Me chame no WhatsApp Agora!

Antonio Herman V. Benjamin

Ministro do Superior Tribunal de Justiça e corredator de várias leis ambientais

Op-AA-22

Etanol e sustentabilidade

O etanol brasileiro é hoje objeto de debate em todo o mundo. Dos principais jornais e canais de televisão às cúpulas de chefes de Estado, dos encontros periódicos da FAO e do Pnuma às discussões áridas de cientistas do clima e às reuniões ruidosas de ONGs ambientais e de militantes dos direitos humanos, das planilhas de representantes do agronegócio e investidores internacionais às projeções dos especialistas em energia e biotecnologia — ninguém está imune a essa questão estratégica dos nossos tempos.

Dois riscos antagônicos ameaçam o etanol brasileiro. De um lado, aquilo que poderíamos chamar de visão edênica, ou seja, a ideia de que o etanol é autoexplicativo, que representa a salvação da humanidade, uma atividade econômica repleta de benefícios e destituída de problemas.

Do outro, a visão demoníaca, que só vê malefícios no etanol, entre os quais se incluem a destruição das nossas florestas, a poluição do ar e a matança indiscriminada da fauna silvestre pela queima da palha da cana, a contaminação do solo e recursos hídricos com agrotóxicos, a utilização de trabalho infantil e escravo, a perversão da paisagem e da biodiversidade agrícola por conta da monocultura, a radicalização da fome mundial pela conversão de terras para a produção de energia em vez de alimentos.


Acredito que nosso etanol tem plenas condições de enfrentar e superar essas duas visões radicais. Superar de maneira sincera, não com medidas retóricas ou paliativas. Com tanto em jogo, em termos de uma matriz energética mais limpa e de geração de empregos e divisas, o primeiro passo é a renovação das lideranças e de seu modo de pensar.

A transição não será fácil, mas já começou. Entidades empresariais, como a Unica, que, no passado, enxergavam no meio ambiente um entrave ao setor sucroalcooleiro, hoje percebem, pela voz respeitada de novos líderes, como Marcos Sawaya Jank, que a questão ambiental é, ao contrário do que se imaginava, instrumento de fortalecimento de mercado e de diferenciação do etanol.

Há aqui espaço para uma frutífera aliança, pois, enquanto importa ao ambientalismo encontrar alternativas energéticas ao petróleo e ao carvão, também é do interesse da cadeia produtora do etanol demonstrar que é plenamente víável gerá-lo respeitando a biodiversidade, as Áreas de Preservação Permanente, a Reserva Legal, a qualidade da água e do ar.


Iniciativas sérias de sustentabilidade estão ocorrendo em todo o país. Produtores apostam na produção de álcool em paz com a natureza. Não é financeiramente árduo; a dificuldade é cultural. Daí a necessidade de apoio governamental e das próprias entidades de classe a esses esforços. Divulgá-los passa a ser tarefa prioritária. Os bons exemplos não servem de modelo se ficarem escondidos.

Merecem prêmios, incentivos, sobretudo porque melhoram a imagem do setor como um todo.
Não há muito tempo para reinventar o setor sucroalcooleiro. Ganhar o embate perante a opinião pública mundial passa, antes, por fazer nosso dever de casa, enfrentando o passivo ambiental e social de 500 anos da presença da cana-de-açúcar entre nós, desde os primeiros colonizadores.

Engana-se quem pensa que aí está uma tarefa individual, cujos beneficiários serão os proprietários de terra e as grandes usinas. Muito ao contrário, o etanol, se bem-sucedido, poderá colocar o Brasil na linha de frente da sustentabilidade energética do planeta e transformar os brasileiros em geradores ambulantes de energia.

Enquanto o Pré-Sal e as termelétricas representam uma aposta na matriz do passado, o etanol é a alternativa do futuro, cujo limite será apenas a nossa ambição e inteligência em dele fazer um combustível sinônimo de sustentabilidade.
O Poder Judiciário vem sendo importante ator nessa transformação de paradigma, especialmente ao demonstrar que a lei aí está para ser cumprida por todos.

Não é justo que um proprietário rural implemente sua Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente para ser logo chamado de ingênuo ou pródigo pelos seus vizinhos, que continuam a explorar a terra sem qualquer preocupação com a sustentabilidade ecológica. No entanto, é sempre bom lembrar que a verdadeira sustentabilidade ecológica não nasce nos tribunais. Enquanto os cumpridores espontâneos da lei forem a minoria, o sistema como um todo será visto como inimigo do meio ambiente – aqui e nos mercados internacionais. É uma péssima publicidade para o setor e, de novo, é injusto com aqueles que estão liderando a radical transformação do etanol no campo.