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José Geraldo Eugênio de França

Diretor Científico do ITEP - Instituto de Tecnologia de Pernambuco

Op-AA-33

Uma nova arquitetura

Avançou-se de maneira espetacular entre 1975 (início do Proálcool) e 2005, não apenas em ganhos de produtividade da cana-de-açúcar, saltando de 47 t/ha-1 para 80 t/ha-1, como também em produtividade industrial, saindo de 65 litros por tonelada de cana moída, para 45 litros médios na maioria das usinas e destilarias do País.

Além do mais, os ganhos testemunhados em avanços ambientais e sociais do setor deram a sensação de que o jogo estava ganho e de que o Brasil seria o grande produtor e o maior exportador de etanol. Daí a premissa de que somente tornando o etanol combustível uma commodity, vindo a ser negociada em bolsas de valores do mundo inteiro, estaria o Brasil, dentro dessa Opec (do inglês, Organização dos Países Exportadores de Petróleo) do etanol, tornando-se a Arábia Saudita dos biocombustíveis.

A conquista do mercado do carro flex-fuel deu o aval a todas as expectativas, e o Brasil era, e ainda é, o país onde, em qualquer posto de combustíveis, pode encontrar a gasolina, o diesel e o etanol. Alguns condicionantes fugiram ao controle.

O primeiro e grande problema foi o endividamento histórico do setor e sua dependência em vendas antecipadas dos produtos. Com isso, de forma tranquila e sem maiores alardes, os conglomerados internacionais, em especial as petrolíferas, adquiriram as grandes empresas sucroenergéticas do País.

Mudou-se o sistema de gestão, novos atores vieram à ribalta, sem o devido traquejo, talvez, de forma deliberada, não se sabe bem, com resultados assustadoramente ruins. Os custos da matéria-prima elevaram-se, o custo de produção duplicou e, de repente, com a alta cotação do açúcar nos mercados internacionais, a atratividade e o charme do etanol evaporaram-se, e, mais uma vez, perplexos, os consumidores viram subir o valor do produto e já não ser mais atrativo o abastecimento de seus veículos com o nosso etanol.

É bom lembrar que não somente as empresas multinacionais, mas a vinda da Petrobras para o negócio de biocombustíveis, em particular no que se refere ao etanol, se deu de forma amadora. Um discurso dúbio de empresa pública que não é, mas que pretende remunerar, proteger e dar lição de gestão em áreas que jamais seriam de sua especialidade.

Outra grande contribuição à elevação dos custos, com um agravante, apesar de todos os investimentos e joint ventures: a empresa em si não controlava a produção, uma vez que seus sócios optariam por produtos mais rentáveis, decidindo-se pelo açúcar ao invés do etanol. Aí, a empresa que iria entrar para regular o mercado tornou-se uma trade de açúcar e ponto final.

Todo esse cenário complexo e de risco resultou em algo não mensurável e pouco abordado pelo setor: perdeu-se o principal defensor do etanol, o público consumidor que, de uma hora para outra, viu que não valia a pena orgulhar-se de estar enchendo seu tanque com etanol made in Brazil, quando os custos e suprimentos eram dependentes de forças não controláveis e até dando razão a alguns países que, sabiamente, deixaram de optar pelo etanol e, particularmente, em contar com o setor sucroenergético do Brasil como um fornecedor confiável.

Os principais atores deixaram a cordialidade, os tapinhas nas costas e os salamaleques, para cada um apontar para o outro como culpado. Os empresários falando que o governo deixou de investir no setor e que o controle do preço da gasolina estaria diminuindo a competitividade. Culpava-se também, à boca miúda, a internacionalização do setor.

O governo deixando claro que os empresários, mais uma vez, deixaram de cumprir o que haviam acertado. Além do mais, haviam vendido bem suas empresas e, agora, de camarote, estavam à espera de uma nova onda de dinheiro novo para recomeçar uma nova vida: capitalizada, sem dívidas e com dinheiro em caixa. As empresas internacionais, quer as petrolíferas, quer a do setor de alimentação que vieram para o Brasil, demonstraram pouca preocupação com tudo isso.

Com o preço do barril do petróleo ancorado em US$ 100 e com os preços do açúcar em alta, não havia por que se preocuparem com o etanol e muito menos com as necessidades nacionais. Alguns dos argumentos pecam pelo primarismo. Primeiro, a redução de investimentos no setor.

Não houve este desinvestimento. Ocorreu que grupos que chegaram ao setor haviam planejado crescer só e somente com o dinheiro público; não encontrando ou não podendo acessar os recursos disponíveis, faltavam-lhes capital para as operações, e, em dois anos, algumas dessas empresas viram suas produtividades desandarem a patamares de 10 anos atrás.

Segundo, um tanto mais duro de entendimento: elevação do preço da gasolina, visando-se, indiretamente, beneficiar a industrial do etanol. Em sendo a gasolina nacional uma das mais caras do mundo, elevar o preço do combustível refletirá em todos os segmentos econômicos, encarecendo os produtos, em particular os alimentos, causando inflação e desvalorização dos salários e lucros.

Na realidade, o que se faz necessário é uma redução da carga tributária com melhor controle sobre a arrecadação e, consequentemente, redução nos preços dos combustíveis líquidos, não aumento de preços. Derivada dessa discussão, surge outra um tanto bizarra: alteração da mistura de etanol na gasolina de 20 para 25%.

Uma vez que não há etanol anidro para a mistura de 20% e, ao mesmo tempo, contar com o etanol hidratado, não há como justificar a elevação desse percentual. No fundo, o que uma medida como essa estimulará é o fim do carro flex-fuel, já que, para as montadoras, não haverá atrativo algum em dispor os veículos dessa tecnologia, sem uso.

Considerando-se que o preço dos alimentos não arrefecerá facilmente, mesmo com a desaceleração das economias emergentes, e que o preço do açúcar deverá continuar em alta, devido à elevação do consumo do produto, ano a ano, resta-nos apostar na tecnologia de produção de etanol e outros hidrocarbonetos, a partir de matéria-prima lignocelulósica.

Do ponto de vista de tecnologia, há um esforço razoável, mas carecendo de uma coordenação, visando ao domínio da produção do etanol de segunda geração. Urge que instituições como a Petrobras, via Cenpes, o CTBE - Laboratório Nacional de Bioetanol, a Embrapa, as universidades, os institutos pesquisa e inovação e a iniciativa privada nacional desenhem um agenda única e realista, com metas claras e prazos estabelecidos.

Há poucos resquícios de dúvidas, hoje, de que os Estados Unidos estarão com essa questão resolvida em breve e que o incremento da produção de etanol naquele país se dará não pelo uso de amido de milho, mas pelo uso de resíduos sólidos, industrial e urbano, e que, além do mercado interno, sua indústria está de olho no mercado brasileiro, que deixaria de ser o futuro exportador para se tornar o grande comprador.
Outros perigos rondam o ambiente.

O maior deles são os avanços tecnológicos que vêm sendo obtidos no desenvolvimento de acumuladores mais leves, mais eficientes e mais baratos, tornando o carro híbrido viável, além da revolução que se testemunha na perfuração e na recuperação de petróleo e gás, o que faz com que os planos de incremento na matriz energética mundial a partir de fontes renováveis venham ser adiados por algumas décadas e, com isso, coloque em xeque uma política energética que o Brasil adotou de modo mais enfático nessa última década.