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José Eduardo Holler Branco

Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola de Engenharia da USP-São Carlos

Op-AA-57

O papel da logística na competitividade
Coautores: Especialistas em Logística Agroindustrial: José Vicente Caixeta Filho (Esalq-USP) e Thiago Guilherme Péra (Esalq-USP), coordenador-geral e coordenador técnico da Esalq-LOG, respectivamente, e Carlos Eduardo Osório Xavier (UFScar).

O lançamento do programa RenovaBio e a expectativa de um novo governo mais engajado com a sustentabilidade da produção industrial estão reascendendo os ânimos dos diversos agentes do setor sucroenergético, que começam a se movimentar com o objetivo de realizar investimentos para ampliação de sua capacidade industrial e/ou modernizar os seus sistemas produtivos.

Embora se vivencie um cenário macroeconômico um pouco mais otimista, o setor ainda convive com o desafio da otimização de processos e da redução de custos, indispensáveis para a competividade dessa cadeia produtiva. Também é consenso entre os especialistas que a logística terá papel central nesse desafio. Não é de hoje que grandes esforços vêm sendo dedicados pelas usinas para otimizar o sistema logístico, mas as oportunidades de redução de custos ainda são muitas. 
 
O dinamismo tecnológico, as variações nos preços de insumos logísticos, mudanças nos marcos legais que afetam as operações, as movimentações e aquisições e mudanças na malha de transportes sugerem que a otimização da logística deve ser uma busca contínua, sendo o esforço direcionado para essa finalidade um diferencial competitivo muito importante das empresas sucroenergéticas nos próximos anos.
 
Antes de discutir sobre os aspectos logísticos que merecem ser trabalhados para a redução de custos, é importante ampliar a visão sobre a gestão logística, que não tem foco apenas no transporte e na armazenagem de açúcar e etanol: contribui de maneira plena quando aplicada em toda a cadeia produtiva, tendo como objetivo maximizar a capacidade de criação de valor das operações, de forma holística.  
 
Sendo assim, pretende-se discutir, neste artigo, alguns aspectos logísticos que apresentam grande potencial para redução de custos nesse setor. Partindo da análise da logística inbound, que tem como principal desafio garantir o abastecimento contínuo e regular de cana-de-açúcar nas usinas, merecem atenção as operações de transporte: 
 
1.) transporte de cana até as moendas e de mudas para plantio;
2.)  de resíduos industriais (torta de filtro e vinhaça) para uso agrícola;
3.) de pessoas até o campo;
4.) de máquinas agrícolas utilizando caminhões; e
5.) de insumos agrícolas dos almoxarifados até o campo.

Segundo resultados do projeto Qualicana, da Embrapa, as atividades de transporte representam aproximadamente 40% dos custos econômicos e 50% do consumo de diesel das operações agrícolas, sendo que 70% do custo dessas operações são decorrentes do transporte de cana e mudas. Além da sua importância em termos de custos, a boa gestão das atividades de transporte é fundamental para garantir a sincronização das operações agrícolas.
 
Tendo em vista esse cenário, recomenda-se que a otimização da logística inbound seja trabalhada de forma integrada: definição da configuração da operação de Corte, Transbordo e Transporte (CTT), que minimiza os custos dos equipamentos; planejamento da colheita visando maximizar o teor de ATR colhido; determinação da configuração espacial das áreas de abastecimento de cana, buscando alcançar o menor custo de plantio, transporte, colheita e produção.

Em outras palavras, a gestão da logística inbound tem como desafio responder em quais regiões deve-se produzir cada classe de variedades de cana-de-açúcar, quando devem ser plantadas, colhidas, quais os tipos e a quantidade dos equipamentos e pessoas que devem ser alocados para realizarem as operações agrícolas e como realizar essa operação, tendo como objetivo principal atingir o menor custo possível do ATR entregue nas usinas. Para essa finalidade, recomenda-se que os profissionais da área de planejamento logístico façam o uso de modelos matemáticos para auxiliar na otimização e na simulação dos sistemas da logística inbound, cada vez mais complexos.
 
Merecem destaque dois fatores que vêm onerando por demais os custos de CTT: o aumento do preço do diesel e a intensificação do controle de sobrepeso no transporte de cana. Esse novo cenário está forçando o setor a buscar novas soluções para aumentar a eficiência energética e a capacidade de carga dos caminhões. Nesse sentido, em 2017, foi anunciada uma portaria do Contran autorizando o tráfego dos novos modelos de rodotrem de onze eixos, com Peso Bruto Total Combinado (PBTC) de 92 toneladas. 
 
Outra solução que vem sendo discutida pelos especialistas é o uso da ferrovia para o transporte de cana.  Há um bom tempo, os australianos fazem amplo uso das ferrovias para o transporte de cana: por volta de 18 usinas das 24 existentes no país utilizam a ferrovia para o transporte de cana por meio de uma malha de quatro mil quilômetros. Esse modelo australiano bem-sucedido nos faz indagar por que o Brasil também não faz o uso da ferrovia para a movimentação de cana? Ainda mais sabendo que existem importantes trechos ferroviários, em operação ou desativados, que atravessam regiões com grande densidade de canaviais.
 
Registros históricos apontam que, no século XIX, as ferrovias eram utilizadas para transportar cana na região de Piracicaba. Embora o transporte ferroviário de cana não se tenha consolidado devido à priorização do transporte de cargas mais densas envolvendo médias e longas distâncias, é uma solução que merece ser investigada com atenção, por uma série de razões:
1.) existe uma tendência legislativa e regulatória mais restritiva às operações de transporte rodoviário que estão resultando em custos maiores (por exemplo, intensificação do controle de peso, novas exigências de segurança, tabela mínima de fretes, etc.);
2.) a política do RenovaBio beneficia os produtores de biocombustível que são mais eficientes do ponto de vista ambiental, de forma que o uso de um modal de transporte mais eficiente pode contribuir para ganhos de créditos de carbono (CBIOs) oferecidos pelo programa.

Ademais, quem sabe não seria possível consolidar uma malha eletrificada que seria suprida pelas próprias unidades de cogeração das usinas de cana-de-açúcar, reduzindo ainda mais o consumo do óleo diesel e emissões de gases de efeito estufa nas operações de CTT?
 
Mudando o foco para a logística outbound, que envolve a entrega dos produtos acabados, alterações recentes no sistema de transporte de cargas devem impactar nessa logística. Um primeiro fato que deve ser considerado é a tabela de fretes mínimos. Apesar de ser uma solução pouco adequada, que deve acarretar distorções no mercado de fretes, a Medida Provisória 832, que estabelece um preço mínimo para o transporte rodoviário, foi aprovada pelo Congresso no dia 4 de julho de 2018.

Essa medida tende a acarretar um aumento nos fretes, o que pode viabilizar a operação de frota própria das usinas no transporte de etanol e açúcar, havendo a possibilidade, inclusive, de usar os cavalos mecânicos dos caminhões canavieiros no período de entressafra. 
 
Por fim, cabe mencionar a logística 4.0. É esperado que o uso de Inteligência Artifical e de Big Data ganhe espaço nas empresas do setor sucroenergético nos próximos anos. Essa nova onda tecnológica permitirá o compartilhamento de informações em tempo real a respeito das operações de CTT e de transporte, proporcionando um maior controle operacional, uma melhor sincronização e uma tomada de decisão ágil, resultando em menores desperdícios logísticos. Verifica-se, a partir dessa discussão, que o campo para redução de custos nas operações logísticas das empresas sucroenergéticas permanece bastante amplo, sendo que a “boa logística” terá um papel chave na competitividade do setor ao longo dos próximos anos.