
Conclui-se, portanto, que definitivamente estamos entrando em uma fase de muitas mudanças, sendo a principal delas o apetite externo por nossos ativos, trazendo grandes transformações e desafios à nossa maneira de conduzir uma estratégia de longo prazo vencedora. A partir de agora, as referências passam a ser outras, alguns degraus acima do que estamos acostumados. Aqueles que não conseguirem acompanhar esse processo serão alvo de aquisições daqui para frente. É bom ficarmos de olhos bem atentos em relação a tudo isso.