Me chame no WhatsApp Agora!

Antônio Palocci

Ex-Ministro da Fazenda

Op-AA-19

Etanol: competitividade econômica e ambiental

Os mais de 30 anos de investimentos em produção e pesquisa do etanol carburante de cana-de-açúcar colocam o Brasil numa perspectiva muito positiva frente aos atuais desafios do desenvolvimento mundial. Isso porque, para as lideranças das grandes nações, já não é mais possível falar em desenvolvimento econômico sem considerar a realidade das mudanças climáticas.

A mudança radical dos discursos e compromissos anunciados na transição do governo americano, em termos de medidas de enfrentamento do aquecimento global, mostra a prioridade que o tema deve adquirir no próximo período. Dos EUA de Bush, que renunciou ao protocolo de Kyoto, aos EUA de Obama, que adota seguidas medidas de redução de emissões poluentes, o que mudou foi a percepção e a pressão da sociedade, em todos os continentes, por novos valores éticos e ambientais para o desenvolvimento econômico futuro.

Nos melhores centros do pensamento econômico e de desenvolvimento, o que se discute é um caminho de retomada do crescimento mundial sob novas bases, deixando para trás um passado de descompromisso com a regulação dos mercados e com solene desprezo ao meio ambiente. Além de Obama, o primeiro-ministro da Inglaterra, Gordon Brown, a alemã Ângela Merkel, os líderes do Japão e da China e o presidente Lula, todos têm colocado o tema das mudanças climáticas na pauta de prioridades.

Assim, é muito provável que a retomada do ciclo econômico, após a superação da grave crise financeira atual, virá pautada pelos cuidados necessários em termos de combustíveis renováveis, preservação das florestas e redução da emissão de gases de efeito estufa, entre outras iniciativas. É nesse contexto que o etanol de cana-de-açúcar poderá ocupar um espaço de grande destaque, à medida em que, ao longo do último período, tornou-se o único produto que consegue combinar produção em grande escala e preços competitivos.

Mas, a melhor garantia para um produto conquistar o mercado global é a existência de um mercado nacional amplo e sustentável. E, nesse particular, o etanol carburante só tem ampliado seu espaço no mercado brasileiro, superando o consumo nacional de gasolina. E isso foi possível, de novo, pela via da pesquisa e inovação, através da introdução dos motores flexíveis, que já ocupam a quase totalidade dos automóveis novos produzidos no Brasil.  

Os motores flexíveis favorecem o combustível mais competitivo em cada momento, em termos de preço e desempenho, à medida em que transfere para o consumidor a decisão de uso. Com a substituição natural da frota atual por uma frota quase totalmente composta de carros com motores flexíveis, somado à demanda do etanol anidro misturado à gasolina, o mercado nacional de etanol terá dimensão suficiente para sustentar a exploração de mercados externos, de maneira sistemática e competitiva.

Mas, há ainda duas questões sobre as quais o setor sucroalcooleiro precisa se concentrar, com pensamento num futuro próximo: o melhor uso do bagaço de cana e a regulamentação do etanol como parte da matriz energética brasileira. No primeiro caso, no curto prazo, a alternativa de produção de energia com a queima do bagaço tem se mostrado economicamente viável.

No médio prazo, é fundamental que o Brasil, através de seus centros de pesquisa públicos e privados (Embrapa, Petrobrás, Copersucar, universidades, entre outros) consiga manter-se na fronteira da pesquisa do etanol celulósico, obtido pela hidrólise da celulose. Esta linha de pesquisa, já com resultados laboratoriais consistentes, embora não em termos de produção e comercialização, promete alterar o futuro dos combustíveis renováveis.

E o Brasil não pode perder a dianteira nesse mercado, à medida em que manteve larga e distante liderança nas últimas décadas, em termos de produtividade em combustíveis limpos. Mas, é sempre bom lembrar que liderança passada não garante liderança futura. O investimento em tecnologia e inovação precisa ser permanentemente ampliado. A segunda questão, relativa à regulamentação do etanol carburante na matriz energética, diz respeito à necessidade de legislação específica para o etanol.

No passado recente, algumas iniciativas tentavam colocar o etanol nos mesmos patamares de regulação do petróleo. Mas, esses produtos são sensivelmente diferentes. Os modelos de exploração, os sistemas de comercialização e as cadeias produtivas são completamente diversas, o que exige legislação própria para o etanol. Isso permite que o produto transite da política de agricultura para a política energética e faz com que a lei sacramente o que já ocorre na prática, à medida em que, definitivamente, o etanol é um assunto mais vinculado ao setor energético do que ao agrícola.

Mas, muito se pode questionar sobre tais perspectivas para o etanol, frente à desanimadora evolução da crise financeira mundial. De fato, se um mundo abre-se como perspectiva para o etanol, esse mesmo mundo está se fechando fortemente para o crescimento econômico e o comércio mundial. O ano em curso é pouco promissor para qualquer setor da economia, embora os níveis de preços devam continuar com alguma volatilidade e buscando patamares mais realistas.

Contrariando muitos analistas, as commodities agrícolas abriram o ano em forte alta. Mas, o fluxo do comércio mundial tende a permanecer retraído e já se fala em crescimento mundial a uma taxa próxima de zero. Mesmo os países emergentes, que em todo o primeiro ano da crise mostraram-se resistentes e muito pouco afetados, tiveram impactos mais fortes a partir de setembro do ano passado.

A sequência de eventos bancários e financeiros, que se sucedeu à quebra do Banco Lehman Brothers, o que ampliou a crise de confiança, atingiu fortemente as economias emergentes, paralisando o crédito e interrompendo um curso de crescimento vigoroso da produção e do emprego. De fato, sem que haja a recuperação do crédito, a superação dos problemas de alavancagem das economias mais ricas e a normalização do comércio mundial, dificilmente abrir-se-á perspectivas positivas para grandes setores econômicos.

A crise atual é de enormes proporções e pode exigir muito esforço e algum tempo para a sua superação. Isso faz com que, no curto prazo, o setor sucroalcooleiro veja-se diante de desafios complexos, em particular aqueles relativos a investimentos e aquisições do período anterior ao aprofundamento da crise, em setembro. O mundo econômico mudou radicalmente nos últimos seis meses. Isso exigirá esforços de ajuste e adaptação.

O Brasil sofre o impacto da crise, mas resiste com muita força à piora de seus fundamentos, à medida em que o quadro fiscal e monetário, além da dívida pública, permanecem equilibrados e as reservas internacionais funcionam como um seguro de força e qualidade. O governo vem adotando um conjunto de medidas para amenizar a falta de crédito, que tem pressionado as empresas em todos os níveis. Será um ano de muito trabalho.

Mas, nem mesmo a presença de uma crise destas proporções elimina as perspectivas positivas do etanol no Brasil e no mercado mundial. Não apenas as perspectivas que já existiam no passado, mas agora ainda mais promissoras, pois a construção de um novo ciclo de crescimento, com bases mais sustentáveis, onde as fontes de energia limpa sejam a grande prioridade, parece estar presente de maneira definitiva na agenda das principais lideranças mundiais. Um novo ciclo de crescimento econômico, eticamente regulado e ambientalmente sustentável, é um caminho natural que emergirá da superação da crise econômica em curso.