A cana-de-açúcar é popularmente tida como uma cultura que degrada o ambiente, em geral, e o solo, em particular. Obviamente, esse preconceito não se sustenta: há canaviais no Brasil, desde o século XVI, com produtividade crescente. Na realidade, a cana-de-açúcar, por suas características naturais, é uma das culturas com maior potencial ecológico e conservacionista que existem. E o sistema agroindustrial sucroalcooleiro, visto como um todo, contribui decisivamente para tal.
Canaviais atingem vários metros de altura e ocupam muito bem a área, o que naturalmente protege o solo. Quando é colhido sem queimada, produz entre 100 e 120 toneladas de biomassa por hectare, das quais 20 toneladas (a palhada) permanecem sobre o solo, dando início a um ciclo biológico que prestará intensos serviços ecossistêmicos de sequestro de carbono, economia de recursos hídricos, biodiversidade e conservação de solos.
Quando a cana chega na usina, dela são extraídas celulose – para geração de energia térmica, mecânica e elétrica –, sacarose, frutose e glicose – para produção de açúcar e álcool. Os processos de purificação do caldo, cristalização do açúcar, fermentação e destilação do álcool são todos físicos ou biológicos, e os efluentes resultantes contêm praticamente todos os nutrientes originalmente extraídos pela cana-de-açúcar durante seu ciclo vegetativo.
Tais efluentes são fertilizantes orgânicos que retornam aos campos, representando um alto grau de circularidade econômica, incomum em outras culturas. Vale lembrar que açúcares são produtos diretos da fotossíntese, obtidos a partir de luz solar, água e gás carbônico.
A realização desse potencial conservacionista, entretanto, depende de certos cuidados, que chamo de “inovações sustentáveis” no sistema produtivo. Na Usina São Francisco – UFRA, em Sertãozinho-SP, iniciamos, no final dos anos 1980, um processo batizado de “Projeto Cana Verde”, que visava a uma maior sustentabilidade agronômica. Naquela época, 100% dos canaviais dependiam da queimada pré-colheita. O primeiro passo foi banir essa prática e, para tal, ajudamos a desenvolver a primeira colhedora brasileira de cana verde.
As últimas queimadas em canaviais próprios na UFRA ocorreram em 1994 – vinte anos antes do prazo acordado entre as usinas e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de SP. Concomitantemente ao processo de eliminação das queimadas, desenvolvemos outras atividades que, integradas, nos permitiram atingir um alto grau de sustentabilidade: a adoção de métodos naturais de proteção da lavoura, a reconstituição da vegetação nativa em áreas de preservação de mananciais e recursos naturais, a adoção de adubações verdes em rotação de cultura, a distribuição racional dos efluentes agroindustriais nas áreas cultivadas, o desenvolvimento e implantação de um sistema de proteção à estrutura física do solo, a total supressão do uso de defensivos e fertilizantes químicos sintéticos, entre outras, nos proporcionaram resultados surpreendentes.
De fato, temos experimentado um intenso aumento da vitalidade nos canaviais, representado pelo incremento da produtividade, pela maior resistência às pragas, doenças e condições climáticas adversas, pela explosão da biodiversidade da fauna em nossas fazendas e pelo aumento do volume e da qualidade da água em nossos mananciais.
Uma equipe de pesquisadores de diversas instituições, coordenada pelo Dr. José Roberto Miranda, ecologista da Embrapa Monitoramento por Satélites, realizou mais de 3 mil incursões a campo ao longo dos últimos 15 anos, com o objetivo de inventariar a fauna em nossas fazendas. Esse esforço revelou a presença de mais de 340 espécies de vertebrados superiores, entre aves, mamíferos, répteis e anfíbios, das quais 49 com riscos de extinção. Os estudos indicaram a sustentação populacional de grandes predadores de topo de cadeia, como a onça parda, por exemplo.
No que se refere à redução na emissão de gases de efeito estufa, nossos inventários comprovam que emitimos 35% menos carbono que os sistemas produtivos convencionais. Quando estávamos implantando essas alterações, percebemos que estávamos muito próximos de atender aos regulamentos orgânicos internacionais então vigentes. Investigando o tema, descobrimos que havia demanda por açúcar orgânico e, mediante pequenos ajustes, nos tornamos a primeira usina no Brasil a obter a certificação orgânica internacional, em 1997.
Somos, portanto, orgânicos como consequência da busca por sustentabilidade. Atualmente, somos certificados orgânicos em conformidade com praticamente todos os regulamentos vigentes no mundo, exportando nossos produtos para mais de 60 países. Lançamos uma marca de produtos orgânicos no Brasil, a Native, que produz e comercializa, no Brasil e no exterior, além do açúcar e do álcool, mais de 70 outros produtos orgânicos, tais como cafés, cereais, sucos de frutas, água de coco, bebidas de soja, chocolates e achocolatados, cookies, azeite de oliva. Para nós, a produção agrícola não é meramente uma atividade econômica. É a nossa vida!