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Fernando Cardoso Fernandes Rei

Presidente da Cetesb

Op-AA-13

Sustentabilidade: Diferentes visões

Que o negócio da produção de açúcar e álcool apresenta vantagens reconhecidas, pouca gente poderá discordar. Entretanto, será que grande parte da sociedade sabe que os custos ambientais do setor não são absorvidos diretamente pelos produtores? Atualmente, a agroindústria da cana-de-açúcar ocupa mais de 4 milhões de hectares no estado, respondendo por aproximadamente 60% da produção nacional de açúcar e álcool.

Logo, a expansão da cana para produção de etanol é assunto que vem sendo acompanhado com muita preocupação pela Agência Ambiental do Estado de São Paulo - CETESB, já que são diversos os impactos desse setor da indústria paulista, que emprega intensivamente recursos naturais, cada vez menos abundantes, como água e solo, comprometendo-os por meio da prática, muitas vezes abusiva, de adubação química e aplicação de herbicidas e defensivos agrícolas.

Igualmente, se estuda o avanço do setor sobre áreas, onde atualmente se cultivam alimentos, avalia-se o risco da atividade sobre a integridade de biomas sensíveis, com perda da biodiversidade, danos à flora e fauna, assim como analisa-se os agravos à saúde da população, pela qualidade do ar, prejudicada pelas queimadas, em particular, nos períodos de estiagem.

Quem estuda a estrutura e o desenvolvimento do segmento sucroalcooleiro no estado procura aprofundar suas pesquisas sobre as conseqüências dessa expansão das lavouras de cana. De acordo com projeções da Unica, União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, o número de usinas de etanol no país deve crescer 30%, em apenas cinco anos - saltando das atuais 248, para 325 unidades de produção, na safra de 2012/2013, sendo que aproximadamente 50 dessas, em território paulista.

Dados levantados junto ao BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, apontam pedidos de financiamento superiores a R$ 7 bilhões. Nesse cenário, a área ocupada pelo plantio de cana poderá chegar a um território de aproximadamente 10 milhões de hectares, em dez anos. Além do Noroeste do Estado de São Paulo, de acordo com a Unica, as novas lavouras concentrar-se-ão, principalmente, sobre o Triângulo Mineiro, o Sul de Goiás e o Leste do Mato Grosso do Sul, substituindo áreas de pastagens e de produção de alimentos.

A infra-estrutura de escoamento da produção também tem favorecido tal substituição, realizada por meio da aquisição ou arrendamento de terras, diretamente pelas empresas agrícolas associadas às Usinas, a baixo preço, já que pequenos proprietários não vêm obtendo lucros com a produção, por exemplo, de carne e leite. No Oeste de São Paulo, a rentabilidade do novo boom da cana-de-açúcar já seduz produtores de laranja a abandonarem o cultivo tradicional.

Em cidades vocacionadas por pequenas propriedades, como Jales e Votuporanga, onde o Sistema de Meio Ambiente deverá inaugurar, em breve, duas novas Agências Ambientais, a busca por terras para o plantio de cana também já indica cenários de concentração fundiária, pondo em crise modelos históricos de agricultura familiar.

Na defesa do setor, vozes advogam que a tal expansão concentrada irá alavancar a geração de postos de trabalho, o que se espera não venha a contrariar a orientação do Governo do Estado, no sentido de avançar rapidamente para o fim das queimadas e do corte da cana caminhar para a mecanização. Neste novo momento, parece que não há mão-de-obra qualificada, em número suficiente para operar as novas colhedoras, porém o plantio ainda é feito de forma manual.

Prática que deve desaparecer, gerando oportunidades para a capacitação. Enfim, não se deve esquecer que o etanol, transformando-se em commodity, e a aliança estratégica com os Estados Unidos são fatos que trazem vulnerabilidade ao setor exportador, cujo telhado de vidro poderá ser rapidamente trincado, porque os impactos negativos da atividade serão pouco tolerados pelo mercado externo, mesmo que se reconheça seus aspectos positivos, mormente o pioneirismo no domínio da tecnologia de combustível renovável e alternativo, num cenário de busca de soluções para a problemática das mudanças climáticas, onde o equilíbrio entre forças de mercado, qualidade ambiental e de trabalho é um desafio para a humanidade.

Para a Unica, a agroindústria canavieira brasileira oferece um exemplo prático de desenvolvimento sustentável, ao combinar contribuição à melhoria do meio ambiente, exploração de vocações econômicas locais e geração descentralizada de emprego e renda. Diferentes visões, para uma mesma realidade. Para o órgão ambiental, o embasamento teórico das medidas em implantação está bem sedimentado e o que se sabe do processo de decisão não agrada a alguns empresários do setor, que ainda se beneficiam da exploração insustentável dos recursos.

O fato promissor é que a operação de transformação está em curso, e o que virá depois deverá ser algo mais comprometido com a justiça social e os cenários desejados de sustentabilidade. Em verdade, é com planejamento e ocupação adequada do solo agrícola disponível, com a aplicação de técnicas de conservação e proteção dos recursos ambientais, e com um olhar de dignidade sobre as condições de trabalho, que se inicia qualquer discussão sobre sustentabilidade no setor.

É possível que essa discussão já tenha começado, o que já é bastante positivo, porém ainda resta um longo caminho... afinal, para que um empreendimento humano possa apresentar-se como sustentável, alguns requisitos básicos devem estar cumpridos, como ser ecologicamente correto, apresentar-se viável economicamente, ser socialmente justo e estar culturalmente aceito. E por mais pré-requisitos que a mesa da sustentabilidade possa ter, calços não são recomendáveis...