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Adriano José Pires Rodrigues

Diretor-geral da CBIE - Centro Brasileiro de Infraestrutura

Op-AA-54

O setor sucroenergético tem urgência
O tão aguardado programa RenovaBio,  lançado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em dezembro de 2016, destinado a alavancar a indústria de biocombustíveis do País, ainda se encontra em compasso de espera, mesmo após três meses da data inicialmente prevista para seu envio ao Congresso.

Até hoje, nenhuma data foi marcada para o envio do projeto, e, provavelmente, não será neste ano, pois, como o presidente afirmou recentemente em uma reunião entre as partes interessadas, ainda precisam ser feitos estudos de impacto sobre o programa. O RenovaBio foi desenvolvido para adotar uma abordagem radicalmente nova para o setor de biocombustíveis, ao focar na ampliação da produção e do uso desses combustíveis no Brasil.

Muitos dos objetivos associados ao programa unem-se aos compromissos assumidos pelo País na COP21, realizada em Paris em dezembro de 2015. Entre outros compromissos assumidos na conferência Intended Nationally Determined Contributions – INDCs, o Brasil tem como objetivo, até 2030, reduzir as emissões de gases de efeito estufa – GEE, em 43% em relação aos níveis de 2005, e ter a energia renovável representando 45% da matriz energética do País, com os biocombustíveis na casa dos 18% dessa matriz.
 
Para conseguir atingir essa meta, o planejador energético nacional vem trabalhando na elaboração de mecanismos que atribuam, de forma efetiva, classificações de Intensidade de Carbono – CI, aos combustíveis de transporte, com base nas classificações nos processos de produção de cada produtor de biocombustíveis, e na medida em que reduzem a emissão de GEE.

Esse planejamento também busca exigir que os distribuidores de combustível atinjam determinados objetivos de redução de emissão de GEE com base nos combustíveis que estão vendendo. Ou seja, além dos mandatos de mistura atuais para o etanol anidro e o biodiesel, o governo busca alavancar as vendas dos biocombustíveis, incentivando os distribuidores de combustíveis a aumentar suas vendas de etanol hidratado.
 
Após um período de consulta pública, no início de 2017, o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, criou, no início de junho, um grupo de trabalho para elaborar o marco legal dos biocombustíveis, que ainda aguarda debate no Congresso. O sistema de classificação CI é a principal inovação desse documento e é fortemente influenciado pelo padrão de combustíveis de baixa emissão de carbono adotado pelo estado da Califórnia (LCFS), nos EUA. Inclusive, esse padrão reconhece o etanol de cana-de-açúcar como biocombustível avançado e atribui ao etanol brasileiro uma classificação de CI mais baixa do que o etanol de milho norte-americano. O que representa um grande potencial de mercado para o nosso etanol. 
 
A Oil Price Information Service – OPIS, da empresa IHS Markit, avaliou, em meados de junho de 2017, que os pontos CI ($/CI) no LCFS foram, em média, de US$ 0,006315, computando uma classificação CI de 79,9 gramas de CO2 equivalente/Megajoule para o etanol de milho, e uma classificação CI de 45,9 para o etanol de cana-de-açúcar do Brasil.

Essa diferença na classificação CI para os dois combustíveis se traduziu em um prêmio de 21,5 centavos/galão para o etanol de cana. Esse tipo de prêmio aufere uma vantagem significativa ao etanol brasileiro em um dos maiores mercados mundiais de combustíveis, fato que deve ser levado em conta pelo planejador brasileiro no momento da especificação da classificação CI do RenovaBio, para que seja o mais harmônica possível com esse mercado.
 
Espera-se que o modelo brasileiro, para atender às metas de redução de GEE por parte dos distribuidores, seja baseado na compra de Certificado da Produção Eficiente de Biocombustíveis – ?,  de usinas de etanol e plantas de biodiesel. O número de CBios que cada produtor de biocombustíveis tem para oferecer dependerá do próprio biocombustível e da eficiência do produtor quanto à redução de emissões de gases de efeito estufa.

A relação entre o número de certificados que os distribuidores precisam comprar e o número de certificados disponíveis em um determinado ano determinará o preço dos CBios no mercado, e será controlada pela ANP e definida anualmente pelo CNPE. A compra e a venda de CBios ocorrerá diretamente entre produtores e distribuidores e, também, poderá ser negociado na Brasil Bolsa Balcão – [B]3.
 
Do ponto de vista operacional, ainda que o texto do programa aguarde discussão no Congresso, alguns avanços foram feitos nos últimos três meses. A Empresa de Pesquisa Energética – EPE, lançou no final de agosto um fluxograma detalhando todos os agentes envolvidos, as ações que serão realizadas por cada um deles, os documentos que serão emitidos e as ferramentas que serão utilizadas para tal.

Também já foi divulgada a calculadora do programa (RenovaCalc) pela qual será possível medir e gerar as notas para as usinas e, consequentemente, determinar quantos créditos poderão ser emitidos a cada volume vendido de etanol com os CBios. A expectativa com os desdobramentos do programa é grande e seu pontapé inicial deve acontecer o mais rápido possível para beneficiar o setor, uma vez que o RenovaBio pode impulsionar os investimentos no atual período de crise, podendo marcar um retorno desses investimentos mais vigorosos no setor. Isso porque um grande volume de capital será necessário para expandir a capacidade de produção e aumentar a área cultivada, para que se dê conta da demanda potencial crescente pelos biocombustíveis, com destaque para o etanol. 
 
Apesar do grande potencial do RenovaBio e do grande potencial de mercado, o programa pode sofrer grande reveses, pois a indústria sucroalcooleira vem passando por um prolongado período de crise. A produção de etanol estagnou nos últimos anos, já que o governo anterior, em um esforço fracassado para combater a inflação, reduziu os preços dos combustíveis, o que levou os produtores de cana a produzir mais açúcar. A política imprevisível de preços dos combustíveis distorceu os mercados, desencorajou o investimento e forçou dezenas de fábricas a fecharem. Portanto, ainda que o programa vise à ampliação da participação dos biocombustíveis na matriz energética, desconsiderar essa questão é colocar todo o programa RenovaBio em risco. 
 
Até que a indústria sucroacooleira possa se recuperar a ponto de atender a essa nova demanda potencial, é preciso dar mais competitividade ao etanol brasileiro. Portanto, em paralelo à implementação de mandatos estipulados pelo novo marco dos biocombustíveis e, principalmente, nesse momento em que eles ainda não são uma realidade efetiva, a CIDE, como imposto ambiental, é o principal mecanismo que pode ser utilizado para proporcionar preços competitivos ao etanol. Porém, o que vimos recentemente foi a iniciativa do governo, por motivos puramente arrecadatórios, de aumentar o PIS/Cofins sobre a gasolina e, também, sobre o etanol.

É importante lembrar que o processo de certificação, ainda que necessário, onera a produção e a importação do etanol, o que pode gerar consequências negativas ao setor. Hoje, mesmo sem os custos desse processo, já existe uma gama de desvios concorrenciais que podem ter origem, principalmente, na sonegação fiscal, e que só vêm aumentando nos últimos meses. O novo marco deve então endereçar uma solução ao mandato das distribuidoras de modo que não gere mais sonegação, e que, invariavelmente, deve passar por uma atuação mais direcionada do órgão regulador e fiscalizador competente, que é a ANP – Agência Nacional do Petróleo. 
 
Resumindo, o programa RenovaBio está prestes a criar um novo marco legal para o mercado de biocombustíveis no Brasil, que, além de ter muito potencial, é necessário para que o País consiga atingir suas metas ambientais assumidas na COP21. Até que o setor consiga estar operando em capacidade total, muitas questões estruturais, como tributação, endividamento da indústria e competitividade do etanol, devem ser ajustadas, sob o risco de o setor entrar em colapso e não conseguir atender a toda essa demanda potencial.