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José Goldemberg

Professor do Instituto de Eletrotécnica da USP

Op-AA-09

A expansão da indústria alcooleira e sua relação com o meio ambiente

Um quarto do petróleo retirado do subsolo terrestre alimenta os cerca de 700 milhões de veículos, o que contribui, de forma significativa, para o aumento das emissões de gases de efeito estufa e para o desequilíbrio do clima do planeta. As cada vez mais escassas reservas mundiais de petróleo concentram-se em poucos países, com altos riscos geopolíticos.

Conflitos entre países e aumentos no preço do petróleo refletem essa realidade, sendo necessária e urgente a busca de alternativas energéticas distribuídas e em larga escala. Uma das melhores soluções disponíveis é o etanol de cana-de-açúcar, por poder ser produzido em vários países - principalmente em desenvolvimento, por ter um rendimento energético extremamente favorável (de 8 a 10 unidades de energia renovável, obtidas para cada unidade de energia fóssil aplicada) e pela avançada tecnologia de veículos flex, que dá liberdade ao mercado.

Após 30 anos de Proálcool - criado na crise do petróleo, o custo de produção do etanol brasileiro é inferior ao dos concorrentes e até ao da gasolina, em preços internacionais. Aproximadamente uma centena de países já produzem cana-de-açúcar e podem produzir etanol para seu consumo interno, substituindo importações de petróleo e derivados, ou externo, obtendo receitas com a exportação, o que lhes propiciarão empregos locais e melhores opções de desenvolvimento.

Mesmo países que não possuem terras férteis e clima favorável à cana-de-açúcar, como o Japão, por exemplo, podem direcionar suas pesquisas tecnológicas para lucrar com a indústria do etanol e com os modernos veículos flex, com menor emissão de poluentes. Maiores ganhos na curva de aprendizado dos biocombustíveis significam reduzir a dependência em relação ao petróleo e diminuir as emissões de gases de efeito estufa.

Com experiência e liderança mundialmente reconhecida no setor, o Brasil de hoje se defronta com um forte aumento nas demandas interna e externa de bioetanol, o que se traduz em pressões por aumento na produtividade e na expansão do uso da terra, por plantações de cana-de-açúcar. O Estado de São Paulo, de onde sai 63% de toda a produção nacional de cana, trata com bastante seriedade os impactos ambientais dessa cultura.

Afinal, tanto os consumidores no exterior, quanto a sociedade paulista exigem melhores práticas ambientais, como a eliminação da queima através da mecanização da colheita, a disposição controlada de vinhaça no solo para fertilização e novas tecnologias industriais, como a recirculação de água e a obtenção de excedentes de energia renovável, pela cogeração do bagaço da cana-de-açúcar.

A cana de açúcar é um produto que requer, relativamente, pouca terra para produzir muita energia, na forma de açúcar, de álcool ou de bagaço. Não é preciso desmatar para plantar cana, nem reduzir a produção de alimentos. Com boas práticas agrícolas é perfeitamente possível a expansão sustentável da cultura da cana. Por exemplo, dos 22 milhões de hectares de terras no Estado de São Paulo, as florestas, atualmente, ocupam 19%, as culturas ocupam cerca de 35% e as pastagens 46%.

A cana-de-açúcar ocupa 3,6 millhões de hectares de terra no Estado e há planos para aumentar essa extensão em 50%, nos próximos 5 anos, preferencialmente substituindo pastagens extensivas com ganhos de produtividade. As matas são preservadas e as autoridades ambientais não poupam esforços para a recuperação de áreas destinadas à Reserva Legal, pelo Código Florestal.

Biocombustíveis não podem ser indutores de desmatamentos, nem predatoriamente competir por alimentos. É preciso que produtores tenham consciência da má repercussão que episódios de impactos ambientais negativos podem gerar. Esse foi o caso, por exemplo, da intenção de se instalar uma usina junto ao Pantanal matogrossense.

Tais notícias, muitas vezes, colocam na mesma categoria as boas práticas e as patologias. Com certa freqüência, convertem-se em justificativas para políticas protecionistas, como a criação de barreiras técnicas às importações de produtos agrícolas dos países em desenvolvimento. Dentre os principais mitos sobre o etanol de cana-de-açúcar, que precisam ser devidamente combatidos, estão os de que:

a. a experiência brasileira é única;
b. o etanol é mais poluente e incompatível com as frotas existentes de automóveis;
c. o etanol possui baixo rendimento energético em seu ciclo de vida;
d. a produção de biocombustíveis envolve logísticas complexas;
e. o etanol compete com alimentos pelo uso da terra e é produzido por práticas insustentáveis, inclusive desmatamentos;
f. para não destruir a agricultura local, biocombustíveis devem ser produzidos somente domesticamente, com subsídios permanentes e mantendo-se as barreiras às importações e que;
g. bastam medidas de conservação de energia para preservar as reservas de combustíveis fósseis e atingir as metas do Protocolo de Quioto.

A expansão sustentável da cultura da cana é algo plenamente factível e o Brasil precisa dar o melhor exemplo ao mundo, difundindo por outros países sua experiência positiva e contribuindo para substituir uma parte substancial da energia de origem fóssil, utilizada nos setores de transportes e de produção de eletricidade. A criação de certificados ambientais - rotulagem, é um passo importante, mas a melhor forma de se garantir, em nível local, que práticas sustentáveis sejam aplicadas ainda é o licenciamento ambiental. Nossa legislação é bastante completa nesse aspecto, sendo necessário racionalizar os recursos públicos para a sua devida execução.