Vice-Diretor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP
Op-AA-17
“When the only tool you have is a hammer, more and more problems begin to look like nails”. A atual eficiência na produção de cana-de-açúcar atesta que o melhoramento genético da cultura tem sido continua-mente bem-sucedido na obtenção de cultivares superiores. Entretanto, em comparação com outras culturas, o progresso no ganho de produção tem sido menor.
Há diversas razões para esse progresso limitado, incluindo a complexidade genômica da espécie, derivada de cruzamentos interespecíficos, com número elevado e irregular de cromossomos, e sua base genética restrita, pois os programas de melhoramento apóiam-se em uma diversidade genética limitada.
A biotecnologia, considerada aqui no sentido restrito, representa uma gama de tecnologias distintas, tais como clonagem de plantas, manipulação gênica e transferência de genes, tipificação de DNA e mapeamento genético, e seqüenciamento do genoma e transcriptoma. Algumas dessas tecnologias são práticas consagradas e empregadas no melhoramento da cana, tal como clonagem de plantas por cultivo in vitro.
Já aquelas derivadas da tecnologia do DNA recombinante agora despontam como promissoras. A manipulação genética para produção de cultivares transgênicas tem sido realizada rotineiramente no Brasil há alguns anos, mas, até o presente, não houve nenhuma liberação comercial, mais em razão de limitações legais, do que tecnológicas.
A adoção em escala de transgênicos deve considerar os aspectos de biossegurança, de acordo com os riscos potenciais específicos nas áreas alimentar, ambiental e agrícola. A cana possui vantagens expressivas em relação aos diversos riscos, quando comparada com outras culturas. Em termos de segurança alimentar, destaca-se o uso e a pureza dos produtos derivados.
Portanto, os questionamentos de improváveis efeitos não intencionais são mínimos para a cana transgênica, quando comparados a produtos frescos, tais como frutas, ou mesmo grãos. Em termos de segurança ambiental, os riscos associados ao escape ou ao fluxo gênico são limitados pelas características intrínsecas da cana. O florescimento restrito e a propagação vegetativa por tolete praticamente eliminam esses riscos.
A origem alienígena da espécie Saccharum assegura a ausência de espécies próximas sexualmente intercompatíveis, enquanto que a ausência de sementes ou rizomas reduz as chances de tornarem a cultura em uma planta invasora. As vantagens da cana, em termos de segurança agrícola, são similares às outras culturas, que indicam uma provável redução de impactos, em comparação às práticas agrícolas convencionais, com aplicação de agroquímicos no controle de pragas, doenças e invasoras.
A tecnologia de transferência de genes, genes de seleção e regiões reguladoras é protegida por patentes, que tolhem a sua aplicação comercial e aumentam custos. O alto custo de licenciamento e certificação para biossegurança dessas cultivares transgênicas também consiste em um impedimento econômico importante. As limitações tecnológicas derivam da escassez de informações sobre a funcionalidade de genes em controlar características de interesse agroindustrial, assim como das regiões controladoras da expressão desses genes (promotores) ou mesmo dos fatores responsáveis por esse controle.
No entanto, essa tecnologia deve ser considerada estratégica para a competitividade desse agronegócio, e a vantagem competitiva brasileira deve ser explorada devido à ausência de grandes empresas transnacionais na área de genética da cana. A tipificação de DNA (fingerprinting) por marcas moleculares gera pontos de referência no genoma, cuja associação com características de interesse permitiria o emprego da Seleção Assistida por Marcadores - SAM, como forma indireta de selecionar regiões genômicas, ao invés de fenótipos, facilitando e acelerando os programas de melhoramento.
Porém, sua adoção e aplicação em escala ainda não são justificáveis, quando a avaliação dos fenótipos pode ser facilmente conduzida, em termos operacionais e econômicos. Para características quantitativas complexas, muito influenciadas pelo ambiente, a dificuldade e a baixa precisão na identificação de associações válidas do fenótipo com as marcas limitam ainda mais sua adoção.
Portanto, a aplicação de marcas de DNA no melhoramento só tem sido justificável para usos pontuais, como análise da diversidade genética e escolha de genitores para cruzamento. A disponibilidade de seqüências de genes expressos de cana representa um enorme potencial imaginado de progresso no melhoramento, mas a informação limitada sobre a funcionalidade desses genes, aliada à complexidade genômica da cultura, reduz as chances de sucesso em curto prazo, exceto pelo acaso.
A grande maioria dos genes possui função, assim como o efeito de sua inter-relação com outros genes, desconhecidos, que limitam a previsibilidade das conseqüências de sua manipulação (para indução ou repressão). A fartura de informações é animadora, por vislumbrar o controle do complexo metabolismo das plantas, mas requer a disponibilidade de situações biológicas bem controladas e caracterizadas previamente.
No entanto, o alto custo envolvido, por demandar equipamentos e reagentes sofisticados e caros, sugere cautela. Há uma tendência de sobrevalorizar essa abordagem, pois impõe a crença de ser melhor do que técnicas simples e consagradas, como a seleção fenotípica. O excesso de otimismo em relação ao potencial das informações genômicas pode causar frustrações no agronegócio, por prometer soluções rápidas e não poder cumprir, mas garantirá artigos científicos importantes.
A fascinação pela vanguarda da tecnologia parece ofuscar a real necessidade de gerar novas informações biológicas básicas sobre a cana-de-açúcar, envolvendo aspectos da fisiologia da produção, tolerância a estresses bióticos e abióticos, ampliação do germoplasma, busca de novas abordagens e paradigmas no melhoramento. Por necessitar de ensaios simples e de baixo custo, essas perguntas biológicas não devem ficar sem respostas.