Me chame no WhatsApp Agora!

Tarcilo Ricardo Rodrigues

Diretor da Bioagência de Fomento de Energia de Biomassa

Op-AA-46

Os caminhos do etanol
O ano de 2015 certamente ficará gravado na história do etanol brasileiro. O ano em que produtores, governo e consumidores redescobriram o combustível renovável, presente em nossa matriz energética desde 1976 – ano de lançamento do Proálcool. Após permanecerem seguidos anos negligenciados pelo governo Federal, o consumidor, pressionado pela inflação que exaure seu poder de compra, encontrou as usinas em uma situação econômico-financeira bastante debilitada, propiciando preços altamente atrativos em relação à gasolina.  
 
Com a pressão por fazer caixa, os preços caíram muito nas usinas. A consequência imediata foi a forte migração do consumidor, que, cada vez mais, deixa de abastecer com gasolina em quase todos os estados brasileiros, onde o consumo de etanol, até então, era irrisório. Os estados passaram a consumir volumes significativos de etanol, mesmo quando a relação entre os dois produtos não era tecnicamente favorável ao combustível renovável.
 
Uma nova lógica passou a nortear os consumidores. Os recursos disponíveis passaram a conduzir a decisão pelo combustível. A consequência é que o consumo aumentou em mais de 40% na região Centro-Sul, comparado com o consumo observado na safra anterior. A relação de preços entre o etanol e gasolina na bomba alcançou 61%. O consumo disparou, razão pela qual nos foi questionado, no Seminário da Datagro, qual seria a paridade de preços ideal para equilibrar a relação de oferta e demanda.

Qualquer relação inferior a 70% deveria fazer com que o consumidor ratificasse a sua preferência pelo etanol, mas o que vemos é a demanda se comportando de forma bastante expressiva em paridades abaixo de 65%. O consumidor sempre buscará uma vantagem além do ponto de equilíbrio, o problema é que essas variações são muito bruscas e incompatíveis com um produto agrícola e sazonal. 

 
O objetivo setorial é buscar sempre o crescimento e o aumento da sua participação de mercado. A questão principal é que, dadas as características de nosso produto, isso deve ser feito de uma forma planejada, com muita antecedência. As significativas mudanças ocorridas no curso de uma safra provocarão distorções impossíveis de serem ajustadas, a não ser com alterações bastante radicais, principalmente nos preços.
 
A consequência dessa atitude é ganharmos um inimigo, ou seja, o consumidor, que não entende, e nem tem a obrigação de entender, como funcionam algumas commodities, que, além de tudo, têm seu principal concorrente, no caso a gasolina, até bem pouco tempo atrás, norteando seus reajustes baseados em variáveis políticas e de controle de inflação por parte do Governo Federal. A demanda de combustíveis, que, até 2014, cresceu em níveis de fazer inveja aos chineses, começa a dar sinais de fadiga e crescerá não mais do que 0,5% em 2015. Se repetíssemos o crescimento de 2014 em relação a 2013, da ordem de 7,7%, estaríamos mais perto do abismo do colapso do abastecimento.
 
Não temos o petróleo de que necessitamos, não temos as refinarias que precisaríamos ter. O déficit de refino do País está igualmente distribuído entre óleo diesel e gasolina. As novas e caríssimas refinarias deverão priorizar a produção de óleo diesel, agravando o déficit de refino de gasolina. Passada a instabilidade política e econômica, voltaremos a ter crescimento da ordem de 4% a.a. e demandaremos adicionalmente 12 milhões de m³ de combustível, em gasolina equivalente.

Como a frota circulante é predominantemente flexível, esse consumo poderá ser de etanol ou gasolina e dependerá da oferta dos produtos e da relação de preços entre eles. A capacidade de moagem instalada nas usinas da região Centro-Sul, hoje, é de cerca de  600 milhões de toneladas de cana, associada a uma  capacidade de produção total de etanol de 30 milhões de m³, incluindo etanol anidro, e de cerca de 36 milhões de toneladas de açúcar. 

 
Acima desses valores, há necessidade de pesados investimentos de adequação da moagem e da fabricação de etanol e de açúcar. Mesmo com o aumento do teor de etanol anidro na gasolina, de 25% para 27%, a demanda de gasolina A é maior do que a capacidade instalada de todas as refinarias nacionais, obrigando a Petrobras a complementar a demanda com gasolina importada.
 
Caso a demanda não seja suprida pelo setor sucroalcooleiro, haverá a necessidade de se importar toda essa demanda adicional, compartilhando a limitada infraestrutura de importação e exportação de combustíveis líquidos, agravada pela enorme extensão territorial de nosso País; a consequência natural serão os aumentos dos custos e a desotimização de toda a cadeia. A política de combustíveis do País, ou a falta dela, nos levará a um caos no abastecimento de combustíveis, e, se a demanda não for freada por preços realistas da gasolina, essas distorções só tendem a crescer. Não temos novos projetos de usinas capazes de aumentar a oferta no curto e médio prazo. 
 
Não temos mais capacidade de refino de gasolina, razão pela qual continuamos importando gasolina a preços internacionais, que poderão trazer prejuízos insustentáveis à Petrobras, gerando déficits em transações na nossa já combalida balança comercial e nos tornando dependentes do mercado internacional, fato que as refinarias com capacidade ociosa ao redor do planeta agradecem imensamente. A cadeia de suprimentos do etanol é totalmente diferente da gasolina. 
 
A sua produção é pulverizada em diversos estados e municípios do País. Está um pouco mais distante dos grandes centros consumidores. É quase uma logística reversa da gasolina. Por essa razão é que o fomento ao produto, seja ele etanol ou gasolina, não pode ser feito de forma dissociada, mas sim de maneira coordenada. Se começarmos a investir em logística para importação de derivados, em quase nada esses investimentos serão úteis ao escoamento do etanol, caso haja uma mudança ao incentivo do uso do biocombustível. 
 
Da mesma forma que investimentos em logística para o escoamento do etanol poderão tornar-se elefantes brancos se a decisão for a prioridade para os combustíveis fósseis. Esse é o grande desafio que vem sendo postergado, imaginando-se que, de forma natural, as forças de mercado serão suficientes para equacionar o problema. Triste engano, trata-se da conjugação, talvez única, de dois modelos de produção: o etanol produzido pela iniciativa privada, com toda a lógica que norteia os investimentos, e, de outro lado, o modelo estatal de produção, em que nem sempre a lógica está associada às decisões. O ponto de convergência desses dois modelos é a bomba de combustível, o qual, pela mais absoluta falta de visão de quem tem a missão de promover o abastecimento do País, poderá tornar uma mercadoria cara e escassa, com consequências danosas a todos os agentes da cadeia de abastecimento.