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José Antonio Bressiani

Diretor P&D da Nuseed Brasil

OpAA86

Cultivares de alto desempenho
O Melhoramento Genético 4.0 é a parte mais importante da tão falada Agricultura 4.0, que agrega o que existe de melhor em termos das tecnologias disponíveis para a produção agrícola e que tem permitido aos nossos produtores obterem ganhos significativos em produtividade com redução nos custos e, ao mesmo tempo, contribuído para o aumento da sustentabilidade socioambiental. 
 
Para culturas como soja, milho e algodão, o melhoramento 4.0 já é realidade há quase duas décadas, e os resultados foram muito impactantes, um verdadeiro divisor de águas. Particularmente para a cana-de-açúcar, por não ser uma cultura de produção global e por não ser cultivada em regiões temperadas, onde se encontram os grandes investimentos em tecnologia, essa realidade iniciou-se bem mais tarde e em velocidade mais lenta, mas com igual potencial para trazer um salto significativo de ganhos genéticos.
 
Como relato de evolução dos programas de melhoramento da cana-de-açúcar, podemos dizer que, até meados da década de 1980, o desenvolvimento de novas variedades dependia quase exclusivamente da experiência de campo acumulada por bons melhoristas – agrônomos e técnicos agrícolas renomados. Nos anos seguintes, os programas começaram a utilizar dos conhecimentos em genética quantitativa e de populações e a aplicar os princípios de experimentação agronômica durante as pesquisas, criando assim o chamado “melhoramento 2.0”. Isso trouxe um aumento significativo nos ganhos genéticos e desenvolveu as cultivares que alavancaram o setor sucroenergético atual e que ainda se encontram em área comercial, onde podemos citar cultivares como RB867515, CTC 4, CTC 15, IACSP95555094, RB966928, RB975242, IACSP955094, IAC9110099, entre outras. 
 
No início dos anos 2000, deu-se início ao melhoramento 3.0. Graças aos avanços na bioinformática, houve um aprimoramento nos conhecimentos de genética e dos modelos matemáticos e a informatização dos processos de coleta e gestão de dados com uso de novos delineamentos estatísticos. O melhoramento 3.0 trouxe um salto significativo no ganho genético e contempla a maioria dos lançamentos recentes dos programas de melhoramento, como CTC série 900, como a IACSP015503, IACCTC077207, IACCTC078008, RB127825, RB075322, RB07818, Vertix 12, e os que ainda irão ocorrer nos próximos anos.

Embora as ferramentas de biotecnologia venham sendo pesquisadas em cana desde os anos 1990, foi a partir de 2010 que elas ganharam destaque e passaram a ser utilizadas buscando o desenvolvimento de produtos comerciais. Iniciou-se então o Melhoramento 4.0, que teve na transgenia o maior esforço inicial. Em paralelo à transgenia, veio a busca por marcadores moleculares, bastante potencializada com o advento da seleção genômica e, mais recentemente, da edição gênica.

A transgenia é uma técnica de melhoramento genético em que genes exógenos (ou da própria planta) são introduzidos (ou superexpressados) no DNA da planta e a planta passa a expressar as proteínas codificadas por esses genes introduzidos/superexpressados na planta, conferindo-lhe características que antes não existiam. O exemplo de maior sucesso no mercado são os genes Bt, que conferem à planta a resistência ao ataque de insetos da ordem das Lepidópteras, como a broca comum, broca gigante, elasmo e a lagarta desfolhadora. 

As primeiras cultivares transgênicas contendo o gene Bt foram lançadas no mercado a partir do final da década de 2020 (CTC 20Bt, CTC9001Bt, entre outras). A expectativa é que essa tecnologia seja adotada por todos os programas de melhoramento no Brasil e que nos próximos 10 anos tenhamos cultivares geneticamente modificadas no mercado conferindo resistência a insetos, não somente à broca, mas também ao bicudo da cana (Sphenophorus levis), principal praga da cana-de-açúcar na atualidade, e a herbicidas, como, por exemplo, o glifosato. 

Contudo, a transgenia em cana-de-açúcar tem o potencial de ir muito além. Como exemplo de mais aplicações possíveis na área da transgenia, relaciono dois projetos que estamos trabalhando na Nuseed/Nufarm. Um deles é um projeto conjunto com o Centro de Cana do IAC, no âmbito do projeto NPOP, liderado pela Dra. Silvana Creste, que busca aumentar a expressão de genes que já existem na cana, mas com pouca expressão. Resultados em campo mostraram um aumento de produtividade entre 15% e 30% dos eventos transgênicos quando comparado a cultivar não transgênica.É claro que, nesse caso, o que foi observado foi que a cultivar transgênica teve uma maior eficiência no uso da água no solo e na planta que levou a uma menor redução na produtividade potencial. 

Um outro exemplo de aplicação da transgenia em cana é o projeto que iniciamos em 2024, também em parceria com o Centro de Cana do IAC e outros centros de pesquisa fora do Brasil, que tem como objetivo no médio/longo prazo ter a cana como fonte de matéria-prima para a produção de óleo, além do açúcar e do etanol já existentes.

As tecnologias de construção gênica também evoluíram de forma que hoje é possível “piramidarmos” em uma única construção genes de tolerância à seca, de resistência a pragas (broca e bicudo) e de tolerância a herbicidas (já pensou?). E ainda podemos utilizar essa cultivar transgênica como parental no programa de melhoramento e selecionar novas cultivares com as características do transgênico parental.

Os marcadores moleculares, objeto de desejo dos melhoristas em geral, evoluíram muito nesta última década com o advento da seleção genômica e estão finalmente sendo aplicados de forma regular em alguns dos nossos programas de melhoramento. Seu potencial é enorme, pois nos permite ser muito mais assertivo tanto na seleção dos parentais na ocasião dos cruzamentos, quanto na seleção precoce dos clones promissores permitindo uma redução significativa no tempo de seleção clonal de uma nova cultivar. 

Historicamente, o ganho genético anual e linear das nossas cultivares está na ordem de 2% ao ano, o que significa que, para um aumento 20% no potencial produtivo, precisamos de 10 anos de pesquisa. A correta utilização dos marcadores moleculares tem o potencial para duplicar ou até triplicar esse ganho genético, o que corresponde a um potencial de ganho de 40% a 60% em 10 anos de pesquisa. 

Por último, e mais recente, temos a ferramenta da edição gênica ou edição genômica que promete revolucionar os programas de melhoramento genético de plantas e animais. Hoje, a edição gênica já é uma realidade no melhoramento genético de microrganismos. Através da edição gênica será possível ativar, silenciar e modificar o DNA alterando as proteínas que serão produzidas quando da sua transcrição. 

O pesquisador Dr. Hugo Molinari, da Embrapa, obteve a primeira planta editada de cana no Brasil em 2021. Para validar a tecnologia, ele alterou o DNA da planta sem a inclusão de DNA exógeno, o que provocou o silenciamento do gene, levando à não produção da proteína correspondente durante a transcrição. Um ponto positivo para essa tecnologia é que ela não inclui DNA exógeno na planta e, portanto, a planta obtida não é considerada como transgênica. 

Os usos são infinitos. Em tese, é possível ligar e desligar genes simples num primeiro momento e, na medida que o conhecimento evolui, será possível trabalhar para aumentar/diminuir a expressão de rotas metabólicas inteiras como teor de açúcar, produtividade, resistência a seca, a pragas, doenças e por aí vai.

Gostaria de deixar a mensagem de otimismo da contribuição presente e futura dos programas de melhoramento de cana-de-açúcar para com nosso setor. Num momento de custos altos e preços baixos e de aumento na competição por outras matérias-primas, é fundamental que sempre utilizemos as novas cultivares de cana-de-açúcar em plantio comercial. Elas sempre terão o maior potencial produtivo e a maior adaptabilidade ambiental e, certamente, trarão o maior retorno econômico com a maior sustentabilidade.