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Carlos Eduardo Calmanovici

Gerente de Engenharia e Qualidade da ATVOS

OpAA81

Caminho para a bioeconomia
Para seu desenvolvimento, a humanidade precisa de energia tanto quanto precisa de alimentos. Energia é essencial para garantir a segurança alimentar da população. Portanto, a dicotomia alimento vs energia é perversa e não contribui para a sustentabilidade do planeta; energia e alimentos são complementares e não competem. 
 
Neste artigo, vamos discutir a questão energética começando no início do século XX, na transição energética da tração animal para os motores a combustão, quando vivemos a esperança de uma energia mais limpa, deslocando a energia “suja” dos cavalos e outros animais de tração. 
 
Um século depois, a transição energética ganha novas cores ao perseguir o uso de energias renováveis em substituição às agora tradicionais fontes de energia fóssil como petróleo, carvão e gás natural. Alternativas como a energia solar, eólica e energia de biomassa ganham relevância a cada dia e contribuem com a redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), combatem as mudanças climáticas e promovem um sistema energético mais sustentável. 

No entanto, a transição energética dos dias atuais vai muito além da busca por fontes renováveis e abre uma nova perspectiva de economia circular e de baixo impacto ambiental. A bioeconomia baseada em recursos biológicos abre novas perspectivas para a produção sustentável de alimentos, produtos e energia. 

Para o Brasil, a bioeconomia é a chance de um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social com a criação de empregos verdes e a atração de investimentos para a diversificação da economia como já ocorre com o bioetanol. Para explorar essas oportunidades da nova transição energética, temos de nos preparar para discussões objetivas a partir de indicadores claros e tecnicamente consistentes para direcionamento das iniciativas ESG (da sigla em inglês: Environmental, Social and Governance). 

Assim, nossa busca por fontes renováveis incorpora indicadores como, por exemplo, o EROI (Energy Return on Investment) que mede a quantidade de energia obtida de uma fonte em comparação com a energia “investida” para extrair, processar e entregar essa energia. Quanto maior o EROI, maior a eficiência da fonte considerada. 

É bastante dependente de fatores como localização e tecnologia, principalmente no caso das fontes renováveis. Outros indicadores que merecem destaque são a densidade de energia e a densidade de potência. A densidade de energia refere-se à quantidade de energia armazenada em um determinado volume ou massa de combustível. 

Fontes renováveis geralmente têm densidade de energia mais baixa e, por isso, podem ser mais restritivas para atender a determinadas aplicações. Já a densidade de potência indica a quantidade de energia produzida por unidade de área. Fontes renováveis como solar e eólica tendem a apresentar densidades de potência mais baixas, exigindo áreas maiores para gerar uma determinada quantidade de energia. 

Do ponto de vista ambiental, a densidade de descarbonização refere-se à quantidade de emissões de carbono evitadas por unidade de área e indica a vocação da fonte de energia de reduzir emissões. Finalmente, a conhecida pegada de carbono mede a quantidade total de GEE emitidos direta e indiretamente por uma atividade ou processo. É importante considerar, na avaliação das fontes de energia, todo seu ciclo de vida, incluindo extração, processamento, transporte e uso final.
 
Não haverá transição energética sustentável sem a definição clara dos objetivos desejados. Há inúmeros outros indicadores relacionados, por exemplo, a custos e investimentos necessários, intermitência e estabilidade do fornecimento de energia, entre outros. A escolha correta dos indicadores permitirá uma análise equilibrada e objetiva das opções disponíveis, em cada contexto, e suas implicações econômicas, ambientais e sociais e é determinante para projetos de sucesso. 

Momentos de transição são sempre muito intensos e instigantes. Indicadores consistentes e amplos ajudam a organizar essa inquietação produtiva e estimulam o aparecimento de alguns caminhos promissores como, por exemplo, o Hidrogênio Verde. Obtido pela eletrólise da água desde que a fonte de energia elétrica seja renovável, eólica ou solar, o hidrogênio verde se destaca pela alta densidade energética em massa, embora apresente baixa densidade energética em volume, o que impõe desafios importantes no armazenamento e no transporte. 

Pode ser utilizado diretamente como combustível ou, mais indicado, como intermediário para a produção de outros biocombustíveis e produtos químicos, nesse caso, pela reação com resíduos e produtos relevantes como CO? (gás carbônico) ou biometano. Dessa forma, o hidrogênio pode ser o vetor de uma das principais estratégias de descarbonização, a “eletrificação de tudo” (electrify everything), nas rotas de eletrificação indireta. 

Nesse sentido, destaco aqui a utilização potencial de hidrogênio verde em duas cadeias produtivas muito relevantes para o Brasil: na produção de aço verde, utilizando hidrogênio como agente redutor em substituição ao carvão; e na fabricação de amônia, possível alternativa sustentável de combustível marítimo drop in e intermediário químico essencial para a produção de fertilizantes nitrogenados. 
 
Assim, a economia do hidrogênio tem potencial para transformar o setor energético global e pode atingir mais de 2 trilhões de dólares por ano na próxima década. Mas ainda há desafios, começando pelo custo do hidrogênio verde que deve cair de cerca de 6 US$/kg para algo em torno de 2 US$/kg para viabilizar o uso mais amplo do hidrogênio nos vários mercados e aplicações. 

O principal componente de custo do hidrogênio verde é a energia elétrica, e países com matriz energética limpa como o Brasil estão bem posicionados para aproveitar os benefícios de uma economia do hidrogênio desde que estimulem o avanço dessa tecnologia com ações concretas para a competitividade em custos. 

Não poderia fechar este artigo sem mencionar o etanol, tanto como combustível sustentável para mobilidade urbana quanto como building block para inúmeros derivados verdes, inclusive o próprio hidrogênio através de processos de reforma, por exemplo, que apresentam EROI superior à própria eletrólise da água. 

O etanol representa um mercado consolidado de aproximadamente 120 bilhões de litros anuais no mundo e já desempenha um papel significativo na transição energética, especialmente em países com vocação para o agronegócio. O Brasil conhece, na prática, os benefícios do uso do bioetanol carburante: redução de GEE, CO? e outros poluentes como monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx) e hidrocarbonetos. 

Além disso, o bioetanol contribui para a diversificação da matriz energética e para o desenvolvimento econômico e regional do país e vem ganhando espaço como elo de uma química renovável praticamente ilimitada, que vai desde a produção de eteno e polietileno verdes até a produção de SAF (Sustainable Aviation Fuel). Na transição energética, o etanol é o futuro que já chegou.