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Tecila Cristina Ferracino de Souza

Engenheira agrônoma de P&D da Stoller

Op-AA-56

Grande vilão invisível
Em um contexto mundial e nacional de maior consciência da sociedade sobre cuidados com o meio ambiente, a indústria sucroenergética assume um importante papel no País por fornecer grandes alternativas para o setor de biocombustíveis, com a produção de etanol e seus subprodutos provenientes da cana-de-açúcar. O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, mostrando sua importância para a economia do País, e segue com o cenário promissor para produção e exportação de etanol para os próximos anos.
 
Diante desse cenário, o principal desafio está em aumentar a produtividade das áreas já existentes, elevando o rendimento da produção da cultura no Brasil. Para maximizar a produtividade no campo, uma série de procedimentos são importantes no processo do cultivo da cana, sendo parte deles orientados para minimizar os fatores de perdas e obtenção de maiores potenciais produtivos. 
 
Um dos principais fatores de perdas no manejo da cultura é a sanidade do canavial, por isso é cada vez mais necessário estar atento à ocorrência e às infestações de organismos que depreciam a produção e a qualidade da cana-de-açúcar, afetando negativamente os produtos finais e o lucro na atividade.

Podemos dividir esses organismos em insetos que são mais conhecidos como pragas (broca-da-cana, cigarrinhas-das-raízes, sphenophorus, cupins), os patógenos causadores de doenças, como os fungos, as bactérias e os vírus (mosaico, estrias vermelhas, raquitismo, carvão, ferrugem, podridões) e os parasitas de plantas, denominados nematoides. O primeiro relato de um nematoide parasita de plantas correu por Turbeville Needham, no século XVIII, em trigo. 
 
Porém foi no século XIX que a Nematologia passou a se destacar como especialidade, gerando grande volume de publicações, as quais contribuíram para identificação e descrição de inúmeras espécies de nematoides no mundo. No Brasil, foi em 1950 que a especialidade começou a apresentar grande destaque, em especial através das contribuições de Jair Corrêa de Carvalho (Instituto Biológico-SP), Olavo José Boock (Instituto Agronômico de Campinas-SP) e Luiz Gonzaga Engelberg Lordello (Esalq-USP-SP). Além deles, muitos outros cientistas trabalharam para confirmar a nematologia de plantas como uma ciência de grande importância para a agricultura.
 
As perdas anuais causadas por nematoides em solos brasileiros, considerando todas as culturas, contabilizam prejuízos de R$ 35 bilhões, sendo o segundo maior prejuízo encontrado em cana-de-açúcar, girando em torno de R$ 12 bilhões. Considerando o preço atual da tonelada de cana (R$ 63,8) esse valor equivale à produção de 188 milhões de toneladas que são perdidas anualmente. 
 
Em cana-de-açúcar, as espécies de nematoides de maior importância e que causam grandes danos são Meloidogyne javanica, M. incognita (mais severo) e Pratylenchus zeae (mais comum), estando essas três espécies presentes em mais de 70% das áreas de cultivo de cana-de-açúcar no País. 
 
Sabe-se que esses organismos causam perdas de até 50% da produtividade em cana planta e 30% na soqueira, refletindo de forma negativa grave no potencial produtivo das soqueiras subsequentes, afetando diretamente a longevidade do canavial. Nematoides penetram nas raízes das plantas para se alimentarem, e a movimentação nos tecidos vegetais podem causar danos mecânicos, gerando as necroses no sistema radicular.

Também existem os danos causados à planta pela ação tóxica das substâncias injetadas pelos nematoides nas plantas, que acabam formando as galhas nas raízes (M. javanica e M. incognita). Todos esses danos são porta de entrada para ataque de outros patógenos, como fungos e bactérias. Além disso, o ataque desses parasitas estressa por demais as plantas, levando-as a produzir etileno, um hormônio que inibe o desenvolvimento do sistema radicular, causando sérios problemas de desequilíbrio hormonal, com as consequências graves conhecidas em plantas colonizadas por nematoides. 
 
Os nematoides não possuem distribuição uniforme no campo; dessa forma, os sintomas aparecem em reboleiras de plantas menores e cloróticas, desuniformidade de desenvolvimento das touceiras, com sintomas mais evidentes de deficiências nutricionais, menor resistência aos períodos de seca, resultando na redução significativa de produtividade e de longevidade do canavial. Isso ocorre como reflexo do ataque dos nematoides ao sistema radicular, que é o maior capital da planta devido à sua importância em funções essenciais para o desenvolvimento da cultura no campo. Canaviais com alta infestação de nematoides terão raízes deficientes na absorção de água, de nutrientes e de produção hormonal, afetando diretamente a produtividade final.
 
O controle de nematoides pode ser realizado pela adoção de um manejo integrado com diferentes ferramentas de controle, como o uso de variedades resistentes ou tolerantes, já utilizados em outras culturas. No entanto tais ferramentas ainda são raras para o controle das principais espécies que atacam a cana-de-açúcar; como exceção, temos a IACSP93-3046, que é resistente a M. javanica, contudo é suscetível aos demais nematoides P. zeae e M. incognita, restringindo, assim, o seu uso comercial, uma vez que é muito comum a ocorrência de mais de uma espécie de nematoides na mesma área. 
 
Dentro do manejo integrado de nematoides, também se recomenda a melhoria da qualidade química, física e biológica do solo, assim como o uso de cobertura vegetal com crotalária (Crotalaria spectabilis e C. juncea). O uso de torta de filtro no plantio e cultivo de crotalária, nas áreas de reforma em sistema tradicional ou no sistema de Meiosi (Método Inter-rotacional Ocorrendo Simultaneamente), são medidas que auxiliam no melhor desenvolvimento da cana-de-açúcar que será plantada, reduzindo, ao final, as perdas de produtividade.
 
A aplicação de nematicidas químicos vem sendo a principal ferramenta em cana-de-açúcar, com recomendação de aplicação no plantio sobre os toletes e nas soqueiras ao lado ou sobre a linha de cana. Trabalhos do Instituto Agronômico de Campinas mostram que esse controle resulta em ganhos médios de 28 t/ha em cana planta e 16,7 t/ha em soqueira. Para se fazer uso dessa tecnologia, deve-se considerar o nível de infestação na área, a época de aplicação e o potencial produtivo da cultura. 
 
Nos últimos anos, o uso de tecnologias biológicas vem assumindo importante papel no controle de nematoides nos canaviais brasileiros, com alta eficiência de controle e estabilidade de respostas em diferentes ambientes de produção. Atualmente, no mercado, como nematicidas biológicos de controle direto, tem-se: fungos parasitas de ovos, fungos predadores (com estruturas para captura de juvenis e adultos móveis) e bactérias formadoras de esporos.
 
Trabalhos da Universidade de Viçosa mostram que o fungo Pochonia chlamydosporia (PC10) apresenta alta virulência aos nematoides, boa permanência no solo em condições adversas, alta capacidade de se reproduzir e estabilidade nos resultados de controle de nematoides, através do parasitismo de ovos e formas juvenis de diferentes espécies desses parasitas. Experimentos conduzidos pela pesquisadora Leila Dinardo Miranda, do Instituto Agronômico de Campinas, com o fungo P. chlamydosporia,
 
aplicado no sulco de plantio sobre os toletes de cana, mostraram eficiência de controle de P. zeae semelhante ao químico, com a vantagem de menor impacto ambiental e na saúde humana.Finalmente, para se ter um adequado uso dessas ferramentas de controle, é relevante fazer a identificação das áreas com problemas de nematoides, através do levantamento da população existente com análises do sistema radicular e do solo, em laboratórios credenciados.