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Luiz Augusto Horta Nogueira

Catedrático da Fundação Memorial da América Latina e da Universidade Federal de Itajubá

Op-AA-10

Etanol da cana-de-açúcar como combustível na América Central

O crescente interesse pelo etanol como combustível na América Central decorre, basicamente, da elevada dependência de combustíveis líquidos importados e da clara potencialidade local para a produção de biocombustíveis. Este artigo apresenta uma avaliação técnica e econômica para introdução do etanol em mesclas com gasolina (gasohol), em seis países da América Central: Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá, explorando diferentes cenários de produção do etanol, a partir do melaço e do caldo da cana-de-açúcar, e de sua utilização - em teores de 10 a 25% na gasolina, comparando as dimensões relativas da indústria de açúcar e da frota veicular consumidora de gasohol.

Os principais resultados são:

a. Apenas usando o mel residual disponível a partir da atual produção de açúcar, com um rendimento de 6 litros de etanol por tonelada de cana processada, a partir do qual poderiam ser produzidos por ano aproximadamente 183 milhões de litros de etanol anidro (5,3% da atual demanda por gasolina) e

b. Pretendendo utilizar gasohol com 10% do etanol, pelo uso direto do caldo, considerando uma produtividade de 75 toneladas de cana por hectare e um rendimento industrial de 70 litros de etanol por tonelada de cana, seria necessário um plantio adicional de cerca de 65 mil hectares, correspondente a um aumento de 16% na área atualmente cultivada.


A situação varia de acordo com o país e o contexto observado na Guatemala, em El Salvador e na Costa Rica parece ser mais favorável para promover, imediatamente, programas de gasohol. Neste trabalho, também são avaliados alguns indicadores de impacto, mostrando que a opção pelo gasohol merece ser seriamente considerada.

Introdução: Em poucas regiões do mundo, as condições para introdução do etanol na matriz energética são tão convincentes como na América Central. Nesta região, cuja dependência por combustível liquido importado é quase total, significando gastos superiores a 3 bilhões de dólares em 2005, existe uma evidente aptidão edafoclimática para a produção de cana-de-açúcar, uma das matérias-primas de maior potencial para a produção de biocombustível.

De fato, a cana-de-açúcar tem sido cultivada nestes países por séculos e a tecnologia alcooleira já é largamente aplicada para a produção de bebidas.

Dessa forma, é compreensível a motivação em explorar as perspectivas e a viabilidade do uso do etanol nesta região. Certamente, o interesse pelo etanol como combustível não é novo na América Central. Por volta de vinte anos atrás, estimulados pelo programa brasileiro, houve tentativas de introduzir o uso do etanol combustível em alguns países, sem continuidade.


Naquela época, Costa Rica, El Salvador e Guatemala desenvolveram experiências de uso comercial do gasohol, que não foram adiante por problemas relacionados à qualidade do combustível, por questões de gerenciamento e, principalmente, pela redução do preço do petróleo, a partir de 1985. Contudo, esses países preservaram a sua capacitação técnica nesse campo e, em alguns casos, a capacidade de produção também foi preservada.

Atualmente, a América Central exporta etanol anidro aos Estados Unidos, para ser usado como aditivo na gasolina americana, mercado ao qual os exportadores centro-americanos têm acesso em condições relativamente favorecidas, em comparação aos demais países produtores. Com o propósito de avaliar melhor este contexto e promover condições básicas do uso do etanol nos paises da América Central, a CEPAL, Comissão Econômica para América Latina e do Caribe, apoiada pela agência alemã de cooperação técnica, GTZ, e em articulação com instituições nacionais no campo da energia e dos combustíveis, realizou um conjunto de estudos para quantificar e detectar os potenciais.

Aspectos relevantes da tecnologia do Etanol: Destacando-se entre todas as fontes renováveis de energia, o etanol de cana representa uma das alternativas mais importantes, por sua magnitude e efetiva sustentabilidade, para atender à transição dos sistemas energéticos modernos, para formas mais racionais de suprimento energético.

O etanol da cana-de-açúcar ou do milho é consumido em motores de veículos em vários países desenvolvidos e em desenvolvimento, basicamente por suas vantagens ambientais, mas com importantes efeitos associados: criação de empregos, cogeração de energia elétrica, diversificação na agroindústria e redução da dependência energética, entre outros. Ao considerar a possibilidade da adoção da agroindústria canavieira como supridora de energia em contextos similares ao brasileiro, é relevante observar que a evolução tecnológica na produção da cana-de-açúcar e etanol no Brasil nas últimas décadas permitiu a extensão do período de safra e logrou importantes ganhos de produtividade.

Como conseqüência desses avanços, duas características determinantes da produção brasileira de etanol devem ser mencionadas: o balanço energético superavitário na agroindústria, com a produção de cerca de 8 a 10 unidades de energia por unidade de energia consumida e o declínio do custo, que levou a preços do etanol competitivos aos derivados de petróleo, sem subsídios.

Observe-se que ainda existe espaço para novos e elevados ganhos de produtividade, por exemplo mediante a adoção de processos de hidrólise do bagaço e o incremento da cogeração para a produção de energia elétrica. Veja no quadro a evolução da produção de etanol e dos preços para os produtores, sem taxas. A utilização do etanol em misturas com gasolina não apresenta quaisquer problemas técnicos para os modernos motores de combustão interna em teores até 10%, e apenas para teores mais elevados pequenas modificações podem ser necessárias.


Neste sentido, é oportuno observar que a frota veicular brasileira vem utilizando etanol regularmente, desde os anos 30, quando uma lei federal obrigou a mistura de pelo menos 5% de etanol na gasolina vendida nos postos de serviço.

Desde então, toda a gasolina comercializada no Brasil apresenta, obrigatoriamente, etanol - atualmente entre 20 e 25%, fazendo com que toda a frota veículos leves nesse país, hoje com mais de 20 milhões, empregue normalmente este biocombustível, seja puro (hidratado) ou anidro, no gasohol.


Como indicador cabal da maturidade do emprego do etanol como combustível, as associações de montadoras da América, Europa e Japão consideram regular o uso de 10% de etanol na gasolina, como aditivo, para melhorar sua octanagem e reduzir as emissões veiculares.

A rigorosa especificação brasileira para o etanol (ANP, 2002) deve ser considerada como um importante elemento para assegurar desempenho apropriado e satisfatório. Com a introdução dos motores Flexible Fuel em 2003, capazes de usar qualquer mistura de etanol e gasolina.

O etanol puro hidratado tem despertado um renovado interesse e atualmente estes modelos representam, aproximadamente, 70% do mercado de carros novos.

Agroindústria do açúcar e demanda de gasolina na América Central: Na América Central, existem cerca de 400 mil ha cultivados com cana-de-açúcar - 2% das terras agriculturáveis na região, que produzem anualmente mais de 3.500 mil toneladas de cana. A Guatemala responde pela metade da produção na região. Os dados básicos da indústria de açúcar centro-americana, para a safra 01/02, a demanda de gasolina e o custo em divisas da importação desse combustível em 2002 são apresentadas na Tabela 1, indicando o atual potencial de produção de etanol e seu uso.


Como média, a produtividade agrícola e industrial na região é de, respectivamente, 75 t/ha e 101 kg/t, parâmetros que podem ser considerados bons e comparáveis às agroindústrias brasileiras. Na América Central, existem 58 usinas de açúcar, com uma capacidade total de moagem em torno de 267 mil toneladas de cana-de-açúcar por dia. Entre estas plantas industriais, 13 são de grande porte, capazes de processar aproximadamente 6.000 toneladas de cana-de-açúcar diariamente, o que corres-ponde a quase metade da capacidade regional de processamento de cana.

Cenários e resultados: Levando em conta as diferentes rotas tecnológicas para a produção de etanol, diversos cenários foram estudados, sendo dois deles (conservador e etanol direto) apresentados a seguir, considerando os parâmetros da Tabela 2.

Combinando estes parâmetros com os dados da Tabela 1, foi possível determinar a disponibilidade potencial do etanol e a fração de mercado de gasolina correspondente, em cada cenário. Este procedimento permite comparar, para cada tecnologia e cenário, a dimensão relativa da agroindústria e a dimensão da frota, para cada um dos países. Os resultados para o cenário conservador e de etanol direto constam da Tabela 3 e 4, respectivamente. Mais detalhes, poderiam ser encontrados no relatório completo do estudo (CEPAL, 2004).

Para os resultados do cenário conservador, pode-se observar que, em média, para América Central, pode ser produzido etanol bastante para suprir 5% da demanda de gasolina, sem redução na produção açúcar, e com a mesma quantidade de cana processada, seria possível, anualmente, uma economia de aproximadamente 40 milhões de dólares, segundo valores estudados em 2004.

Para o cenário do etanol direto, que supõe uma demanda de etanol igual a 10% da demanda de gasolina, com 10% de cana adicional, poderia ser produzida tal quantidade de biocombustível, permitindo a redução das despesas com importações em quase 75 milhões de dólares. Estas tabelas permitem verificar a situação para os diferentes países.

Comentários finais e conclusões: Como um claro sinal que a América Central está consciente de seu potencial em etanol, não somente para exportação, mas também para o mercado interno, diversas usinas de açúcar da região reuniram-se e lançaram um programa para promover o uso e a produção de etanol (ACRC, 2004).

Em alguns países, como Costa Rica, El Salvador e Guatemala, as condições são favoráveis e a introdução comercial de misturas de gasohol é objeto de projetos piloto ou é aguardada em médio prazo, estando em ativo desenvolvimento o marco legal que dê o necessário suporte para estas iniciativas.


Encontram-se, atualmente, em desenvolvi-mento, também promovidos pela CEPAL, estudos de caráter econômico mais detalhados, visando determinar as condições de viabilidade para a expansão da agroindústria canavieira centro-americana, no sentido de produzir etanol e atender ao mercado interno.

Os resultados preliminares confirmam as expectativas de atratividade e mostram que, nas configurações de preços e custos, observadas nos últimos anos, a decisão de implementar a produção e o uso de etanol encontra-se suficientemente fundamentada por indicadores de viabilidade econômica, inclusive porque os custos não devem ser essencialmente diferentes dos observados no Brasil. Assim, de acordo com a avaliação desenvolvida no presente estudo e outras em curso, existem suficientes indicações de que a produção e a utilização de etanol nos países centro-americanos pode ser uma alternativa muito interessante para promover a renda nacional, geração de emprego, independência energética e flexibilidade agroindustrial.

Nesse sentido, é importante consolidar o marco institucional e orientar o posicionamento consistente dos órgãos de governo na definição de um programa para a introdução do etanol, sendo crucial a comunicação social para se conseguir o necessário consenso e obter uma participação balanceada dos custos. O etanol não pode ser considerado uma panacéia, mas seguramente sua implementação poderia ser uma alavanca importante para um sustentável desenvolvimento econômico, ambiental e social.