O programa dos biocombustíveis e do álcool é uma prioridade nacional, e é indispensável falar sobre a sua importância. O Presidente Lula tem feito inúmeras viagens ao exterior, e, em todas elas, coloca como tema central a questão dos biocombustíveis, com destaque para o álcool. A grande questão e também o grande desafio que se coloca é como compatibilizar a produção de alimentos com a produção de agroenergia, de forma sustentável, com respeito às questões sociais e ambientais.

Eu acredito que a única maneira de fazê-lo é discutir tais temas sem preconceito e sem prejuízos. E isso, não é fácil. A Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tem dado uma extraordinária importância para a questão do meio ambiente, não apenas do Brasil, mas do mundo, e o seu nome é hoje uma referência internacional na questão ambiental, assim como muitos dos seus assessores no Ministério do Meio Ambiente.

Isso significa um passo muito importante no trato da questão da produção de agroenergia e da sustentabilidade. Fazendo-se uma análise retrospectiva, ainda que haja problemas graves na questão ambiental no Brasil e, em particular, na agricultura, não se pode deixar de reconhecer que avançamos muito. Voltando-se algumas décadas no tempo, podemos observar que tivemos passos importantíssimos, desde o trato, o descarte das embalagens, o plantio direto e várias outras iniciativas.

E assim, a contribuição não é só para o Brasil, mas para o mundo. Hoje, o Brasil assusta o planeta com a sua competência na produção agropecuária e na produção de agroenergia. Há acusações levianas que são feitas ao nosso país de que a nossa produção de soja, de carne e de energia é feita à custa de trabalho escravo ou forçado e da destruição do meio ambiente.

É claro que o Brasil tem problemas ainda por corrigir, mas afirmar que a nossa agricultura é competitiva porque é feita com base no trabalho forçado, destruindo o meio ambiente, obviamente não corresponde à realidade. Isto é freqüentemente repetido como base para críticas. Na verdade, isso ocorre devido à competência da agricultura brasileira.

Além das tarifas que nos impõem, dos controles sanitários - muito além do que seria razoável, agora são as questões ambientais e sociais que são colocadas como barreiras para que o Brasil possa ampliar sua produção e exportação. Isto acontece porque somos, inegavelmente, muito mais competitivos que qualquer outro país do mundo, incluindo-se os países que subsidiam de forma extraordinária a sua agricultura.

Por outro lado, temos tido avanços crescentes, e isso é importante destacar. Por exemplo, recentemente, a questão da certificação, no caso específico da soja. Foi feito um acordo entre os grandes compradores para não comprarem soja em regiões desmatadas. Repito, temos problemas sim. Mas também temos avanços importantíssimos na questão da agricultura e da sua relação com o meio ambiente, que não podem deixar de ser reconhecidos.

É preciso dar seqüência, dar continuidade a esses avanços, porque o Brasil tem condições excepcionais, que nenhum outro país apresenta. Nosso país tem terras férteis a serem cultivadas, em uma escala incomparável e 220 milhões de hectares de pastagens, com rebanho de 200 milhões. O que dá uma média de menos de um animal por hectare.

É preciso que essa média suba para 1,4 ou 1,5, igualando a dos vários estados brasileiros que já atingiram este patamar. Assim liberaremos de 70 a 80 milhões de hectares para a agricultura, o que é mais do que a área total plantada no Brasil, em mais de quinhentos anos. Hoje, esta área está na faixa de 63 milhões de hectares, incluindo culturas anuais e permanentes.

É tranquilamente viável dobrar isso, e então passaríamos de 1, para 2 cabeças por hectare. Além disso, com a tecnologia disponível, o indicador mais importante não é esse, mas sim a produção de carne por hectare. Sendo assim, pode-se liberar no Brasil de 80 a 100 milhões de hectares de pastagens, para incorporá-las ao processo produtivo.

Calcula-se que temos de 80 a 90 milhões de hectares de terras abandonadas e degradadas, que não são áreas de potencial ambiental, nem florestas, mas que com a tecnologia disponível, poderão ser incorporadas ao processo produtivo agrícola. Por isso, dizem que o Brasil tem condições de, tranqüilamente, sem derrubar nenhuma árvore, triplicar a sua produção de grãos e muito mais a sua produção de agroenergia, de álcool e de biocombustíveis.

Mas isso é preciso ser feito racionalmente. Nós precisamos avançar muito na questão do zoneamento. Sabemos que a cana-de-açúcar, particularmente, na questão do etanol, tem vantagens incomparáveis e muito mais eficientes que o milho, a beterraba ou qualquer outra matéria-prima. A cana ocupa em torno de 6,5 milhões de hectares no Brasil, dos quais, aproximadamente, a metade é destinada à produção de álcool. Há trinta anos, produzíamos a metade do álcool produzido hoje por hectare.

De 4 mil litros, passamos para quase 8 mil litros por hectare. Por isso, eu não tenho dúvidas de que, nos próximos 15 a 20 anos, dobraremos nossa produção, aumentando, não a área plantada, mas a produtividade por hectare, com uma cana mais rica em sacarose e mais produtiva em álcool. O Brasil tem perspectivas excepcionais para atender, não apenas o mercado interno, mas a demanda mundial por alimentos, agroenergia, biocombustíveis e etanol, respeitando-se o meio ambiente.

Ainda existem muitas dúvidas, mas vamos superá-las através da pesquisa e da ciência, gerando o conhecimento e a tecnologia mais adequada, para que possamos atender ao desenvolvimento de forma sustentável, eliminando as dúvidas, o desconhecimento e o preconceito. Um dos problemas a enfrentar é que o setor é muito diverso, há interesses diferenciados, mas já se pode notar mudanças.

Vejam a diferença de um ano para cá, a situação do produtor de cana-de-açúcar, do fornecedor, em termos de custo de produção, de valor que recebem pela cana, melhorou. É sabido que uma das características da agricultura é a variabilidade, a volatilidade que existe, não apenas de preço, mas também de caráter biológico, pois ela depende da natureza.

É preciso melhorar a integração, a articulação entre todos os setores envolvidos nesse processo. A produção de agroenergia pode ter um impacto extraordinário no futuro do Brasil, em termos de geração de emprego, geração de renda, geração de divisas, diminuição das desigualdades sociais e, inclusive, de preservação ambiental. Este é um projeto de interesse nacional, ao qual o Presidente Lula dá prioridade absoluta. Porém, a meu ver, esse programa não tem, ainda, a articulação entre as diversas agências públicas e privadas. Essa é uma prioridade que é necessário atacar imediatamente.

Para onde o Brasil quer ir? Qual é o nosso projeto, em termos de produção de agroenergia, o que queremos a curto, médio e longo prazos? Está claramente definido? Estou convencido que não. E isto se aplica, inclusive, às nossas relações internacionais. Nos inúmeros contatos que tive com várias missões internacionais, particularmente, japonesas, questionaram-me sobre a segurança do abastecimento desses mercados. É preciso trabalhar com uma visão de médio e longo prazos, principalmente no caso da agroenergia, porque ela é completamente diferente do petróleo.

Se a demanda pelo petróleo aumenta rapidamente, colocam-se as bombas para extrair mais petróleo imediatamente, porém, se a demanda cai, o petróleo é deixado no poço. Na cana não acontece isso. Uma vez desencadeado o processo de plantio, de montagem de usina, etc, não se pode parar. Da mesma forma, o inverso. O Brasil precisa ter planejamento de médio e longo prazos, envolvendo as várias agências governamentais e as várias representações do segmento produtor, devido aos interesses distintos que perseguem. São vários segmentos que precisam se articular. Sobretudo, é preciso definir uma agenda, uma pauta, uma estratégia de interesse nacional, face à importância desse programa, pois a produção de agroenergia tem todo potencial para se transformar em um elemento fundamental de melhoria do bem-estar do brasileiro. Acho que isto é fundamental e possível.