Sócio da Carnegie Hill Global Advisors
Op-AA-22
A constituição de um mercado global de biocombustíveis exigirá expansão da produção de cana-de-açúcar e outras matérias-primas, bem como da capacidade de processamento e estocagem, além das fronteiras do Brasil. Embora o país reúna condições físicas únicas para preservar sua liderança produtiva a longo prazo, esse movimento será necessário ao aumento e estabilização da oferta internacional.
Nesse contexto, é plausível que ocorra a internacionalização em grande escala de produtores brasileiros de biocombustíveis nos próximos anos. Essa possibilidade povoa o discurso governamental junto a países em desenvolvimento e começa a fazer parte das considerações estratégicas de empresas e grupos de investidores.
Investimentos internacionais na escala necessária para a consolidação do mercado global de biocombustíveis exigem atenção a variáveis ainda pouco presentes nos processos de planejamento estratégico de empresas brasileiras ou de outros países emergentes com baixa tradição em negócios transnacionais, agrupadas sob o rótulo de risco político.
Trata-se de riscos de difícil quantificação, resultantes da interação entre fatores políticos, sociais, culturais e econômicos, cujas materializações mais extremas são rupturas contratuais e mudanças abruptas nos custos de transação. Quando o termo “globalização” se popularizou na década passada, grande parte da literatura a respeito o abordava, do ponto de vista de fluxos de capitais, como movimentos de expansão e complementação produtiva iniciados em países desenvolvidos.
Daí decorre, em parte, a surpresa recente com a ascensão das “multinacionais emergentes”. Na prática, estas são semelhantes a suas congêneres mais tradicionais em gestão e objetivos, embora tendam a ter um maior apetite por riscos. Mas uma diferença importante marca os países onde têm suas sedes. Com exceção da China, os países emergentes com multinacionais próprias têm baixa capacidade de projeção geopolítica ou intervenção diplomática em situações de crise.
No primeiro semestre de 2006, duas empresas brasileiras sentiram os efeitos práticos disso. A Petrobras foi alvo de uma campanha nacional-populista na Bolívia, que levou à expropriação de ativos. A Vale, por pressões do governo chinês, perdeu um grande projeto de minério de ferro no Gabão. Em ambos os casos, a capacidade do governo brasileiro de atuação preventiva e negociação de compensações post-facto revelou-se limitada. E estamos falando das duas maiores empresas do país.
A provável expansão produtiva internacional das empresas de biocombustíveis deverá ocorrer em países pobres, geralmente com fracas condições de governança. Os investimentos terão exposição elevada a riscos políticos, e estes poderão agravar-se por uma tendência ainda pouco analisada e possivelmente indutora de reações nacionalistas contrárias a investimentos estrangeiros no agronegócio, em alguns países e regiões.
Em vários países africanos e no sudeste asiático, e menos na América Latina, governos de países com gargalos estruturais na produção de alimentos e grande disponibilidade de recursos (Arábia Saudita, China e outros), via fundos soberanos ou outros mecanismos, estão adquirindo terras para a produção dedicada a alimentos. A evolução desses arranjos poderá ter como efeito colateral a disseminação da resistência a empreendimentos estrangeiros, independentemente de sua origem.
O fenômeno é incipiente, mas merece ser observado para a avaliação de riscos semelhantes às hostilidades enfrentadas por produtores de soja brasileiros no Paraguai e na Bolívia. A mitigação do risco político exige ações complementares empresariais e governamentais. Do lado das empresas, o primeiro passo é avaliar adequadamente o contexto sociopolítico no planejamento e na operação de projetos internacionais.
Não fazê-lo pode levar à superestimação do potencial de retorno de investimentos e à falta de provisões financeiras ou operacionais para situações de crise. O engajamento com públicos locais é uma ferramenta útil, particularmente através de ações bem calculadas de desenvolvimento social e da construção de imagem de empresa responsável. A introdução de parceiros privados ou governamentais locais no negócio também tende a ser uma tática efetiva.
O segundo elemento é a busca de alinhamento entre interesses empresariais e política externa. Trata-se de agenda na qual a atuação brasileira ainda é pouco consistente, que passa menos pelo reforço de embaixadas em países recipientes de investimentos do que pelo estabelecimento de canais de cooperação com países-chave, negociação de acordos de proteção de investimento e fomento a instituições e à capacitação para o tratamento adequado do investimento estrangeiro.
Cooperação é um belo conceito, mas deve ser arquitetada de forma a elevar os ônus de eventuais rupturas contratuais. A política externa pode e deve tratar o investidor como um parceiro na projeção da influência internacional do país. Mas isso só funciona quando as empresas compreendem os riscos a que estão expostas e utilizam seu peso, individual ou coletivamente, para influenciar a agenda do governo. O que não pode acontecer é ignorar mudanças nos padrões de riscos que decorrem naturalmente da maior atuação internacional das empresas brasileiras.