Me chame no WhatsApp Agora!

Isaias de Carvalho Macedo

Professor do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp

Op-AA-49

A cana-de-açúcar como fonte de energia
A diversificação dos produtos da cana: Cana é cultivada há séculos; hoje, em quase cem países. Da sacarose, são produzidos açúcar, etanol e, em menor escala, dezenas de outros "sucroquímicos”, em geral com processos suportados por energia da sua biomassa. A energia química presente na cana comercial, no Brasil, tem, atualmente, três partes aproximadamente iguais: na sacarose, no bagaço e na palha. A energia na biomassa (bagaço e palha) é muito maior que a necessária para o processamento da sacarose, assim, excedentes de energia comercial, como eletricidade, têm aumentado rapidamente. Hoje, um grande atrativo das energias comerciais produzidas da cana – além de contribuir com o suprimento de energia distribuída – é que as suas emissões de GEE (no ciclo de vida) são muito menores que as das energias convencionais equivalentes. 
 
Também o seu uso interno – em processos para outros produtos da cana – acrescenta valor a esses produtos. Tecnologias já quase comerciais – hidrólises da biomassa – podem transformar a biomassa em açúcares, aumentando muito o potencial para novos produtos da cana: mais combustíveis, alimentos, outros químicos. As múltiplas configurações dessas “biorrefinarias” podem ter consumos específicos de energia e de açúcares muito diferentes nos seus processos, resultando em excedentes de energia diferentes. 
 
Produção de energia comercial da cana: Neste texto, analisamos, inicialmente, a produção somente de energia comercial (etanol, eletricidade, outros combustíveis) em uma usina, com tecnologias comerciais ou em estágio avançado de desenvolvimento, no nível tecnológico agrícola atual no Brasil. Toda a sacarose levaria a etanol; e a biomassa (incluindo 40% da palha) seria usada para produzir excedentes de energia elétrica e mais combustíveis, em três opções de processos: 
• ciclos a vapor, como os atuais; 
• ciclos com gasificação da biomassa e produção de energia elétrica, ou síntese de combustíveis; e 
• ciclos com hidrólise da biomassa e produção de etanol dos açúcares resultantes. 

Somente alguns processos mais significativos são incluídos; uma gama maior de opções é apresentada e detalhada, de onde foram tomados esses exemplos. O objetivo é estimar os níveis possíveis de energia comercial a serem atingidos, comparando com os consumos de energia (e as emissões de Gases de Efeito Estufa associadas) atuais no Brasil; e ter uma base para considerar as alternativas de inserção nesses cenários de processos para outros produtos, com suas demandas específicas de energia e açúcares, reduzindo a energia excedente. Os resultados estão resumidos na figura em destaque. 
 
Ressalta-se que, em todas as opções, a sacarose é usada para produzir 83 L etanol/t cana. As opções A, B e C não utilizam palha; todas as outras usam bagaço + 40% da palha e operam somente na safra; A e B utilizam turbinas a contrapressão, enquanto C, D e E usam extração/condensação, com consumo reduzido de vapor nos processos. Os ciclos a vapor A, B, C, D e E são tecnologias comerciais, usadas hoje nas usinas – ainda não com 40% de palha. 
 
A hidrólise enzimática da biomassa seguida por produção de etanol (I) está quase comercial hoje; muitas variantes do processo bioquímico (enzimático ou outros) estão em fase de plantas de demonstração, ou pré-comerciais. Os processos termoquímicos (F, G, H), em fase piloto e demonstração, também trazem ainda incertezas (principalmente quanto a custos), mas podem levar a conversão para eletricidade até superior à estimada para (F). 
 
Devemos notar que, nos próximos anos, além de buscar ganhos (na conversão de energia) com tecnologias avançadas, a produção de energia nas usinas será influenciada por outros fatores, que são apresentados em outros artigos desta edição – como por exemplo os custos e as condições para comercialização dessa energia no contexto energético brasileiro (incluindo a redução de emissões); as tecnologias para maior produtividade e conversão da cana e para recuperação da palha; as tecnologias para maior eficiência no uso final do etanol; e a disponibilidade de tecnologias eficientes para outros produtos da sacarose. 
 
O contexto para energia e emissões no Brasil; a posição do setor de cana: Em 2015, a oferta interna de energia no Brasil foi de 299 Mtep, sendo 16,1% de produtos da cana (1). O consumo final de etanol foi 15,4 Mtep (gasolina: 23,3 Mtep; o setor de transportes, 84 Mtep). O consumo final de eletricidade foi 44,9 Mtep (522 TWh), com 21 TWh (4%) de excedentes supridos pelas usinas. As emissões de GEE no País foram estimadas (2) em 1560 M tCO2e; em 2015 (2), o setor de transportes emitiu 194 M tCO2e, e o setor de geração de energia elétrica emitiu 81 M tCO2e.
 
A figura mostra a grande importância que o setor poderá ter no cenário de energia e, consequentemente, de emissões no País. Em 2014, usando 57% da sacarose para etanol, o etanol reduziu em 34,7 M tCO2e as emissões de GEE no setor de transportes; e a geração de energia elétrica reduziu em 1,5 M t CO2e as emissões da geração de eletricidade (considerando apenas as emissões do SIN, não da margem). Mas a mensagem está nos dados para o futuro:
• o crescimento da oferta de combustíveis (etanol, principalmente): ver as opções G e I. 
• o crescimento ainda maior (quanto a emissões evitadas) da oferta de energia elétrica: as opções D e E (tecnologias comerciais) poderiam reduzir uma grande parte das emissões do setor, hoje.
 
Considerando o crescimento da produção de cana nos próximos anos, todos esses potenciais podem ser elevados.