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Marcos Silveira Bernardes

Professor de Produção Vegetal de Plantas Extrativas da Esalq-USP

Op-AA-24

Batedor de pênalti

No Brasil, a política é comentada através de parábolas futebolísticas, e sigo pela mesma linha. Quando menino, o afilhado do técnico do nosso time era especialista “batedor de pênalti”. Da defesa, eu assistia o ardil para engrandecer o favorito: quando os craques do ataque conseguiam a vantagem de um pênalti, eram substituídos pelo afilhado, que assim garantia mais um gol para seu currículo.

O mundo adulto está repleto desses especialistas, que agora fazem da cana seu alvo, advogando sofismas. Primeiro é a internacionalização do setor canavieiro e aceitação do nosso álcool lá fora. Poucos comentam que esses dois fatos estão ligados por relação causa/efeito, já que o antigo crítico virou dono do negócio. Prova disso é que bastou cobrar na justiça a espoliação americana do algodão brasileiro para a cana virar “escravizadora de homens”.

Afirmam que “Há variedades de cana ... capazes de aumentar em 40% a produtividade” e que a biotecnologia é a solução para o setor. Para contrapor gente dessa alçada, recorro ao professor Cornelius de Wit, referência inquestionável em modelagem matemática para agricultura.

No texto “Resource use analysis in agriculture: a struggle for interdisciplinarity, John Wiley, 1994”, avalia a produtividade e eficiência do uso dos recursos baseado em fenômenos conhecidos e aceitos: o retorno marginal decrescente, que estabelece que cada passo no incremento em produtividade requer um acréscimo cada vez maior da disponibilidade do fator de produção e a lei do mínimo, que estabelece que a produtividade da cultura é proporcional à disponibilidade do fator mais limitante.

Acrescento o declínio secular dos preços, no qual o lucro tende a zero em atividades abertas à participação de qualquer um, como a agricultura. É fato definitivo, porém pouco propalado, que os preços dos produtos agrícolas, em termos reais, caem continuamente há milênios, à medida que a produtividade aumenta, fazendo da agricultura uma atividade parecida com a corrida dos cachorros para morder a própria cauda.

Esse conjunto pode ser demonstrado no Gráfico, em cujo eixo horizontal está a produtividade e no vertical os valores da produção e do custo, todos relativos ao potencial.

A curva em azul mostra o valor bruto da produção. Quanto maior a produtividade, maior a receita bruta, porém declinante com a queda dos preços nas altas produtividades.

É fato que em toda boa safra o preço cai. A curva em vermelho mostra a tendência do custo de produção. Numa primeira fase com menor aporte de tecnologia, o custo cresce sem um acompanhamento proporcional da produtividade. A receita líquida é negativa. Um exemplo dessa situação é o canavial bem plantado que não recebe controle de mato.

Na segunda fase, a cada aporte de tecnologia ganha--se proporcionalmente muito mais em produtividade e a receita líquida cresce junto. O produtor de cana luta para permanecer nessa fase de uso mais eficiente dos recursos, no qual o que importa são resultados de pesquisa integrada e multidisciplinar. Todos os fatores, agregados otimamente no que podemos chamar de manejo de campo, é que fazem o produtor evitar o prejuízo.

Na terceira fase, com a resposta decrescente em produtividade a cada novo aporte em tecnologia, a receita líquida decresce. A conformação das curvas no gráfico pode mudar em função dos parâmetros adotados, mas retrata bem o que o produtor de cana brasileiro sente na pele. Como o custo do capital é pelo menos 4 vezes maior do que o crescimento da produtividade do setor e a relação de troca no mercado mundial reduz à metade o valor dos nossos produtos, a situação piora a cada ano.

O melhoramento genético da cana-de-açúcar brasileiro é o programa mais eficiente do mundo. CTC, Ridesa e IAC e, mais recentemente, a CanaVialis, apoiados por iniciativas mais ou menos isoladas das universidades do Alagoas ao Tocantins, vêm fazendo pesquisa com cana há décadas, inclusive com manejo de campo, e sofreram à míngua por falta de dinheiro público para trabalhar. Geraram variedades que têm potencial para produzir muito mais do que os 40% propalados. Algumas variedades poderiam produzir 300% a mais do que acontece no campo hoje. O produtor não as maneja para isso porque é economicamente inviável.


Agora que a cana virou moda, instituições que nunca se envolveram voltam seus interesses para as fontes de dinheiro e vendem a ideia da biotecnologia como solução final. Não foi assim na citricultura, no qual só serviu para distribuir prêmios, e não será na canavicultura. A biotecnologia é uma ferramenta de pequena importância perante o conjunto das demais.
 
Não há taxa de fotossíntese engenheirada em laboratório em uma eficientíssima cana que contraponha a taxa de juros brasileira. Não há modificação por transgenia de composição do colmo de cana que contraponha a desvalorização do produto brasileiro e supervalorização do capital estrangeiro causada pela taxa de câmbio. A gestão do setor tem que ser exercida e comandada por gente comprometida, por exemplo, com mais de 50% da renda pessoal advinda de atividade direta com cana. Caso contrário, sem os craques cavadores de pênalti, provavelmente vamos importar açúcar do Haiti.