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Sergio Rodrigo Vale

Economista-chefe da MB Associados

OpAA83

A reforma tributária muda o patamar da economia brasileira
Apesar de ainda estar na metade do mandato, já é possível dizer que o grande legado do governo Lula será a reforma tributária. Em que pesem as dificuldades em várias outras frentes, especialmente na política fiscal, o fato é que a mudança no sistema tributário terá consequência importante e duradoura na economia brasileira.
 
Como sempre, não se esperava que fosse uma reforma perfeita. O ideal seria um imposto apenas com o mínimo de alíquotas diferentes. O sistema dual em conjunto com as incontáveis exceções coloca a reforma abaixo do ótimo. Mas o bom nesse  caso já é um ganho significativo.
 
Os ganhos maiores seriam para a indústria, que por razões históricas sempre teve os impostos mais elevados, com ajuste de alta de imposto para serviços e uma parte pequena para o agronegócio. Certamente, o descontentamento do setor de serviços não cabe porque não há justificativa econômica plausível para a indústria pagar mais impostos que os serviços. 

Há aqui um objetivo, mesmo não atingido totalmente, de equalizar ao máximo possível um sistema que é muito distorcido. Ainda não está claro o que será a alíquota padrão, em cima da qual serão contadas as exceções. Estima-se que poderá ser de até 29%, o que torna o país de fato o de maior alíquota do mundo.

É esta que tem de ser tomada como base de comparação com o resto do mundo, pois é em cima da alíquota cheia que distorções adicionais foram criadas pela exceções. O discurso do governo de tomar a alíquota pela média não procede, pois daria justificativa para exceções que não têm sentido econômico de existir.
 
Essa discussão é importante para que não escape à sociedade o fato de que o país terá uma alíquota tributária em bens e serviços extremamente elevada. Mesmo assim, os ganhos alocativos serão expressivos e devem gerar aumento de produtividade e crescimento em todos os setores, mesmo naqueles que podem ter elevação tributária. 
 
Havia receio na agropecuária de que a majoração de imposto prejudicaria o setor. Mas como há um efeito em cadeia para a economia como um todo, os estudos mostram que os ganhos ocorrerão em todos os setores. A maior preocupação que o segmento precisa ter nesse momento é sobre o avanço de discussões que aparecem de tempos em tempos sobre imposto de exportação nas commodities. 
 
Essa discussão surgiu novamente por conta da inflação de alimentos, que acelerou no final do ano passado, levando o governo à ideia de taxar a exportação para sobrar mais produtos internamente. De tempos em tempos surgem essas tentativas, como houve em 2023 a tributação temporária de combustíveis fósseis no upstream.
 
Há movimentação que começou nos estados de colocar tributos específicos no agro, que apenas diminuem a produtividade do setor sem se conseguirem ganhos pelo uso dos recursos fiscais, argumento que é muitas vezes usado para justificar tal tributação. Seria importante, a partir do início da implementação da reforma tributária em 2026, que se evitassem novas exceções e que se construísse a possibilidade de diminuição das exceções existentes. 
 
Sem exceções, a alíquota teria ficado em torno de 21% e isso poderia ser um chamariz ao longo do tempo para que fossem rediscutidas as benesses que foram feitas. Como sabemos, entretanto, o risco é que se adicionem mais benefícios e, não apenas isso, que voltemos a um padrão de judicialização que já foi a base das distorções do sistema atual. 
 
Não será difícil setores pedirem para virar exceção, e com pedidos difusos ao longo do tempo isso pode fazer com que gradativamente a alíquota suba. Sem falar naqueles setores que poderão judicializar no STF com o argumento de que haveria alguma questão legal que permitiria receber o benefício.
 
Isso certamente acontecerá, e a Justiça precisará estar atenta para evitar que essas tentativas prosperem e tornem o sistema um emaranhado de leis novamente. Não se pode também deixar de observar que o Comitê Gestor que será criado, sobre o qual havia muito receio por parte dos estados em relação a quem teria poder de fato no órgão, terá papel fundamental no novo sistema. 

Ele terá de funcionar como um órgão técnico que baliza os créditos ocorridos dentro de cada nota fiscal e entre estados e municípios. Será importante tomar cuidado para que não se politize um órgão que teria de ter o mesmo objetivo do Banco Central na política monetária, ou seja, zelar para que o sistema de crédito nas notas fiscais funcione sem judicialização e sempre com a ideia de poder buscar aperfeiçoamentos.
 
O Comitê deveria se transformar em um órgão técnico que fosse a origem de aperfeiçoamentos do próprio sistema, por isso a necessidade de uma blindagem de partida. Não é essa a função inicial do Comitê, mas poderia ser um avanço no futuro nessa direção. 

O importante a se considerar é que, apesar das limitações da reforma, ela muda um sistema que era considerado o pior do mundo e moderniza de tal forma que a sistemática de tributação poderá estar entre as melhores do mundo quando totalmente implementada.