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Weber Antônio Neves do Amaral

Professor de Melhoramento Florestal da Esalq-USP

Op-AA-21

As complementaridades das cadeias produtivas da cana e de florestas plantadas

Reconhecemos hoje que o consumo energético mundial está baseado numa matriz insegura, cara e ambientalmente insustentável, sobretudo em decorrência do uso de combustíveis fósseis, que agravam ainda mais os problemas causados pelas emissões dos gases de efeito estufa.

Apesar de haver consenso quanto a esses problemas e suas implicações de médio e longo prazos, a produção e o uso de biocombustíveis, uma alternativa aos combustíveis derivados do petróleo, a partir de diferentes biomassas, têm sofrido severas críticas quanto à competição com a produção de alimentos e por causarem mudanças diretas e indiretas no uso do solo, por exemplo.

O Brasil encontra-se numa situação privilegiada nesse cenário, pois a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar tem servido de modelo para produção de biocombustíveis para outras partes do mundo, ao mesmo tempo em que temos batido recordes sucessivos de produção de alimentos, além, é claro, de termos uma matriz energética suprida em 46% de fontes renováveis.


Nos dez últimos anos, a produtividade média das principais culturas agrícolas no Brasil cresceu aproximadamente 23%, sendo que, para milho e feijão, observamos um aumento de 60% e 35%, respectivamente. A produção dessas mesmas culturas cresceu cerca de 40% no mesmo período. Esses números refletem aumentos expressivos, tanto em ganho de produtividade como em produção. Esses dados têm reforçado a posição de liderança mundial do país na produção de alimentos, ao mesmo tempo em que conciliamos de forma sustentável a produção e expansão da cana-de-açúcar, que, no mesmo período, mostrou ganhos de produtividade de 14% e de produção de 70%, aproximadamente.

Foram necessários anos de investimentos em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação nas atividades de produção agrícola e industrial, que possibilitaram esses saltos de produtividade incomuns entre os maiores produtores de alimentos e bionergia do mundo. Além de servir como modelo para conciliar a produção de alimentos com a bioenergia, o Brasil ainda tem excelentes vantagens competitivas para fazer uma ponte tecnológica para novas e mais limpas fontes de energia e, ainda por cima, contribuir com a produção de alimentos para o mundo.


Modelos de integração da produção de alimentos, cana e florestas plantadas já adotados em algumas regiões do Brasil podem ser aprimorados ainda mais e expandidos, considerando que, no caso da cana e das florestas plantadas, há similaridades que podem ser mais exploradas porque:

a. essas cadeias podem explorar complementarmente o potencial brasileiro de solo e clima;
b. possuem uma enorme viabilidade em relação à obtenção de créditos ligados aos mercados de carbono;
c. o desenvolvimento de atividades ligadas à produção de insumos, equipamentos e de tecnologia para suas produções têm uma mesma base referencial, fortemente atrelada às ciências agrárias e florestais;
d. para sua produção, a cana-de-açúcar tende a ocupar áreas mais planas, enquanto a produção florestal madeireira se adapta perfeitamente a outros tipos de terreno;

e. no caso da cana, o atendimento principal ocorre junto ao setor de transporte, no momento em que o etanol se destaca como o seu derivado energético mais importante, associado ainda ao grande potencial energético da sua biomassa sólida residual, representada pelo bagaço. No caso das florestas de madeira, suas principais utilizações energéticas estão voltadas para o atendimento da demanda energética industrial, com destaque para produção de aço, na qual ela é empregada na forma de carvão vegetal. Importantíssima demanda energética é ainda atendida pela madeira como fonte de calor, para a secagem e processamento de produtos agrícolas e, finalmente, no atendimento da demanda de dezenas de milhões de pessoas, que a usam no cozimento de alimentos, e
f. existem muitas similaridades em termos de tradição, uso e opções tecnológicas para a obtenção de produtos energéticos a partir da cana e da madeira, estendendo-se aos processos de hidrólise, fermentação, pirólise, gaseificação, combustão, liquefação, etc.

Temos a plena convicção de que, caso essas complementaridades sejam adequadamente exploradas, essas cadeias podem influenciar positivamente uma política estratégica comum em bioenergia para o Brasil, que, planejada adequadamente, não impactaria na contínua produção de alimentos de forma sustentável para o nosso país, e ainda poderíamos continuar a suprir as demandas mundiais de proteínas, alimentos e energia.