Perguntas são fundamentais quando pensamos no futuro. Como serão as coisas? Como chegaremos lá? Estaremos vivos para experimentar o novo? Questões que certamente vêm sendo feitas desde que o mundo é mundo. Desde que uma inovação – que, em algum momento distante da história, nem era chamada de inovação – mudou para sempre os caminhos que nos trouxeram até aqui. Iniciativas que vêm passando por evoluções continuamente e que interferem e vão continuar interferindo nas nossas vidas.
A literatura científica, por exemplo, revela que as leveduras são os organismos que mais cedo foram domesticados. Os primeiros vestígios de atividade de produção de pão e cerveja surgiram na civilização egípcia, o que significa que estamos falando de algo que vem sendo utilizado há quase 5.000 anos.
Mas como um microrganismo milenar pode ser tão atual e importante para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento do que vem pela frente? A resposta é: biotecnologia, um catalisador decisivo para nos colocar na rota de evolução de tantos negócios e que também impactam o setor sucroenergético.
As leveduras são os microrganismos responsáveis por transformar o açúcar em etanol através da fermentação (a palavra levedura tem origem no termo latino levare, que significa “crescer ou fazer crescer”). Com aprimoramentos tecnológicos, estamos falando da possibilidade de produzir cerca de 3% a mais de etanol com tecnologias drop in, ou seja, de fácil aplicação, sem mudança da estrutura industrial de fermentação existente, e de 50% a mais de etanol utilizando a mesma área plantada através do etanol de segunda geração, o E2G.
Os avanços que vemos hoje no campo e, mais especificamente, no setor sucroenergético, com iniciativas como a da melhoria constante de algo tão antigo como uma levedura, nos faz crer que a biotecnologia está para o agronegócio assim como a Internet das Coisas está para os avanços tecnológicos.
E, de acordo com um estudo de 2016 da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), “a biotecnologia industrial poderá impulsionar o crescimento econômico, além do desenvolvimento social brasileiro”. Segundo esse mesmo levantamento, “o potencial de incremento desta área de atuação à economia brasileira é de um fluxo anual de riquezas de aproximadamente US$ 53 bilhões nos próximos 20 anos”.
Um dos grandes destaques aqui no Brasil são os aplicados no desenvolvimento de biocombustíveis, produzidos a partir de biomassa renovável e que tem grande potencial para substituir uma boa parcela dos combustíveis derivados de petróleo e gás natural utilizados em motores a combustão.
De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), cerca de 45% da energia e 18% dos combustíveis consumidos no Brasil já são renováveis e, por seu pioneirismo no uso de biocombustíveis, o Brasil alcançou uma posição de referência no desenvolvimento de alternativas renováveis de energia como opção às fontes fósseis. Posição privilegiada que será reforçada a partir da implementação de um programa tão importante para o setor como o RenovaBio.
Mas, para se tornar essa referência global, é necessário investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e é aqui que a biotecnologia aparece, para entregar produtos com maior qualidade e maior eficiência produtiva. É possível produzir mais e gerar produtos com maior valor agregado.
As leveduras – sempre elas – são de suma importância para uma ampliação produtiva e, consequentemente, tornar o processo mais sustentável. Um exemplo é o E2G. Produzido a partir de biomassa da cana-de-açúcar e do milho, é possível diminuir o acúmulo de subprodutos provenientes do processo produtivo, extraindo mais combustível da mesma matéria-prima.
Mas esse processo só foi possível por meio dos avanços biotecnológicos, já que o método de fermentação é basicamente o mesmo do etanol comum, exceto por um detalhe: os microrganismos responsáveis por transformar o açúcar em etanol não conseguem fazer essa conversão com pentoses, substância resultante da estrutura fibrosa da cana, ou seja, no bagaço.
Seu aperfeiçoamento permitiu, assim, que o processo de fermentação também fosse viável na aplicação em substratos da cana, reutilizando matéria que antes seria descartada e, hoje, já é utilizada na geração de energia e compõe produtos acessíveis ao consumidor final, como perfumes e outros de linha cosmética.
As possibilidades permitidas pela tecnologia no campo abrem, inclusive, espaço para ideias e projetos vindos de quem já dominava outros gramados. É o caso do ex-jogador de futebol Mathieu Flamini, francês que jogou por clubes como Arsenal e Milan e que deixou o esporte para investir em uma empresa responsável por produzir ácido levulínico a partir de biomassa. A substância é um composto orgânico derivado da degradação da celulose e que vem sendo visto como um potencial precursor para a indústria do biocombustível.
E por que ela é tão atrativa para os mais diversos setores da economia e cabeças que pensam além, como Flamini? Pois, a partir da biotecnologia, é possível transformar, através de microrganismos, moléculas de carbono em uma infinidade de produtos, inclusive adoçantes e plástico verde. E aí pouca coisa é tão poderosa quanto a cana-de-açúcar como uma fonte de carbono renovável utilizada na produção de energia, combustível, alimentos, fármacos e muitos outros.
No agronegócio brasileiro, eletricidade tem sido obtida através da queima de materiais orgânicos, como bagaço de cana, casca de arroz e cavaco de madeira. Seu potencial de transformação por meio da biotecnologia faz da cana-de-açúcar um grande passo além do petróleo, podendo, teoricamente, substituir qualquer derivado do combustível fóssil.
E, a partir do momento em que esse movimento passar a ser feito em uma escala de grandes proporções, podemos dizer que mais uma revolução industrial poderá surgir. Dessa vez, a partir dos avanços da biotecnologia, que também poderá estar associada às inovações tecnológicas, uma vez que já é possível, por exemplo, encontrar no mercado dispositivos de IoT sendo utilizados para verificar o desempenho de leveduras.
São ondas de evolução da biotecnologia com horizontes bem definidos e em que estamos vivendo um primeiro estágio, onde já é possível ver os benefícios desses avanços já sendo utilizados, como é o caso do E2G. Em um segundo estágio, podemos encontrar aplicações em fase de testes que começam a chegar ao mercado e possuem um alto valor agregado, como é o caso do esqualano, substância encontrada na natureza, mas que já é reproduzida pela indústria, e suas moléculas começam a ser encontradas em cosméticos, pois contribuem para a elasticidade, o brilho e a hidratação da pele.
Assim como em um horizonte não tão próximo do consumidor, mas que já são uma realidade para a indústria, estão as possibilidades em fases de prototipagem, como é o caso da matéria-prima para a produção de embalagens PET desenvolvidas a partir do açúcar. Sua produção ainda opera em forma de piloto para que a indústria avalie sua viabilidade para início da produção em grande escala.
Enfim, o caminho para as possibilidades é quase infinito. Evoluir faz parte do ser humano, e ciência e tecnologia são os componentes fundamentais que impulsionarão grandes transformações.