Coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas
Op-AA-21
O mundo está debruçado sobre estudos e pesquisas que encontrem energia renovável, não poluente e que reduza o aquecimento global. A agroenergia está pronta para atender a essa demanda, seja produzindo biocombustíveis, seja com a bioeletricidade, seja usando pellets de bagaço ou de folhas secas para substituir o carvão mineral e vegetal em lareiras dos países frios.
Está tudo pronto: a tecnologia agrícola, a tecnologia industrial e a automotiva; sabemos como fazer a mistura e a distribuição; conhecemos a comercialização e já erramos tanto, que podemos ensinar só os acertos. É impressionante a resistência que existe, globalmente, quanto a essa alternativa. É claro que não se pretende que a agroenergia seja a única solução para a grande questão da segurança energética. Mas, sem dúvida, é uma das boas soluções já resolvidas: não é preciso reinventar nada para que ela se torne uma alternativa globalizada.
Mais do que isso: a agroenergia certamente mudará o paradigma agrícola mundial de forma positiva, mediante definição de matérias-primas adequadas à produção de energia sem concorrência com alimentos. E, ainda mais, pode mudar de maneira notável a geopolítica global, dando aos países mais pobres do planeta uma oportunidade de desenvolvimento sustentável. Produzir agroenergia é diferente de produzir alimentos. Estes, qualquer país pode fazer, embora possa custar caro.
A segurança alimentar deflagrou o processo de protecionismo agrícola que até hoje tolhe as negociações para liberação do mercado, mas resolveu o problema do abastecimento na Europa, no pós-guerra. Com subsídios, é possível produzir comida em qualquer lugar, com artificialismo, como as estufas.
Mas agroenergia não, porque esta depende de 3 fatores: o solo (com tudo que há nele, como nutrientes e água), a planta e o sol. Sem sol à vontade, não há agroenergia. E o sol está disponível entre os dois trópicos - Câncer e Capricórnio, região que engloba os países pobres da América Latina, da África e da Ásia. Esses países serão os garantidores da segurança energética, financiados pelos grandes consumidores do hemisfério norte.
Com a cana ou com a celulose, esses países terão emprego, renda e riqueza, produzirão energia para consumo próprio, o que impulsionará seu desenvolvimento, além dos excedentes exportáveis e ainda produzirão alimentos na rotação com a cana, conforme já se faz há décadas no Brasil, desde o famoso programa “Cana e Alimentos”, implantado pelo Planalsucar, nos anos 70.
Mas isso só acontecerá com uma estratégia internacionalmente desenhada, e falta o desenhista. Falta a vontade de desenhar. O acordo entre o Brasil e os Estados Unidos para produzir etanol no Caribe e na América Central está andando, com o protagonismo do Itamaraty, da Apex e do BID. E já há rudimentos de conversa no mesmo sentido entre o Itamaraty e a União Europeia para desenvolver projetos na África, bem como vai andando a negociação entre Petrobras e Mitsui, tendo em vista o mercado japonês e asiático.
Há, portanto uma lógica que coloca os biocombustíveis no contexto global de forma irreversível. Vai acontecer, mesmo que pela inércia, característica das grandes mudanças. Poderíamos apressar esse projeto, se o Brasil tivesse uma estratégia clara. Mas, infelizmente, não a temos.
Embora o discurso nacional, público e privado, seja perfeito, as ações são inconsistentes, vão à matroca, sem planejamento e sem estratégia.
É claro que esforços na direção do planejamento são feitos, sobretudo pelo setor privado, mas esbarram na descoordenação das ações públicas.
Cerca de 12 ministérios tratam da agroenergia, fora a Petrobras, a ANP, a Embrapa, o Inmetro, o Inmet, a ANA e mais uma centena de instituições federais, estaduais, regionais e municipais. E todas com gente da maior qualidade, técnicos competentes, patriotas esforçados e cheios de boa vontade e boas intenções... mas que não conversam entre si.
Por isso não avançamos mais depressa. Por esse motivo vivemos situações como os ciclos de preços altos e baixos, sem nenhuma lógica. Sequer sabemos, com segurança, de quanto etanol precisamos e/ou queremos produzir ao longo do tempo. Nem qual será o modelo de produção, se concentrador de renda ou distributivista, como propôs Barbosa Lima Sobrinho no Estatuto da Lavoura Canavieira.
Grupos de interesse debatem a logística, da zona de produção aos centros de consumo e portos. Pelo menos 3 grupos querem fazer o alcoolduto e só caberá um. Não se define quem vai cuidar da estocagem, tema fundamental para um produto estratégico como é o combustível, criador da cogeração. Os recursos para tecnologia estão dispersos, sem uma coordenação entre os excelentes centros de pesquisas existentes, antigos ou recém-criados.
O macro zoneamento agro-econômico-ecológico para a cana está pronto, mas é preciso cuidar de detalhá-lo por região, porque isso é o que definirá o crédito adequado para a produção. A formação de recursos humanos para um projeto dessa magnitude é essencial e também vem sendo feita sem articulação alguma. A montagem de modelos de difusão de tecnologia para o exterior, que nos permitirá vender usinas completas, estações experimentais inteiras, sistemas de produção, de mistura, de distribuição, é fundamental.
Devemos vender etanol para o mundo todo, mas, antes, precisamos ensinar os países a produzi-lo, para criar nos mesmos um mercado interno. Só assim haverá um mercado global. E o Brasil ganhará muito dinheiro vendendo o que tem de melhor, que é a experiência, o know-how. Precisamos, portanto, cuidar de tudo isso, e a articulação só poderia ser implementada consistentemente com uma Secretaria Nacional de Agroenergia, de nível ministerial, para montar toda essa estratégia, inclusive de comunicação.
Precisamos mostrar ao mundo todo o que muita gente já sabe sobre a nossa matriz energética, com 45,8% da energia renovável. Precisamos fazer propaganda da impressionante redução de emissão de CO2 que o etanol promove, em relação à gasolina.
Balanço das emissões de CO2: Considerando o ciclo completo, a produção e o consumo de 1.000 litros de etanol emitem: 2.961 kg de CO2 na etapa de cultivo e colheita; 3.604 kg no processamento da cana; 50 kg no transporte do campo à usina, e 1.520 kg na combustão dos automóveis, totalizando, em todo o processo, 8.135 kg de CO2.
Em contrapartida, no crescimento da cana necessária à produção desses 1.000 litros de álcool, o processo de fotossíntese absorve 7.650 kg de CO2, e a bioeletricidade gerada evita a emissão de 225 kg, totalizando 7.875 kg de CO2, resultando, no balanço final, a emissão de apenas 260 kg de CO2, 89% menos que a gasolina, que gera, no final do mesmo processo, 2.280 kg.
Precisamos acabar com esses mitos estúpidos, que atrapalham todo o processo, entre os quais dois são inacreditáveis hoje em dia: o de que o biocombustível vai encarecer o preço dos alimentos, e o de que vamos derrubar a floresta Amazônica para produzir etanol. São mitos tão ridículos, e já tão intensa e cabalmente desmentidos, que só a má vontade e a má fé justificam a existência.
Em suma, os biocombustíveis acabarão entrando no mundo todo, porque estão prontos e são necessários. Mas seria muito mais rápido se o Brasil tivesse uma estratégia interna tão poderosa quanto a ideia em si, que acabaria contaminando o mundo todo muito mais rapidamente, para o bem de toda a humanidade.