Diretora do Núcleo P&D do Centro de Cana-de-açúcar do IAC
Op-AA-28
Muito se especulou, e ainda de especula, sobre as alterações relativas à ocorrência de pragas com a mudança do sistema de colheita, passando de colheita manual de cana queimada para colheita mecanizada de cana crua. Em decorrência da colheita de cana crua, ocorre um aumento significativo da quantidade de palhiço em campo, alterando o ecossistema. É de se esperar que essa mudança no ecossistema tenha impactos positivos sobre algumas pragas e negativos sobre outras.
Da mesma forma, alterações no ecossistema podem beneficiar ou prejudicar os insetos benéficos, predadores e parasitoides de pragas e, mais uma vez, interferir nas relações pragas/inimigos naturais, com consequências sobre as populações dos primeiros. Há poucos trabalhos científicos envolvendo o assunto, mas, na prática, duas grandes alterações já foram sentidas e são, sem dúvida, as duas mais importantes consequências da colheita de cana crua na área de pragas.
A mais notória delas está relacionada à Mahanarva fimbriolata, a cigarrinha-das-raízes. Essa praga sempre esteve presente em nossos canaviais, mas, até o final da década de 1990, quando a quase totalidade dos canaviais era colhida manualmente após queima, causava danos muito esporadicamente. Em razão disso, era considerada uma praga de importância secundária.
Com o aumento da área de colheita da cana crua, as populações aumentaram rapidamente e, hoje, a cigarrinha-das-raízes é encontrada em praticamente todos os canaviais, tanto nas soqueiras de cana crua, como nas de cana queimada e, até mesmo, em cana planta. É praga de grande importância econômica, pois provoca acentuadas reduções na produtividade agrícola e na qualidade da matéria-prima, com interferências marcantes nos processos industriais.
Felizmente, é uma praga sobre a qual há bom volume de informações; os parâmetros para um manejo bem-sucedido, tais como métodos de amostragem, nível de dano econômico, eficiência de medidas de controle, são bem conhecidos. Obviamente, ainda há muito a se estudar em relação a essa praga: alguns aspectos, como comportamento de variedades, ocorrência de resistência de insetos a inseticidas etc., precisam ser constantemente investigados, mas as bases para um manejo integrado bem-sucedido estão à disposição de todos.
Embora a importância da cigarrinha-das-raízes no cenário de cana crua seja incontestável, a maior preocupação é com Sphenophorus levis. Até o final da década de 1970, essa praga estava restrita à região de Piracicaba, mas foi disseminada para outras regiões produtoras de cana, por meio de mudas retiradas de local infestado. Hoje, ela é encontrada em todo o estado de São Paulo, no norte do Paraná e em Minas Gerais.
Provavelmente, também está em Goiás e outros estados, contudo ainda não há registros nessas áreas. Os adultos dessa praga são muito longevos e vivem perambulando pelo solo, onde se protegem sob restos de cultura e de plantas daninhas. Quando se colhia cana queimada, muitos adultos da praga morriam por causa do fogo.
Com a colheita de cana crua, além de não haver morte de adultos pelo fogo, o palhiço em campo lhes serve de abrigo. Com isso, as populações aumentaram rapidamente e, em algumas regiões, os canaviais foram dizimados com um ou dois cortes de cana crua. As preocupações com a praga se justificam porque ela é extremamente daninha e porque as medidas de controle não são muito eficientes.
A destruição da soqueira infestada e a aplicação de inseticidas, tanto no plantio como nas socas, ajudam a manter o canavial, mas estão longe de ser uma solução definitiva para o problema. O controle biológico também tem sido estudado, mas, até o momento, se apresenta como mais uma medida auxiliar de manejo.
Dessa forma, Sphenophorus levis deverá ser o maior entrave nas áreas de cana crua (e não só nelas), pois não há solução fácil a curto e médio prazos. Em relação às demais pragas, incluindo a broca da cana Diatraea saccharalis, cupins, Migdolus, o impacto da cana crua foi bem menor ou quase nulo; tanto é que seus status não se alteraram em áreas de cana crua.
As populações de broca, de fato, aumentaram muito nos últimos anos, mas isso deve ser atribuído, principalmente, ao uso de variedades mais suscetíveis e à falta de controle em muitas áreas. A cana crua teve influência menor. É provável que a broca gigante, Telchin licus, também se beneficie do palhiço, pois o controle deverá ser dificultado. Mas ainda é cedo para afirmar qualquer coisa. Precisamos estudar mais.