Recentemente, uma das questões que têm estado presentes nas rodas de conversa dos interessados no setor sucroenergético diz respeito ao aumento da concorrência do uso do solo com outras culturas, notadamente a soja. O pano de fundo para essa discussão encontra-se nas boas perspectivas de margens para o grão ao longo dos próximos anos e o risco que isso pode trazer para as bases de fornecimento de matéria-prima para o setor.
De fato, ao olharmos para trás, é possível observar que houve um avanço, ao longo dos últimos anos, da área de soja em regiões de influência da cana-de-açúcar. Dados da Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) do IBGE, por exemplo, apontam que a superfície plantada com soja no estado de São Paulo saltou de 610 mil hectares em 2013 para 1,08 milhão em 2019, alta de 77% no período. E, como pode ser observado nas figuras, parte desse crescimento ocorreu exatamente em regiões de influência de cana. É claro que grande parte disso se deu em área de renovação de canavial (há uma grande sinergia na rotação com a soja), entretanto não se pode descartar a hipótese de que uma fração passou a ser dedicada exclusivamente à cultura da oleaginosa (e safrinha, onde possível) por mais de uma safra, uma vez que, nesse período, a rentabilidade da cana para o produtor rural não foi das mais atrativas.
E, olhando para frente, embora os fundamentos do setor sucroenergético sugiram uma melhora da rentabilidade para o produtor diante da perspectiva de bons preços esperados do ATR – pelo menos no curto prazo –, a reboque dos ventos favoráveis no mercado de açúcar e do aperto do balanço do etanol, o cenário para grãos também é bastante alvissareiro. Além dos fundamentos macroeconômicos, que têm influenciado positivamente todas as commodities, inclusive o açúcar, no caso específico da soja e do milho, o aumento da demanda chinesa na esteira da recomposição do rebanho suíno local deve contribuir para deixar o balanço de oferta e demanda de tais commodities mais apertado ao longo dos próximos anos.
Para quem não se lembra, a China, maior produtora de carne suína no mundo (13 vezes maior que a produção brasileira) e responsável por metade de tudo o que foi produzido globalmente em 2018, foi acometida por uma enfermidade chamada “peste suína africana”, que levou à liquidação de 36% do seu rebanho entre 2018 e 2019, sendo que parte significativa se constituía da produção de subsistência, com alimentação baseada em restos de cozinha.
Entretanto, impulsionada pela preocupação sanitária, a recomposição que está em pleno curso tem sido marcada pela adoração de sistemas produtivos mais modernos, que também incorporam um manejo nutricional com base em energia e proteínas. Esse movimento tende a ser um dos principais combustíveis para o crescimento da demanda de soja e de milho ao longo dos próximos anos.
Se esse cenário prevalecer, os preços dos grãos tendem a permanecer em patamares elevados para estimular o crescimento da produção. Nesse sentido, além de ser esperado um aumento da utilização das áreas de renovação para a produção de soja, não se pode desconsiderar a possibilidade de uma migração duradoura de áreas de cana para a produção de grãos nas regiões com maior aptidão “graneleira” e/ou com presença de usinas de maior fragilidade financeira.
Ao utilizar o resultado operacional para mensurar a atratividade das duas culturas (assumimos que grande parte do capital investido diz respeito ao valor de terras, que, nesse caso, seria o mesmo para ambas as culturas), nossas estimativas para a safra 2021/2022 sugerem que a oleaginosa está um pouco mais atrativa, mesmo quando assumimos um valor do kg de ATR de R$ 0,88/kg para a próxima safra. Nessa simulação, o preço do ATR necessário para gerar resultado semelhante ao da soja seria de R$ 0,93/kg. Para regiões em que as condições climáticas possibilitam a realização da safrinha, o retorno econômico pode ser ainda maior. Obviamente, essas relações variam de acordo com o cinturão de produção e a realidade de cada produtor, incluindo suas relações comerciais com as usinas.
Adicionalmente aos aspectos econômicos, outros fatores podem incentivar a decisão de migrar para culturas de grãos. Dentre eles, podemos destacar o ciclo de caixa mais curto em relação à cana, a diversificação de clientes e a previsibilidade de geração de margem dada às diversas alternativas de fixação de preços futuros, pelo menos para o curto prazo.
Apesar de acreditarmos que um possível avanço da soja deverá ocorrer majoritariamente em áreas de renovação de canavial – através de parcerias, com cooperativas e produtores de soja, por exemplo –, a preocupação com o fornecimento
futuro de cana deverá ganhar cada vez mais relevância na gestão de risco das usinas do setor. Com isso, estratégias de originação que consolidem a fidelização de fornecedores poderão ser essenciais para garantir o sucesso nos períodos vindouros.